Hierarquia estética

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RODRIGO CONSTANTINO *

Postei no Facebook no sábado pela manhã um trecho da ária da Rainha da Noite, de A Flauta Mágica, de Mozart, com o seguinte comentário: Mas há quem prefira funk… questão de gosto, de preferência subjetiva? Sim, sem dúvida. Assim como é questão de gosto quem prefere comer esterco em vez de caviar…

Alguns acharam que o comentário foi elitista, esnobe. Não! É apenas a tentativa de resgatar o fundamental direito de julgar, de respeitar certa hierarquia estética nesse mundo relativista, onde tudo tem que ser “igual” pois as diferenças ofendem. Quando “tudo” é arte, nada é arte!

Um dos que têm combatido esse relativismo estético – que, não se enganem, tem forte ligação com o ético – é Ferreira Gullar. Ele volta e meia utiliza sua coluna aos domingos na Ilustrada da Folha para bater nessa tecla, com razão. Voltou ao tema hoje, com um importante artigo defendendo que a beleza ainda põe mesa. Diz o poeta na abertura:

Arte sempre teve a ver com beleza, mesmo quando, aparentemente, mostra o feio, o horrível, o abjeto.

Não é fácil explicar o que acabo de afirmar. Para dizer a verdade, não sei ainda como explicá-lo, mas sei que o que disse é certo: a arte sempre teve (e tem) a ver com a beleza, porque, do contrário, não nos daria prazer. E não venham agora me dizer que arte não é para dar prazer. E seria para que, então? Para nos fazer sofrer é que não é, porque sofrimento já há demais na vida e ninguém gosta de sofrer, a não ser os masoquistas, que são doentes.

Inventei uma frase que o pessoal aí adotou e repete: “A arte existe porque a vida não basta”. E é verdade. Não pretendo com isso dizer que a vida é só chatice e sofrimento. Não, a vida tem muita coisa boa e bela, mas, por mais que tenha, não nos basta. É que nós, seres humanos, sempre queremos mais. Mais alegria, mais felicidade, mais beleza.

O ser humano deseja o belo, e a beleza é fundamental. Infelizmente, vivemos em uma época de revolta contra tudo que é melhor, mais belo, mais refinado. É como se os medíocres tivessem descoberto seu poder numérico e desejassem destruir os melhores. O relativismo moral, ético e estético é exatamente isso.

Suspender o julgamento porque todos são “iguais” em suas diferenças, e ninguém é melhor do que ninguém, significa a vitória do pior sobre o melhor, do feio sobre o belo. Pergunto: a quem isso interessa? Quando Mozart e Beethoven são jogados no mesmo saco que Valesca Popozuda e Tati Quebra-Barraco, quem sai perdendo e quem sai ganhando? Quando um linguajar chulo é equiparado a um texto clássico, quem ganha? Quando “nós pega os peixe” e Shakespeare são “apenas diferentes”, quem perde? Gullar conclui:

O acaso é, sem dúvida, um fator presente na realização de qualquer obra de arte mas, a partir da Renascença, quando os pintores buscaram a execução cada vez mais perfeita, esse fator foi sendo quase anulado. Na época moderna, chegou-se ao extremo oposto mas, num caso como noutro, o que se buscava era a beleza.

Isso é diferente de certo tipo de manifestação artística contemporânea, em que não há qualquer preocupação com o apuro da linguagem utilizada. Em alguns casos, pelo contrário, o autor parece buscar o primarismo e o mau gosto, como a nos dizer que arte e beleza são coisas velhas, ultrapassadas.


Pelo bem da humanidade, espero que não sejam coisas velhas, ultrapassadas. A guerra é cultural, e os defensores da hierarquia estética estão perdendo batalha atrás de batalha. Que não seja tarde demais para virar o jogo.
* PRESIDENTE DO INSTITUTO LIBERAL

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