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Globalização versus Regionalismos

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Veneza_Rialto_GondoliersRecentemente, o site do Instituto Ludwig von Mises publicou um artigo surpreendente, ao menos para a maioria das pessoas que não acompanham o dia a dia da vida política europeia.

Dizia ele que foi feito um plebiscito e este revelou que a esmagadora maioria dos venezianos é favorável à separação de Veneza do resto da Itália.

Eu já tinha ouvido falar num movimento separatista, a Liga Lombarda, que há muito propõe a separação do norte da Itália do centro e do sul.

Mas um plebiscito é algo mais contundente do que marchas, manifestos, etc. e o é por expressar a voz do povo, não o que algumas vezes são vozes de uma minoria de insatisfeitos.

Recentemente, a Escócia também fez um plebiscito em que a maioria manifestou o desejo de se separar do Reino Unido (formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte). A do sul há muito tempo se transformou em Eire Republic, para a satisfação de James Joyce e seu Finnegans Wake.

Sabemos que na Espanha há muito que os catalões e os bascos desejam se separar do reino de Don Juan Carlos de Borbón.

Não são poucos os movimentos separatistas na Europa possuidores de longa tradição histórica.

Antes da unificação dos países da Península Itálica, feita em 1860 pelo Primeiro-Ministro de Vitor Emanuel II, Conde de Cavour, não existia um país chamado “Itália”.

Existiam ducados e repúblicas independentes, entre eles a Sereníssima República de Veneza, assim também como existiu a República da Catalunha durante a Revolução Espanhola.

E antes da unificação feita por Otto von Bismarck, não existia um país chamado “Alemanha”, mas sim o Reino da Prússia, o Reino da Baviera e alguns ducados e principados.

Com a globalização e com a criação da Comunidade, tudo levava a crer que fossem fortalecidas as identidades nacionais europeias e, em contrapartida, enfraquecidos os regionalismos.

Mas não é isso a que estamos assistindo. Se, por um lado, a globalização e a União Europeia intensificaram intercâmbios culturais, políticos e econômicos entre as nações do bloco, por outro estimularam bastante os regionalismos já existentes há muito nos países componentes.

Em parte, esses movimentos separatistas se devem às grandes diferenças socioeconômicas e culturais da maioria dos países da Comunidade Europeia.

O norte da Itália, em que ficam Veneza, Gênova, Milão, etc., é uma região muito mais próspera do que o centro e o sul do país.

Uma das principais alegações dos separatistas venezianos é que eles trabalham muito e pagam impostos salgados, para sustentar as “preguiçosas e improdutivas” Roma, Nápoles, Palermo, etc.

Em Portugal, há um antigo dito com um espírito bem próximo: “O Porto trabalha, Coimbra estuda e Lisboa dança”…

Não obstante, desconhecemos a existência de movimentos separatistas, a não ser durante a Revolução dos Cravos (de caráter comunista) em que o norte se separou do sul e o país viu-se obrigado a fazer o que nunca fizera em sua história: importar comida!

Alegação semelhante ao antigo dito português tem sido ouvida no Brasil há bastante tempo: a de que São Paulo “carrega nas costas” as regiões Norte e Nordeste.

Exageros e preconceitos bairristas à parte, não se pode negar a existência de um cheirinho de verdade, tanto nas reclamações dos venezianos como nas dos paulistas.

Tanto a Itália como o Brasil estão entre os dez maiores PIBs do mundo, mas em ambos os países é verificável um desenvolvimento regional extremamente desigual.

Basta comparar o PIB de São Paulo com o do Maranhão, o estado mais rico da Federação e o mais pobre respectivamente.

Mas não são somente essas diferenças socioeconômicas que estão em jogo. A Escócia não apresenta um grande contraste de caráter socioeconômico em relação à Inglaterra, mas, mesmo assim, deseja se separar do Reino Unido. Por quê?

Se quisermos compreender os motivos dos escoceses, teremos que buscá-los em outras diferenças marcadas pela Muralha de Adriano que, desde o tempo da dominação romana, separa o país do salt porridge (mingau salgado) do país do sweet porridge (mingau doce).

Na Alemanha, diferença semelhante existe entre a Terra do Rotwurst (salsicha vermelha) e a do Weisswurst (salsicha branca), ou seja: respectivamente a antiga Prússia e a antiga Baviera. Mas desconhecemos a existência de um movimento separatista nesta mesma república federativa.

Se quisermos encontrar outros arranjos político-administrativos bem sucedidos, teremos os exemplos das repúblicas federativas da Suíça – a antiga Confederação Helvética – e dos Estados Unidos – as ex-Treze Colônias da América.

A Federação americana surgiu com a Independência dos EEUU em 1776. Inspirou outras repúblicas federativas nas Américas, como a República Federativa do Brasil, que já teve o nome de Estados Unidos do Brasil, numa Constituição passada.

Lá os representantes eleitos das Treze Colônias se reuniram e decidiram formar uma Federação, criando leis federais que se somaram às diferentes legislações das Colônias mantendo sua vigência.

E Pluribus Unum (Da Pluralidade à Unidade), como diz o lema americano. Outra maneira de expressar isso seria dizer: a unidade na diversidade.

Mesmo assim, essa forte coesão da Federação foi rompida quando a União declarou extinta a escravatura e os Estados Confederados (os do sul) declararam sua separação, o que gerou a Guerra de Secessão.

Desse modo, a Federação criada espontaneamente pelos representantes das Treze Colônias, com a vitória do norte passou a ser imposta aos Estados Confederados do sul, quando podia simplesmente ter sido aceita sua separação…

Cá, no Brasil, a Federação foi imposta pelo Estado de cima para baixo, não dando a menor atenção às diferenças regionais. Não é de causar espécie num país em que o Estado precedeu a sociedade!, como mostrou muito bem Camilo Torres.

E com uma forte centralização administrativa desrespeitando o Princípio de Subsidiariedade, a saber: a União não deve fazer o que os Estados podem fazer, os Estados não devem fazer o que os Municípios podem fazer.

Em países europeus, como Itália, Espanha, Reino Unido, etc., a unificação foi feita à força.

Um país predominante, seja ele Castela, Prússia, Piemonte ou Inglaterra, etc., submeteu os demais não levando em consideração suas grandes diferenças regionais.

Não é de estranhar a existência de tensões políticas desde o advento da unidade nacional, nem os movimentos separatistas que ganham força agora, motivados pelas grandes diferenças socioeconômicas regionais e/ou pelas não menores diferenças de costumes e mentalidades.

A questão da emergência de movimentos separatistas é extremamente complexa e delicada, principalmente se levarmos em consideração segregações contrastando com caráter agregador da globalização.

E pensar que tem muita gente nutrindo a utopia de um governo mundial, entre eles os sonhadores incuráveis e os burocratas da ONU…

Os que pensam que basta um plebiscito, em que a maioria separatista saia vitoriosa, para que seja legitimada e feita a separação, certamente aplaudirão a possível criação (ou a possível restauração) da Sereníssima República de Veneza.

Mas, pela mesma razão, deverão aplaudir a decisão tomada pelo Parlamento da Criméia de se separar da Ucrânia, seguida da decisão de se unir à Rússia do camarada Putin, ex-chefão da KGB e atual “czar de todas as Rússias”.

Em princípio, uma separação respeitando o desejo da maioria, expresso mediante um plebiscito e/ou mediante decisão de um parlamento eleito pelo povo, está de acordo com o espírito democrático.

Em princípio, também está de acordo com os princípios de autotelia e de autodeterminação dos povos, que se aplicam tanto quando está em jogo a união, por livre e espontânea vontade, quanto à desunião pelo mesmo fator.

Algo semelhante se passa no casamento e no divórcio de dois indivíduos dotados de autotelia para se unirem e para se desunirem quando julgarem ser esta a melhor opção.

Todavia, examinando mais detidamente cada caso de separatismo, não podemos deixar de levar em consideração como foi feita a unificação das partes envolvidas.

Se ela foi feita a partir da livre e espontânea vontade das partes, a separação implica um rompimento de acordo ou de contrato feito por razões aparentemente válidas.

Mas se ela foi imposta pela força, é legítimo que seja desfeita por um plebiscito ou mesmo pela própria força que impôs sua integração.

Legitima-se, por conseguinte, a decisão dos representantes das Treze Colônias de se unirem para formar os Estados Unidos da América.

Mas dificilmente se legitimará a decisão de Abraham Lincoln de ir à guerra para tentar uma reintegração à União dos Estados Confederados.

Porque eles decidiram se separar com base no mesmo princípio que as Treze Colônias tinham decidido se unir numa república federativa.

Se deste ponto de vista Lincoln poderia ser criticado, de outro ponto de vista – o da liberdade e da prosperidade dos Estados Unidos – ele só pode ser elogiado.

Se o sul tivesse ganhado a guerra, não sabemos se ele se manteria como uma nação independente do norte ou se integraria o norte a uma nova Federação.

”Ai dos vencidos!”, já dizia Breno, o gaulês, após ter invadido e dominado Roma, exigido um pesado resgate para se retirar e ter recebido fortes reclamações dos romanos.

Caso tivesse optado pela primeira alternativa, o norte continuaria trilhando seu caminho de prosperidade, com todos os americanos, brancos e negros, homens livres.

Mas o sul continuaria sendo predominantemente agrário e escravocrata e estaria se parecendo mais com o México de Carranza, Zapata e Pancho Villa do que com o norte de Washington, Jefferson e Lincoln.

Supondo que ele tivesse optado pela segunda alternativa, a nova Federação americana estaria comandada por uma aristocracia rural de grandes fazendeiros produtores de milho, algodão, fumo, etc. só levada adiante mediante o trabalho dos escravos.

Pior que isto: a escravidão seria estendida a todos os Estados da Federação e talvez tivesse durado tanto tempo ou mais do que a escravidão no Brasil, o último país das Américas a libertar seus escravos!

Em suma: Se os Estados Confederados tivessem ganhado a Guerra de Secessão, a nova Federação teria passado apenas por um upgrade fajuto, e os Estados Unidos da América seria hoje uma espécie de Estados Unidos do Brasil um pouco melhorado.

Mas quanto à momentosa separação da Criméia? Bem, essa é uma outra história que talvez tivesse começado com o massacre sofrido pela Brigada Ligeira britânica, ainda nos tempos do czarismo.

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Mario Guerreiro

Mario Guerreiro

Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

Um comentário em “Globalização versus Regionalismos

  • Avatar
    08/04/2014 em 10:44 pm
    Permalink

    Não é apenas a cidade de Veneza que pensa em se separar, mas sim toda a região do Vêneto, estado onde ela está localizada.

Fechado para comentários.

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