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G.A. Cohen contra o libertarianismo (parte 3) – a questão utilitária na escola austríaca

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Esgotada a discussão deontológica, podemos abordar a discussão utilitária já criticada por Cohen.

 

O libertarianismo utilitário exige fundamentos econômicos sólidos, tais como apresentados pela Escola Austríaca e pela Escola Neoclássica. Embora haja uma certa unanimidade na academia acerca do valor da liberdade de mercado na alocação de bens e serviços, a corrente majoritária hoje, o keynesianismo, é um crítico severo das falhas que o mercado poderia supostamente apresentar.

 

As falhas de mercado costumam se dividir, dentro da visão keynesiana, em falhas técnicas e falhas sociais. Falhas técnicas seriam as externalidades, que são as transferências de custos do uso do bem das pessoas que efetivamente o usaram para as que não usaram, o que normalmente ocorre no caso dos bens públicos e do efeito-vizinhança, e os monopólios. Falhas sociais seriam de ordem ética, onde o mercado daria preferência aos interesses individuais mesquinhos ao invés do bem comum[1].

 

De acordo com a Escola Austríaca, a maioria dessas supostas falhas de mercado seriam resultantes de defeitos extra-mercado, de natureza institucional, e quando efetivamente decorrem do “caos tendente à ordem” de trocas livres, tendem a ser amplificadas pela intervenção governamental.[2]

 

No caso dos bens públicos, tal transferência de custos efetivamente ocorre. Quem usa o bem público, dele se aproveita, mas os custos são repartidos para toda a sociedade, que pagará através de tributos. Com isso, se cria um estímulo para a superutilização do bem, pois quem não o usar o custeará do mesmo jeito, sofrendo um prejuízo. Esse efeito de insustentabilidade no consumo do bem público é chamado “tragédia dos bens comuns”, e a solução natural para o caso é a privatização do bem, de forma que quem o use arque com o custo dessa utilização[3].

 

O efeito-vizinhança é um problema criado justamente pela falta de direitos de propriedade, e não pelo seu excesso. Quando uma fábrica joga poluentes no rio usado por todos os moradores de uma cidade, ou no ar a ser respirado pelos vizinhos, em regra isso ocorre por autorização estatal, e a poluição vai, no máximo, gerar uma indenização a ser paga ao próprio Estado, que destinará tais recursos como lhe aprouver. Caso o rio ou, em um exemplo extremo, o ar respirado e apropriado pelo ser humano, fosse de sua propriedade, ele teria como ingressar com ação para receber indenização ou cessar com a atividade poluidora, que gera um custo de saúde. Na verdade, é a publicização do bem que gerou o efeito-vizinhança[4].

 

Monopólios e oligopólios são estruturas típicas do mercado não-austríaco, onde existiria tendência ao equilíbrio e necessidade de concorrência perfeita. Dentro dessa visão, a concentração de mercado geraria excesso de poder dos produtores frente aos consumidores. Essa estrutura de mercado, na verdade, pouco influi na formação de preços, pois o que realmente importa é a acessibilidade do concorrente potencial no mercado. Havendo essa possibilidade, já há o efeito redutor de preços frente ao produtor concentrador de mercado. Monopólio de verdade, onde há completa impossibilidade de concorrência potencial, somente ocorre no caso de obstrução de mercado pelo Estado, seja através de leis ou custos burocráticos exagerados, normalmente feitos em virtude de corrupção e favorecimento pessoal[5]. O único monopólio inquebrável é o Estado, que detém o monopólio do uso legítimo da força.

 

Sobre as falhas sociais, o mercado é o tipo de ambiente que melhor usa o egoísmo em favor da sociedade. Em um mercado, para que um agente egoísta possa satisfazer seus interesses, ele deve prestar o melhor produto ou o produto mais barato. Na melhor das hipóteses, o melhor e mais barato produto. Ou seja, para lucrar, o empresário precisa satisfazer o consumidor. Já na prestação de bens e serviços pelo Estado, a lógica é a inversa. Quanto pior a prestação do produto ou serviço e maior o desperdício de recursos públicos, maior fica a pressão popular pelo aumento de verbas para determinado setor, criando incentivos econômicos inversos aos pretendidos[6]. Tal fenômeno se vê com especial clareza no caso da educação e da saúde pública do país, que mesmo com um modelo de gestão falido, continuam a ser agraciados pela população com uma contínua campanha de injeção de recursos.

[1]    IORIO, Ubiratan. Economia e Liberdade. São Paulo: Inconfidentes, 1995. p. 83.

[2]    Id, Ibid. p. 82.

[3]     Id, Ibid. p. 84.

[4]    Id, Ibid. p. 85.

[5]    Id, Ibid. p. 85.

[6]    Id, Ibid. p. 86.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

Um comentário em “G.A. Cohen contra o libertarianismo (parte 3) – a questão utilitária na escola austríaca

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    02/04/2015 em 4:28 pm
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    Concordo com tudo. Mas me preocupa os monopólios intensivos em capital, aonde o fabricante pode gerenciar sua margem de lucro para manter a concorrência fora. Algo parecido está acontecendo hoje com relação ao preço do petróleo, com o objetivo de deixar fontes de energia alternativas inviáveis sob o aspecto financeiro. É lógico que o dono de um monopólio não coloca o preço do seu produto o mais barato que puder, e sim no limite da possibilidade de compra pela sociedade. Se alguém está investindo para fabricar o mesmo produto, o dono do monopólio pode forçar os preços de modo que o retorno do investimento se torne muito longo e incerto. Além do que, se ele é dono de um monopólio em ambiente de mercado, tem seus méritos e tecnologia que para ser atingida por concorrentes também dependem de investimento prévio.

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