Estado de Direito em perigo
A CPI atual está profundamente incomodada com o direito de permanecer calado. Nossos representantes eleitos acham que podem tudo, inclusive extrair confissões dos cidadãos para que, depois, eles sejam processados e condenados. Deixemos de lado a politicagem de todas as CPIs que ocorreram no país (todas são iguais). Muito bem. Isso tem algum cabimento? É obvio que não. Uma CPI representa o Estado e, na hipótese, a sua violência coercitiva contra indivíduos (a menor minoria que existe).
Diante da irritação parlamentar, o ministro Luiz Fux proferiu decisão que fez do inquisidor (a CPI) o árbitro de um tal “abuso” do direito de ficar calado. Vejamos o seguinte trecho: “Por outro lado, nenhum direito fundamental é absoluto, muito menos pode ser exercido para além de suas finalidades constitucionais. Nesse ponto, às Comissões Parlamentares de Inquérito, como autoridades investidas de poderes judiciais, recai o poder-dever de analisar, à luz de cada caso concreto, a ocorrência de alegado abuso do exercício do direito de não-incriminação. Se assim entender configurada a hipótese, dispõe a CPI de autoridade para a adoção fundamentada das providências legais cabíveis.”
A solução dada, com todo respeito, é bem complicada. Deixa os indivíduos nas mãos de políticos que – em muitos casos – aproveitam a CPI como palanque, correndo o risco de serem processados posteriormente. Agora, todo aparato coercitivo da Comissão será usado para impedir que indivíduos permaneçam calados.
A solução americana é infinitamente melhor. Em Kastigar v. United States – 406 U.S. 441, 92 S. Ct. 1653 (1972) – a Suprema Corte decidiu que o Estado pode obrigar alguém a falar, mas, nesse caso, o indivíduo passará a gozar de imunidade. Ou seja, não poderá ser processado por nada do que disser à CPI. Trata-se de um trade-off razoável. Se o Estado obriga alguém a falar, não pode usar essas informações para condenar.
Entender de outra forma seria fazer letra morta do artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal. Ou, melhor, ignorar, solenemente, o direito a não-autoincriminação – um dos pilares fundamentais do Estado de Direito –, que tem por objetivo garantir ao cidadão que ele não será compelido à realização ou produção de quaisquer provas que possam prejudicá-lo.