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Esperanças esquecidas!

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DR. JOSÉ NAZAR *

“Este País não tem conserto”, palavras ditas por uma jovem garçonete que serve café da manhã num hotel de Vitória.

Essas palavras produziram alguns efeitos na minha mente. Chamaram-me para a realidade crua de fatos que acontecem na vida cotidiana e que, por alguma razão, não costumamos dar muita atenção. Fechamos os olhos e desligamos nossa capacidade de pensar para não enxergar as verdadeiras desgraças que batem à nossa porta.

A jovem garçonete continuou: “o senhor fica escrevendo coisas no jornal, alimentando esperanças nas pessoas, mas deveria ver as coisas como elas são!”. O que ela quis dizer com isso? Trata-se de alguém que tem liberdade para dirigir-se a mim com essa franqueza. Todas as manhãs de sextas-feiras conversamos sobre coisas da vida no café do hotel. Ela sabe que sou psicanalista. Já com os garçons, converso sobre futebol, “coisa” de homens!

Sem saber muito bem o porquê, parece que essa conversa ficou perturbando o curso “normal” dos meus pensamentos  causando-me um certo distanciamento das coisas e levando-me a refletir sobre a frase dita pela moça.

Depois de alguns dias, quando fui convidado para participar de um evento sobre Maioridade Penal, assisti a um coral de jovens moças que me emocionou profundamente. São meninas que cumprem medidas socioeducativas por vários delitos. Elas vivem numa casa de ressocialização. Não costumo dar demonstrações públicas de minhas emoções, mas, curiosamente, naquela ocasião fui tomado por incontrolável choro, que só depois pude compreender. O que vi se articulou com o que escutei da garçonete: esperanças esquecidas!

Dei-me conta da realidade nua e obscena de nosso país: como pode uma juventude sensível, inteligente e promissora ser desperdiçada pelos desmandos, corrupção, descasos com a responsabilidade legal sobre o futuro do país a ponto de jovens como a garçonete e as componentes do coral não terem esperanças quanto ao futuro? Um sujeito sem esperanças é  alguém que desiste de percorrer uma estrada por onde se constroem coisas que alimentam o futuro. O futuro é isso que construímos!

Na frase ouvida e na cena do evento o mesmo abandono se apresenta. Por quê? Porque a beleza das vozes emoldurada pelo canto é insuficiente para esconder a desesperança mostrada pelo olhar que vi nas jovens. O canto é invocação, liberdade mas, também, pedido de reconhecimento. Exatamente o que falta àquelas presas por diversos delitos, que só naquele momento puderam desfrutar do convívio e da liberdade de estar com outros na vida social, fora das grades e das violências dos presídios e da miséria de suas histórias de origem. São jovens espancadas pela vida desde que nasceram!

Não me furtando ao choro, pois tornara-se claro o que eu sabia das razões daquela forte emoção, eu iniciei a minha conferência me dirigindo à essas meninas. Aproximei-me ainda com olhos banhados de lágrimas soltas, procurei me fixar em seus olhares e disse: “eu estou com muita raiva, com muito ódio, pois vocês me fizeram chorar em público. Entendo alguma coisa do que se passou na vida de vocês. Conheço de perto a dor desses sofrimentos. Já passei por isso e confesso que a prisão à qual fui forçado a frequentar por alguns longos anos foi muito pior que a de vocês. Hoje sou um profissional de sucesso, renomado, e essa conquista não foi sem sacrifícios. Portanto, eu lhes digo: vocês precisam acreditar. Insistam, acreditem, ultrapassem os muros dos erros da vida”. Já um pouco mais solto, sem me preocupar tanto com o sentimento de vergonha que me tomava, afinal, ali estavam presentes autoridades, psicanalistas e pessoas que fazem análise comigo. Que vexame! Segui em frente dizendo: “Mas pensem no que vou lhes dizer, pois isso é fundamental: não esperem nada de ninguém. Vocês precisam acreditar, porque Deus não dá nada de graça para ninguém. Cada uma de vocês, dentro do possível, procure um caminho diferente. É difícil, mas não é impossível. Deixem de lado os modelos e insistam em algo diferente. É preciso que vocês pensem, reflitam, dialoguem com pessoas que possam escutá-las. Quebrem as amarras históricas das repetições que as levaram a cometer delitos mesmo sem saber muito bem o que estavam fazendo. Procurem, e irão encontrar, as raízes de uma estima que habita dentro do coração de cada uma de vocês. Acreditem!”

* PSIQUIATRA E PSICANALISTA DA ESCOLA LACANIANA DE PSICANÁLISE

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