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Ensaio sobre um novo fenômeno: a Lei Coase-Surowiecki

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Existe um fenômeno social inédito que nos dias atuais se converteu numa tendência global. Esse fenômeno é tão inédito que tem levado os especialistas políticos a cometerem os piores erros de previsão. É um fenômeno que desafia as noções mais tradicionais de causa e efeito na sociedade, no cálculo de comportamento das massas, e cujo mecanismo ainda permanece ignorado pelos especialistas. Tomo a iniciativa de batizar este fenômeno de efeito Coase-Surowiecki. Antes de esboçar como este mecanismo funciona, tentarei justificar que até certo ponto, faz sentido acreditar que existem leis ocultas governando o comportamento coletivo. Estas agem com evidência estatística, não determinam o destino de cada indivíduo, mas somente daqueles que não exercem o seu livre-arbítrio, digamos assim.

A evidência de uma ação individual se dá quando esta age contra a correnteza que impele os demais. Chesterton já disse algo assim com outras palavras. Vamos tomar como exemplo o sucesso individual. Como o sucesso não é alcançado por todos, este é um fenômeno que aparenta evidenciar uma ação genuinamente individual. Ninguém consegue explicar um Nobel como resultado de leis que atuam nas massas (exceto as feministas como Júlia Kristeva que acreditam que a Teoria da Relatividade é consequência do machismo, do patriarcalismo, etc). [1, Alan Sokal: Imposturas Intelectuais].

Vamos então analisar o sucesso. O sucesso é fruto de uma dessas três coisas: o acaso, o privilégio e a atitude filosófica. Acaso e privilégio parecem a mesma coisa, mas na acepção específica em que vou usá-los, esses termos se diferem da seguinte forma: o privilégio diz respeito às condições iniciais do indivíduo e cujo bom uso pode depender da inteligência ou atitude filosófica. Um exemplo é descobrir que suas pernas compridas são boas para a maratona. O acaso é o que está fora do controle de qualquer inteligência, como ganhar na loteria ou ser atingido por uma bala perdida. Na discussão sobre o tema, Laplace nega a sua existência; Bernoulli afirma que todo evento, por mais fortuito que seja, é regido pelo destino e Poincaré diz que o que pensamos ser aleatório, na verdade é governado por perturbações mínimas que fogem ao nosso conhecimento. Se fogem do nosso conhecimento, então estão fora do alcance de qualquer inteligência.

Já a atitude filosófica se dá quando a pessoa senta e pensa o que faz alguém ter sucesso (não se preocupe, não vou te levar a um looping), como tirar proveito das circunstâncias (Ortega y Gasset dá importantes lições sobre isso) e o que é o sucesso em si. Quando algo é alvo de abordagem filosófica, é visto além de suas características mais imediatas. Suponha que este objeto seja uma bola de futebol. A abordagem filosófica da bola de futebol implica ir além de pensar no que ela acabou de fazer (por exemplo, um gol), mas pensar em como ela foi feita, o porquê de ter sido feita, o que significa para todos, etc. A imagem que costumo usar é quando alguém no meio da floresta quer sair de onde está e decide não mais se deixar guiar pela confiança de que cada solução momentânea de cada acidente de percurso irá conduzir, pela soma de acertos de caminho decidido, até o final, a saída, mas entende que deve subir ao topo de uma árvore alta e ver com toda a amplidão a paisagem que o espera e saber em toda a sua inteireza de onde jamais deverá se afastar se quiser chegar ainda vivo ao destino, pois na ignorância ninguém poderá se guardar contra a comodidade de seguir atalhos que se fecharão em círculos eternos. Thales de Mileto, a quem se atribui ser o primeiro filósofo da história, é um exemplo disso. Ele pensou “o que faz uma pessoa ficar rica”, tirou sua conclusão (explicou que era a aquisição de algum tipo de monopólio) e aplicou. Ficou rico. Os gregos eram muito bons nessa brincadeira de teoria e prática.

Por esse motivo faz muito sentido o hábito popular de conferir credibilidade àqueles que ficaram ricos vindos da pobreza ou aos gênios que fizeram alguma descoberta revolucionária, e por isso se acaba por dar ouvidos aos seus conselhos que visam a toda a humanidade e pensamentos sobre como resolver os problemas do mundo. Não são poucos os que desejam ficar ricos ou obter o reconhecimento como grandes pensadores da história. A maioria não consegue e suspeita haver um segredo que os afortunados dominam. Entretanto, se soubessem mesmo o segredo, então teriam percebido o que ninguém mais percebeu e nesse caso, com a cabeça cheia de informações inéditas, seriam capazes de dar novos fundamentos às ciências humanas, à economia ou à sociologia, seriam portadores do conhecimento de um mecanismo ou lei que ninguém mais teria.

Soros tentou nos fazer acreditar nisso no seu livro Alquimia das Finanças, apresentando a Teoria da Reflexividade. Queria justificar o seu sucesso nos negócios pela evidência de uma visão iluminada das coisas.

Bill Graham em seu livro O investidor Inteligente defende que um dos principais critérios do investidor bem sucedido é que ele conheça aquilo em que está investindo (um tapa na cara dos grafistas) e Warren Buffet parece ter seguido o seu conselho, o que por si só justifica a crença de que o ato filosófico de conhecer pode ter algo a ver com ficar rico. Outro exemplo é o Harry Markowitz, que escreveu um artigo inovador com a tese de que uma carteira de ações é totalmente diferente das propriedades consideradas individualmente. Seu artigo é uma síntese das idéias de Pascal, de Moivre, Bayes, Laplace, Gauss, Galton, Daniel Bernoulli, Jevons, von Newman e Morgenstern, cujo propósito era reduzir ao máximo o risco de uma carteira de ações. Markovitz ganhou um Nobel e ficou muito rico, embora Nicholas Taleb tenha concluído em seu livro Lógica do Cisne Negro que suas ideias não funcionaram na crise de 2008 e que sua ideia de confiabilidade e segurança reflete uma ilusão coletiva.

Deixei por último o melhor exemplo: Edward Thorp. Este último teorizou que a contagem das cartas pode vencer a banca no Cassino. Publicou um artigo sobre isso – Beat the Dealer: A Winning Strategy for the Game of Twenty-One – e experimentou sua tese. Ganhou muito dinheiro. Então se juntou com o homem que concebeu a Teoria da Informação e inventou o computador digital, Claude Shannon, e juntos venceram a roleta dos cassinos. Ganharam muito dinheiro. Em seguida teorizou sobre o uso da computação no mercado no livro Beat the Market, aplicou suas ideias e o seu grupo se tornou bilionário (Edward O. Thorp, Beat the Market: A Scientific Stock Market System, 1967).

Tirando todas essas exceções, pois todos os citados fizeram grandes fortunas, a verdade é que a maioria dos que enriqueceram não conhece segredo nenhum e na melhor das hipóteses aplicou um bom senso que não exerceria qualquer efeito em outras pessoas e cenários. O mercado editorial está repleto de bestsellers sobre receituário da riqueza que buscam sintetizar as ações dentre os que ficaram milionários. O cético Taleb no seu livro A Lógica do Cisne Negro pergunta onde estão os livros de todos aqueles que tentaram as receitas e permaneceram pobres. Muito dos gênios só fizeram suas genialidades porque foram levados pela sua loucura particular a pensar com extrema profundidade  naquilos que lhes interessava. Fossem os alvos de seus interesses os Illuminati ou Ets, em vez de problemas matemáticos, seriam apenas loucos. Esta pode ser a explicação do porquê de o maior lógico do século vinte ter morrido de fome para evitar a morte por veneno. O privilégio mental que deu glória para o austríaco Kurt Godel foi também a doença que o matou. Se isto não faz sentido para vocês, para mim é bastante lógico.

A biografia de Abílio Diniz é outro exemplo: quer nos convencer que foi o mérito que o levou ao sucesso, mas o que seu livro me sugere é um pouco mais de privilégio do que atitude filosófica, pois a sabedoria do que fazer a partir de onde partiu não exigiu um grande salto de conhecimento, já que o pai de Abílio já era um próspero empreendedor.

Em resumo: querer ficar rico ou fazer uma descoberta sem ajuda do acaso ou privilégio é lutar contra uma inteligência coletiva empenhada em aproveitar todas as oportunidades e fazer todas as descobertas exaustivamente antes de você.

Continua amanhã na segunda parte.

Sobre o autor: Hélio é engenheiro elétrico e livreiro. É um dos fundadores do grupo de estudos e debates COF RIO sobre filosofia, literatura, política e história. Ministra palestras e workshops sobre filosofia e teoria econômica.  

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