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Em defesa de Juliana Paes contra a balbúrdia tribal

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A manifestação das próprias ideias em um contexto em que elas não são tão abertamente ou amplamente admitidas, em especial por parte de figuras públicas de grande repercussão, tende a ser um ato de coragem. Quando se trata de falar em liberdade, sensatez e diálogo perante a multidão dos militantes do irrazoável e dos trogloditas tiranetes em potencial que empesteiam o “debate” público, ainda mais – e o preço a pagar pode ser alto.

A atriz Juliana Paes expressou a opinião de que a médica Nise Yamaguchi, independentemente da posição que se tenha sobre suas teses, deveria ter sido tratada com mais educação pelos parlamentares que integravam a CPI da Covid-19. Acusada de ser militante do presidente Jair Bolsonaro por isso, ela gravou um vídeo desmentindo essa pecha e externando uma posição política diferente da apregoada por boa parte de seus colegas no meio artístico. Foi o suficiente para despertar contra ela uma horda de lunáticos, que jurariam de pés juntos estar apenas defendendo o bom, o belo ou os ursinhos carinhosos ao tentar constrangê-la.

Ressaltando ter sido a primeira a expressar o desejo de se vacinar contra o coronavírus e defender que as pessoas respeitassem o isolamento e o distanciamento sociais, Juliana disse, porém, não se sentir no direito de pedir que as pessoas fiquem sem trabalhar. Questionou a politização de todos os assuntos e o desrespeito à individualidade: “qualquer opinião é tomada como uma decisão entre esse ou aquele lado, é bom ou ruim. É um maniqueísmo imaturo. Não, eu não sou ‘bolsominion’, como adora acreditar quem não me conhece de perto. Eu tenho críticas severas a esse que nos governa. Por outro lado, eu tampouco quero que governe essa oposição que se insinua aí para o futuro. Eu estou em um ambiente em que não me sinto representada por ninguém”.

“Eu não apoio as ideias arrogantes da extrema direita, eu não apoio delírios comunistas da extrema esquerda”, complementou. Disse ainda querer “um governo liberal, que respeite as liberdades individuais, uma máquina pública enxuta, o fim de fundo partidário e eleitoral”. Pronto. Juliana Paes cometeu o terrível pecado de não jogar para plateias populistas, de não perseguir o aplauso fácil das claques – por vezes insufladas por cabos eleitorais mal disfarçados na função de formadores de opinião. Deu no que deu.

De um lado, para atacar Juliana Paes por dizer desejar um governo liberal, a atriz e humorista Samantha Schmütz sentenciou que não existe extrema esquerda atuando com poder relevante no Brasil. Há que se discutir o que seria poder relevante; de fato, a extrema esquerda não está à testa do Poder Executivo, mas o poder de influenciar o imaginário, de formar lideranças culturais, de produzir narrativas, é um poder relevante, e ele continua sendo bastante exercido.

Samantha ironizou ainda o uso da expressão “comunismo”, dizendo que ela não pode ser usada no Brasil em contexto algum. Se pretendesse tornar efetivo o seu comentário, a humorista deveria se dirigir primeiramente não à sua “colega”, mas a deputados que fazem sessões solenes em homenagem à Revolução Cubana ou à Coreia do Norte e a candidatas à vice-presidência do país ou à prefeitura de Porto Alegre que defendem abertamente um “comunismo diferente” como alternativa de organização social.

Por fim, Samantha tentou ensinar Juliana Paes que artistas não precisam ter posição política, mas é “bem-vindo” que aqueles que se pronunciam busquem entender “minimamente” o que estão colocando em pauta; talvez ela própria fizesse bem em “calar a boca” e se limitar aos gracejos e gritos do Juninho Play ou do “Vai que Cola”.

Antes fossem apenas as manifestações levianas de Samantha Schmütz; diversos outros artistas, que me pouparei de citar, vociferaram contra a suposta conivência de Juliana Paes à destruição da natureza, ao genocídio dos negros (?), sua falta de empatia com os pobres, entre outros clichês imbecilizados, por ela se dizer – oh, céus! – liberal e antipetista. Não querer se jogar aos braços de Lula, um “paparicador” sistemático de ditaduras socialistas e tiranos do Oriente Médio, um patrocinador dos maiores escândalos de corrupção da história do planeta, um demagogo que ameaçou a sociedade com a subversão do “exército de Stédile”, é sinônimo de ser uma aberração insensível à realidade.

Por outro lado, também houve os velhos xingamentos, embora nesse caso não provenientes dos círculos “globais” da atriz, por parte de quem não pode aceitar suas críticas a Jair Bolsonaro e sua posição de desagrado em relação às opiniões que fazem mais barulho na discussão política contemporânea. Não se sentir representado e desejar uma candidatura alternativa às dominantes, para muita gente, tanto nos círculos lulopetistas quanto nos círculos bolsonaristas, se tornou um crime medonho, como se esse não fosse um dos anseios mais naturais em uma democracia representativa.

Em 2018, no segundo turno, só havia opção entre Bolsonaro e Lula. Defendi então abertamente que a conflagração dos liberais e da “nova direita” contra o lulopetismo precisava ter consequências e era necessário libertar o Brasil dos governos do PT. Mesmo, porém, em um contexto de guerra aberta contra a ameaça antiliberal do lulopetismo – e o lulopetismo continua sendo um inimigo real na sociedade brasileira, digno de ser combatido e jamais subestimado -, não “patrulhei” o voto de ninguém no primeiro turno em nenhum momento.

O PT, Lula e Fernando Haddad eram o alvo a ser derrotado, não os eleitores de Geraldo Alckmin, João Amoêdo ou Henrique Meirelles, que fizeram livres opções dentro do quadro de candidatos, de acordo com suas preferências. Sequer os defensores do voto nulo, por mais crítico que fosse a essa opção. Os liberais autênticos devem valorizar o direito de escolha e respeitar, antes enaltecer, a pluralidade de opções.

“Terceira via é um delírio: quem não é Lula é Bolsonaro, quem não é Bolsonaro é Lula, o resto são idiotas”, gritam aqueles sedentos por aprisionar toda a discussão possível em seus feudos personalistas. E se realmente for inviável fortalecer um terceiro candidato à presidência, o que proíbe alguém de preferi-lo mesmo assim ou de simplesmente dizer, como Juliana Paes o fez, que não está contente com as alternativas disponíveis? O que justifica esse desespero por calar os descontentes? O que há de liberal em demonizar e tratar com incivilidade quem simplesmente não bate palmas para a sua predileção, quem apenas exerce o direito de se proclamar insatisfeito?

A estupidez tribal nos tem feito perder a oportunidade de apreciar com a devida complexidade questões que são, por definição, complexas; nos tem tornado incapazes de elaborar construtivamente as discussões mais importantes; nos tem feito confundir a firmeza de princípios, que defendo vigorosamente, com um anseio patológico por uma homogeneidade esclerosada que só pode ser alcançada em exércitos de guerras civis ou ditaduras, não em uma sociedade ampla e plural como a brasileira. Mesmo que o quadro político, especificamente a grande questão social que estiver sendo proposta, nos dividisse em dois blocos rigorosamente separados, cada um desses blocos abrigaria tons diferentes, nuances, individualidades. A sociedade não dispõe apenas de dois grupos. Raciocinar de forma estritamente binária e hostilizar quem não o faz pode funcionar por um tempo, mas, em algum momento, cedo ou tarde, se mostrará insustentável.

Juliana Paes tem minha solidariedade, não por necessariamente concordar com todas as suas opiniões, que sequer isso é possível, mas pelo gesto – tão em falta! – de não se permitir colonizar mentalmente pela balbúrdia dos autoritários.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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