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Os dentistas e a meta de inflação

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O conhecido economista John Keynes, bem atuante na primeira metade do século passado e ainda muito influente, uma vez disse que desejaria que a profissão de economista se tornasse mais e mais semelhante à de dentista, pois seria bom que isso acontecesse. Qual teria sido o motivo para que ele formulasse tal desejo?

Uma possível explicação decorreria das vantagens de se reduzir a influência ideológica sobre o debate econômico. Os dentistas, quando encontram um paciente com um buraco no dente, não têm dúvidas ideológicas sobre o que deve ser feito; no máximo podem discutir qual a melhor broca para limpar a cárie. Mas as ideias e opiniões dos debatedores econômicos frequentemente são bem mais divergentes. As posições sobre vários temas, e consequentes sugestões de políticas econômicas, muitas vezes parecem ser inteiramente subjetivas, com pouco ou nenhum fundamento em fatos do mundo real. E sem a referência a estes, é frequente que a discussão degenere em uma luta de egos, improdutiva para dizer o mínimo.

Uma das importantes características da atualidade tem sido o enorme aumento de informações de toda espécie, inclusive quantitativas, sobre o mundo natural e o mundo social. E isto tem beneficiado muito as ciências sociais, em particular a economia. Conjeturas subjetivas, que ficavam rondando o debate econômico, irresolvidas, nem aceitas nem refutadas, hoje em dia são tratadas de modo objetivo: elas de fato, explicam ou não uma parte importante da realidade? O que os dados falam a respeito do assunto? Em várias áreas a ciência econômica evoluiu conforme o desejo de Keynes.

Um exemplo interessante diz respeito à inflação e ao papel dos bancos centrais, para o controle da mesma. Diversos países foram assolados por inflações e hiperinflações galopantes: países “sérios”, como a Alemanha (cuja hiperinflação, na década de 1920, costuma ser citada como uma causa do nazismo) e países como o Brasil, onde no final da década de 1980 a inflação chegou a espantosos 80% ao mês.

Após um debate de muitos anos, com enorme colorido ideológico, os cientistas econômicos chegaram a conclusões bastante fortes e geralmente aceitas sobre as causas e as consequências da subida contínua dos preços. E formularam políticas públicas (e arranjos institucionais) que, uma vez adotados, tornam praticamente impossível taxas de inflação superiores a 10% ao ano. O assunto inflacionário, tão importante na pesquisa e no debate econômico nas últimas décadas do século XX, tornou-se superado, desinteressante. As teses de mestrado e doutorado sobre o tema, comuns há 50 anos, praticamente deixaram de existir.

A inflação e o papel de um Banco Central

Segundo o pensamento moderno, uma inflação de, digamos, 10% ao mês, é um imposto de 10% sobre os encaixes monetários dos cidadãos do país. A arrecadação auferida pelo governo se manifesta nos gastos públicos financiados pela expansão monetária descontrolada. Tal imposto é extremamente regressivo, recaindo pesadamente sobre a população de baixa renda. Os estudos estatísticos aprofundados do assunto levaram ao estabelecimento de um protocolo de ações para a autoridade pública (no caso, o Banco Central), isto é, um conjunto de regras testadas para a condução da política monetária, de modo a evitar a miséria inflacionária.

O sistema de metas de inflação estabelece uma relação confiável entre os déficits orçamentários globais do governo, a política monetária (de juros) a ser seguida pelo Banco Central, e a consequente inflação. Assim, o Banco Central pôde se tornar independente, um órgão de Estado e não de governo. Uma vez que o debate político chegue à escolha de uma certa meta de inflação (o percentual do imposto inflacionário), esta meta é apresentada ao Banco Central que passa a seguir as regras para concretizá-la.

É um importante progresso institucional ameaçado pelo governo atual. Este aumentou consideravelmente o potencial de déficit orçamentário, eliminando o teto de gastos, e pressiona o Banco Central para alterar suas regras de juros. Poderia formalmente anunciar um aumento da meta de inflação, para, digamos, 15% ao ano. Se isso acontecesse, o Banco Central reduziria os juros substancialmente, seguindo o protocolo testado pela realidade. Mas ficaria claro quem seria o responsável pela maior inflação.

 

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste

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Por Antonio Carlos Porto Gonçalves. Conselheiro superior do Instituto Liberal, graduado em engenharia industrial e metalúrgica pelo Instituto Militar de Engenharia e mestre e doutor em Economia pela University of Chicago.

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