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Os caçadores impostores

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Não sei se vocês se lembram daquele desenho animado de Tom e Jerry, em que o gato desastrado — um eterno saco de pancadas do rato esperto — contrata um detetive, um bichano, arrogante como um pós-doutorado por Harvard ou alguma federal brasileira, famoso por sua perícia como caçador e dono de uma agência exterminadora de camundongos, ratazanas e roedores em geral. A chegada do especialista à casa da famosa dupla é triunfal, ao ponto de nos levar a imaginar que, se o desenho fosse recente, ele teria certamente sido entrevistado pelos canais de notícias ou, melhor dizendo, pelos jornalistas militantes dos escritórios criadores de narrativas em que se transformou a imprensa. Desce o expert de um carro conversível, portando uma maleta repleta de apetrechos que vão de ratoeiras de todos os tipos a queijos envenenados e sprays, mas isso não impede que o camundongo passe o filme inteiro surrando impiedosamente os dois gatos.

Essa boa lembrança ocorreu-me assim que vi a notícia de que uma parte do dinheiro dos nossos impostos vai ser utilizada para remunerar outro tipo de predador, mais sofisticado, é verdade, mas igualmente condenado ao fracasso. É que o atual ocupante da pasta de ministro da Fazenda — cuja denominação, pelo que demonstrou em pouco mais de um ano, já poderia ter sido atualizada para arrecadador-mor da Terra de Santa Cruz — anunciou, no final da festiva cúpula do G20 realizada há poucos dias em São Paulo, que o seu governo estava contratando um economista francês especializado em caçadas a “ultrarricos”, seres que, como se sabe, são vistos nas hostes progressistas sempre como malvados e exploradores do poder público, dos pobres e das minorias marginalizadas. Isso, simplesmente, é ridículo.

Ao procurar saber quem é o contratado, notei sem nenhum espanto que se trata de uma nova versão — repaginada ou, como aconselha o vocabulário dos progressistas, “ressignificada” — de outro francês, o charlatão Thomas Piketty, que ganhou fama mundial em 2013 com a publicação de seu livro O Capital no Século XXI, em que, manipulando e falsificando dados com a maior cara de pau, argumentava que as taxas de acumulação de capital nos países desenvolvidos são superiores às taxas de crescimento econômico, concluindo que isso representava uma séria ameaça à democracia e recomendando, para delírio da mídia globalista, dos centros acadêmicos das federais, dos ditos intelectuais e dos artistas “rouanetistas”, que era necessário combater esse terrível “perigo” por meio da taxação de fortunas.

O nome do mais novo caçador de grandes fortunas, que será pago com o nosso dinheiro e tratado como um poço inexaurível de sapiência e de boas intenções e um exemplo a ser seguido por todos os economistas de boa vontade e críticos do “sistema” — mas que, na realidade, não passa de um defensor da prática de fazer “caridade compulsória” à custa dos chapéus dos pagadores de impostos — é Gabriel Zucman, especialista em desigualdade e política tributária e professor associado de políticas públicas e economia da Universidade da Califórnia (pobre Califórnia!) e da Escola de Economia de Paris. Zucman é chefe do Observatório Fiscal, fundado há três anos, um órgão financiado pelos globalistas da União Europeia, mas que é apresentado como um instituto independente de pesquisa, dedicado ao estudo da evasão fiscal.

Esse antro progressista, em outubro do ano passado, expeliu o seu primeiro relatório, que bem retrata o perfil do seu exterminador-chefe. Como não poderia deixar de ser, com ênfase no tema dos “super-ricos”, o texto afirma que os multimilionários do planeta operam na “fronteira da legalidade”, utilizando empresas de fachada para evitar impostos. Essas empresas laranjas, segundo o material regurgitado, atuam como holdings, em uma “zona cinzenta”, transferindo certas modalidades de rendimentos, tais como dividendos de ações, e criando buracos que permitem que os ultrarricos paguem taxas efetivas de imposto de no máximo 0,6% da sua riqueza total, enquanto quem não utiliza esses subterfúgios é taxado — segundo tentam nos induzir a crer — entre 20% e 50%.

Para produzir sua pérola “científica” de boas intenções, o Observatório empregou cerca de cem pesquisadores, que chegaram à brilhante conclusão de que é preciso criar uma taxa mínima de 2%, a ser cobrada anualmente dos 3 mil indivíduos mais ricos do mundo, a incidir sobre a riqueza — e não o sobre os rendimentos — dos malvados. A medida, segundo a centúria de legionários progressistas autores da proposta, poderia arrecadar US$ 250 bilhões por ano. Claro, a cereja não poderia estar ausente do bolo justiceiro: “Para dar uma ideia das magnitudes envolvidas, estudos recentes estimam que nos países em desenvolvimento é preciso arrecadar US$ 500 bilhões por ano em receitas públicas adicionais para enfrentar os desafios das alterações climáticas — necessidades que poderiam ser totalmente suprimidas pelas duas principais reformas que propomos”. Ah, sim, o clima, o clima!

Para Zucman, coautor com Emmanuel Saez do livro The Triumph of Injustice: How the Rich Dodge Taxes and How to Make Them Pay (“O triunfo da injustiça: como os ricos evitam impostos e como fazê-los pagar”), essas taxas mínimas seriam as “ferramentas mais poderosas para eliminar as lacunas nos sistemas fiscais existentes, porque garantem que, independentemente das medidas de evasão utilizadas, o imposto cobrado não fique abaixo de um montante definido”. Mas o novo exterminador da riqueza alheia reconhece que os camundongos são muito espertos e admite a dificuldade para pôr em prática suas propostas, acrescentando que a melhor maneira de encurralar a rataria e solucionar o impasse sobre a taxação dos odiados super-ricos é estabelecer uma coordenação internacional. Ah, sim, o governo mundial, a Agenda 2030!

Não poderia ser outro o tom do discurso de Haddad na reunião do G20, na abertura do segundo dia de trabalhos. Segundo o arrecadador-mor, as soluções efetivas para que os ultrarricos paguem sua justa contribuição em impostos “dependem de contribuição internacional”. Citando o relatório vomitado pelo tal Observatório Fiscal, afirmou: “Se unirmos esforços […] poderemos continuar avançando e diminuir oportunidades para que um pequeno número de bilionários não continue tirando proveito de buracos no nosso sistema tributário para não pagar sua justa contribuição”. E foi além, ao dizer: “Eu sinceramente me pergunto como nós, ministros da Fazenda do G20, permitimos que uma situação como esta continue. Se agirmos juntos, nós temos a capacidade de fazer com que esses poucos indivíduos deem sua contribuição para nossas sociedades e para o desenvolvimento sustentável do planeta”. Afirmou, ainda, que a taxação dos super-ricos seria um dos pilares de uma suposta cooperação tributária internacional, fazendo um “chamado” para que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) trabalhem juntas, unindo a “legitimidade e a força política da primeira à capacidade técnica da segunda”.

O furor arrecadador dos globalistas progressistas não é de hoje. Há anos, o economista Joseph Stiglitz, um professor da Universidade Columbia que, depois de ser laureado com o Nobel em 2001, juntamente com Andrew Michael Spence e George A. Akerlof, transformou-se (a exemplo de Paul Krugman, outro premiado pela Academia Sueca, em 2008) em um globetrotter do progressismo, um verdadeiro militante de esquerda alinhado com a ala radical do partido democrata. Foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos no governo Clinton, vice-presidente para Políticas de Desenvolvimento e, depois, economista-chefe do Banco Mundial, e é conhecido por sua aversão aos economistas conservadores, a quem chama de “fundamentalistas de livre mercado”.

Esse economista (ou ex-economista), em um artigo de 2021 publicado no Project Syndicate, escreveu: “É crucial abordar a série de específicas questões necessárias para um acordo tributário global”. E prosseguiu: “Parece que a comunidade internacional está se movendo em direção ao que muitos estão chamando de um acordo histórico para definir uma alíquota tributária global mínima para empresas multinacionais. Já estava na hora — mas pode não ser o suficiente”. Acho que aqui cabe uma perguntinha bem inocente: além dos ultrarricos do Ocidente, o senhor Stiglitz pretende também taxar as fortunas de sheiks, empresas chinesas, narcotraficantes e organizações terroristas, como o Hamas?

Para o festejado porta-voz do globalismo, as empresas conseguem escapar do pagamento de sua “justa” (segundo ele) parte dos impostos registrando suas receitas em jurisdições de baixa tributação e, nos casos em que a lei não lhes permite ocultar que parte de sua receita se origina em algum paraíso fiscal, elas transferem partes de seus negócios para essas jurisdições. Sendo assim, conclui:

“Sob essa perspectiva, um acordo para estabelecer um imposto global mínimo de pelo menos 15% é um grande passo adiante. Mas o diabo está nos detalhes. O imposto oficial médio atual é consideravelmente mais alto. Assim, é possível, e até provável, que o mínimo global se torne o imposto máximo. Uma iniciativa que começou como tentativa de forçar as multinacionais a contribuir com sua devida quota de impostos poderia gerar uma receita adicional muito limitada, muito inferior aos US$ 240 bilhões pagos a menos anualmente. E algumas estimativas sugerem que os países em desenvolvimento e os mercados emergentes também veriam uma pequena fração dessa receita.”

Ah, sim, professor Stiglitz, o senhor, além de acreditar no Saci Pererê, parece crer também que os governos desses países aplicariam essa fração para o bem comum…

As propostas dessa gente nada mais fazem do que explicitar o caráter globalista da chamada nova esquerda e que o seu leitmotiv, seu motivo principal, seu verdadeiro propósito, é construir um governo mundial, concentrando poder nas próprias mãos.

A verdade, porém, é que o Capiroto não mora nos detalhes, e sim nas ideias dos economistas progressistas e dos globalistas em geral — em resumo, dos novos socialistas —, a começar pelo permanente estímulo ao vício da inveja que escora suas propostas distributivistas e que sempre foi o elemento propulsor de seus palpites igualitários, assim como pela insuflação, já por quase dois séculos, de seu combo de conflitos dialéticos que fomentam permanentemente o rancor entre os que simulam defender — que já foram, sucessivamente, os operários fabris, depois os trabalhadores industriais, em seguida as mulheres, e atualmente são todas as ditas “minorias”, sejam raciais, sejam sexuais, isso para não mencionarmos suas tentativas mais recentes de substituir o Deus judaico-cristão pela “mãe terra”. Na prática, o que produzem ao atribuir a pobreza de muitos à riqueza de poucos e ao jogar uns contra outros é, simplesmente, mais pobreza e restrições crescentes à liberdade de todos, em contrapartida ao desfrute de um poder político crescente.

Os economistas do novo socialismo, como Stiglitz, Piketty, Zucman e muitos outros que com certeza surgirão, por mais que sejam louvados pelo establishment, assemelham-se ao gato pretensioso que se apresenta como especialista, e os governos que dão ouvidos a esses caçadores espalhafatosos — resumindo e para não acusá-los de má-fé — mostram a inocência do pobre Tom. Ambos vão apanhar sempre, porque a ação humana nos mercados é como o Jerry: atrevido, arisco, esperto e que sabe se defender do inimigo que tenta extorquir-lhe sem cessar. O problema é que os “contribuintes” também apanham.

Não apresento neste artigo os argumentos contrários à taxação de grandes fortunas e heranças. É desnecessário, porque são bastante conhecidos e pela existência de farta comprovação do seu fracasso. Nem tampouco vou me dar ao trabalho de listar as enormes dificuldades para a adoção de impostos mundiais, pois até os seus proponentes reconhecem isso. O que desejo destacar é que as propostas dessa gente nada mais fazem do que explicitar o caráter globalista da chamada nova esquerda e que o seu leitmotiv, seu motivo principal, seu verdadeiro propósito, é construir um governo mundial, concentrando poder nas próprias mãos. Toda a sua conversa fiada em prol dos desassistidos lhes serve unicamente de pretexto para o seu objetivo abjeto de abolir os direitos naturais e controlar a vida de todos. É preciso todo o cuidado com esses caçadores impostores.

– Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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