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O aborto sob o ponto de vista econômico

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Há três direitos naturais — absolutos e inegociáveis —, a saber: à vida, à liberdade e à propriedade. O primeiro certamente tem precedência sobre os outros dois, uma vez que, sem vida, simplesmente não faz sentido falar nem em liberdade nem em propriedade. Leis que garantam o respeito a essa trinca devem ser exigência de toda e qualquer sociedade civilizada, e a garantia de que sejam respeitadas é obrigação inescapável dos seus guardiões. Relativizar a vida, a liberdade e a propriedade são atentados à civilização.

Por isso, como não poderia deixar de ser, está bastante intenso o debate suscitado pela decisão de nossa mais alta Corte de colocar em votação a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada em 2017 pelo Psol, pleiteando a anulação dos artigos nº 124 e 126 do Código Penal. Argumenta o partido — cuja denominação, ao juntar socialismo com liberdade, é por si só uma homenagem ridícula à contradição — que a norma estabelecida pelo código “viola preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, e da saúde”.

Tal verbosidade, ao que tudo indica, sugere que, segundo o impetrante, a descriminalização da interrupção da gravidez (um eufemismo para aborto) até a 12ª semana de vida contribuiria, ad hoc e sem qualquer margem para dúvidas, para dignificar o ser humano, fortalecer a cidadania, abolir a discriminação, proteger a vida, estimular a liberdade, promover a igualdade, impedir a tortura, os maus tratos e a degradação e beneficiar a saúde pública. Jamais duvidemos do poder de alcance dos delírios ideológicos.

Causa, certamente, profunda estranheza que um assunto tão polêmico e importante seja decidido por um reduzido grupo de pessoas, nomeadas em sua totalidade por indicações políticas, sem sequer um único voto e, portanto, desprovidas de representatividade popular. Além disso, não é razoável nem aceitável que tenha sido pautado inicialmente para ser decidido à sorrelfa, em uma reunião virtual, o que só não aconteceu porque um pedido de destaque transferiu a votação para o plenário físico. Não obstante, a atual presidente do STF, a poucos dias da própria aposentadoria, fez questão de deixar registrado seu voto — favorável, como era de se esperar — ao pleito contido na ADPF.

Que tal colocarmos as crases cabíveis nos “as”? Em democracias sólidas, com instituições garantidoras do equilíbrio entre os Três Poderes, qualquer debate sobre um tema de tamanha relevância e que mexe com a existência e a alma de toda a população é sempre conduzido pelo Congresso, cujos membros exercem mandatos delegados pelos eleitores e, portanto, os representam, ou, em última instância, mais diretamente ainda, por referendos ou plebiscitos universais. A rigor, a defesa da vida (assim como da liberdade e da propriedade) em qualquer de suas fases não deveria nem ser motivo de deliberações e votações, por ser um dado irredutível. De qualquer forma, a democracia pressupõe que assuntos de incontestável gravidade sejam debatidos e decididos sempre na praça pública do Legislativo, e nunca em gabinetes escondidos do Executivo, em bancadas veladas do Judiciário ou em escritórios privados de grande influência. Alguma coisa está estranha em nosso país.

Sempre é importante observar que uma das consequências do relativismo moral que impregnou o mundo a partir do início do século 20 é que as soluções para praticamente todos os problemas do planeta passaram a ser indevidamente transferidas para o sistema político. E com o aborto não tem sido diferente. É um tema extremamente complexo, que envolve considerações éticas, morais, religiosas, culturais e também econômicas, mas, infelizmente, vem sendo conduzido por seus defensores exclusivamente segundo um prisma que sabidamente lhes escapa inteiramente, que é o político.

Neste artigo, vamos nos ater aos seus aspectos puramente econômicos, o que nos leva, necessariamente, a tomar como ponto de partida a influência dos aspectos demográficos sobre a economia. A primeira abordagem, então, que vem à consideração é o malthusianismo, uma corrente associada a Thomas Robert Malthus (1766-1834), um economista e sacerdote anglicano. É uma teoria segundo a qual a população cresce a uma taxa geométrica, enquanto os meios de subsistência, especialmente a produção de alimentos, evoluem a uma taxa aritmética. A conclusão, aparentemente incontestável, é que haverá escassez de comida e aumento do número de pobres, de miseráveis e da fome. Em poucas palavras e levando o pessimismo ao extremo, isso significaria a condenação da humanidade, um processo apocalíptico que poderia apenas ser retardado e eventualmente controlado por meio de guerras e doenças e, principalmente, pela imposição por parte do Estado de limites rígidos ao número de nascimentos. O governo comunista da China, aliás, já fez isso.

O que Malthus não contou foi com o progresso científico, que nada mais é do que um dos frutos, dentre tantos, da inteligência e da capacidade humana para gerar riqueza e que tornou possível que a produção, não só de alimentos, mas de bens e serviços em geral, superasse o crescimento populacional. Entretanto, ao estudar a evolução das ideias econômicas e contrastá-las com os fatos, é impressionante como muitas teorias e experiências fracassadas deixam intencionalmente de ser descartadas e são reapresentadas insistentemente com novos nomes e roupagens, apenas para repetirem o seu insucesso. Isso acontece com o socialismo, o comunismo, o keynesianismo, os controles de preços, as barreiras ao livre comércio, as falácias sobre a inflação, a taxação de “ricos” e muitas outras ideias equivocadas, e não tem sido diferente com o malthusianismo.

Um exemplo dessas tentativas de reinventar velhas tolices é que muito se tem falado sobre a necessidade de diminuição das “desigualdades” econômicas no mundo, no contexto de um neomalthusianismo que remonta à criação da ONU, em 1945, e continua em nossos dias, agora também conduzido, em liteiras repletas de bilhões de dólares, pelos que se julgam donos do planeta, como os tiranos do Fórum Econômico Mundial, da Open Society e outros lunáticos similares. Essa turma perigosa e chegada à tirania, embora partindo de postulados diferentes dos utilizados por Malthus, aporta a conclusões semelhantes, a saber, de que a fome, a pobreza e a miséria são causadas pelo crescimento populacional.

Fica então fácil compreender por que os novos donos do mundo insistem na tese de que é preciso reduzir a taxa de crescimento demográfico e por que vários organismos internacionais vêm distribuindo anticoncepcionais há décadas, principalmente em países subdesenvolvidos. E torna-se perfeitamente claro por que os ecomalthusianos — que prefiro chamar de fanáticos do clima — insistem na tecla de que existe um desequilíbrio entre o crescimento populacional e os recursos naturais, os segundos sendo impiedosamente explorados e destruídos pela malvadeza dos primeiros, que geralmente a arrogância dos que se julgam donos das boas intenções identifica nos capitalistas.

Essa narrativa é útil para objetivos despóticos e tem dado margem a movimentos e políticas defendidos principalmente pelos globalistas, com várias narrativas — repercutidas com fervor servil pela velha imprensa —, que podem ser condensadas em um catecismo da nova religião, a da salvação do planeta: expulsem-se agricultores, confisque-se o seu gado, impeça-se a exploração de recursos naturais em terras indígenas (mesmo à sua revelia), demonize-se o consumo de carnes, tente-se convencer os idiotas úteis de que saladas de gafanhotos e bifes de laboratório são iguarias dignas de banquetes em Versailles, proíba-se o uso de automóveis, fale-se 24 horas por dia em energia limpa, substitua-se, enfim, o Pai Eterno pela “Mãe Terra”.

É óbvio que os recursos naturais, o planeta, a fauna e as florestas precisam ser preservados, mas sem o fanatismo oportunamente doentio de certos grupos políticos, mas a solução, evidentemente, não está em reduzir a população, nem tampouco em atacar o agronegócio ou em impor alimentações à base de insetos. Não é isso o que vai resolver o problema da fome ou evitar a hecatombe universal.

O remédio indicado — que os proprietários do planeta, os organismos internacionais e os governos controladores da nossa vida não aceitam — está, simplesmente, em tirar o time dessa gente de campo e permitir, assim, que floresçam as instituições necessárias para que a riqueza e a produção possam aumentar permanentemente. É crucial compreendermos que o desenvolvimento econômico é um processo de acumulação generalizada de capital e que uma das partes desse estoque é o capital humano, o qual, por sua vez, inclui o capital moral e o intelectual, as habilidades das mãos e do cérebro, assim como as do coração.

Se as sociedades sabem como criar riqueza — e isso é sabido desde os tempos de Adam Smith e da Revolução Industrial — e impedem essa criação, então a pobreza, a miséria e a fome são imorais, mas por motivos completamente diversos daqueles que rotineiramente são apregoados.

Infelizmente, muitas pessoas não se dão conta de quão absurdo é contar o nascimento de um bezerro, ou de um leitão, ou de um frango, como uma adição ao estoque de capital de uma nação, ao mesmo tempo que, incoerentemente, se conta o nascimento ou a garantia do nascimento de uma criança — que é a fonte primeira da criação de mais riqueza — quase que como uma diminuição naquele estoque. É espantosa a incongruência de uma sociedade que busca preservar, acertadamente, a riqueza da ecologia e de muitas espécies de animais e vegetais, mas que torna legítima a interrupção de vidas humanas de inocentes sem possibilidade de defesa. Sim, trata-se de vidas, que a verdadeira ciência, que é apolítica, ensina existir desde o momento da concepção. Portanto, um feto com poucas semanas já é um ser humano em desenvolvimento. Trata-se de um caso flagrante de dois pesos e duas medidas. Caso pensado e arquitetado — é oportuno frisar.

O erro fatal da esquerda, dos que se acham donos do mundo e dos que defendem controles sobre a natalidade, é que consideram um bebê, seja ainda no ventre materno, seja já nascido, como um problema, um fator de aumento da pobreza e das “desigualdades”. É o mesmo pessimismo de Malthus, com ares de Davos. Ora, uma criança não é um problema e, aliás, pode ser uma solução. Um ser humano, por definição, é uma fonte de geração de riqueza e de progresso, para si próprio e para os demais, desde que cresça em condições saudáveis, receba educação e treinamento, desfrute de liberdade de escolha e seja ensinado a respeitar a ética do trabalho.

Por isso, sem precisar recorrer a argumentos religiosos e de cunho moral (que são certamente cabíveis) e fixando-nos apenas nos econômicos, é importante afirmar que jogar fora vidas em gestação é um erro gravíssimo, uma confissão de incompetência da sociedade para criar um ambiente em que as vidas humanas possam desenvolver em plenitude todo o seu potencial inventivo e produtivo.

– Artigo publicado originalmente na Revista Oeste

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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