Empresas “do bem” e “do mal”

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Existem empresas “do bem” e “do mal”? Acho essa divisão um tanto quanto maniqueísta. Toda e qualquer empresa faz coisas boas e ruins. Aliás, não poderia ser diferente, dado que empresas são constituídas de pessoas. É uma tarefa inglória encontrar indivíduos que só façam coisas boas e outros que só fazem maldades. Até o mais perverso dos perversos tem momentos de ética, justiça, carinho, respeito e todas as demais representações da bondade e das mais elevadas virtudes humanas.

Pois bem. Vejamos, por exemplo, o caso da indústria armamentista – vilanizada pela perspectiva de alguns contra os produtos que ela vende. Não é difícil encontrar a razão para a ojeriza; trata-se de indústria que produz armas e, por consequência, possibilita mortes e destruição. Mas será que podemos definir essas empresas apenas dessa forma? O ser humano, assim como todos os animais, tem a tendência para o conflito e a violência. Isso não é algo que se possa alterar. É um traço do instinto de sobrevivência e uma consequência da eterna busca por poder e pelo melhor território. Aliás, basta assistir aos vídeos da National Geographic para ver diversos animais se comportarem da mesmíssima maneira.

Se pensarmos nos conflitos entre nações, veremos a questão curiosa do equilíbrio de poder. Henry Kissinger trata bem disso: “O equilíbrio de poder não visava a evitar crises ou mesmo guerras. Funcionando bem, destinava-se a restringir a capacidade de alguns estados dominarem outros e a limitar a extensão dos conflitos. Seu objetivo não era a paz, era a estabilidade e a moderação. Por definição, um quadro de equilíbrio de poder não satisfaz completamente a todos os membros do sistema; o equilíbrio funciona quando mantém as insatisfações abaixo daquele nível em que a parte prejudicada tentará derrubar a ordem internacional”. (HENRY KISSINGER, KARIN SCHINDLER RIGHTS REPRESENTATIVE. DIPLOMACIA, p. 18. Editora Saraiva. Edição do Kindle)

Sob esse aspecto, a corrida armamentista pode ser compreendida como um elemento para a paz. Por exemplo, após a crise dos misseis em Cuba, não tivemos mais o risco de destruição total do planeta por meio de armas nucleares. Se pensarmos em termos de teoria dos jogos, estamos diante da possibilidade inequívoca de ambas as partes envolvidas em um conflito se destruírem completamente. Nesse caso, o instinto de sobrevivência acaba falando mais alto.

O filme War Games, de 1983, exemplifica a questão de uma forma lúdica. A estória é de um sistema de computadores que resolveria a hesitação humana. Caso os russos iniciassem um ataque, a máquina seguiria o curso e cumpriria a missão de atacar o inimigo. Iniciado o procedimento, o computador travava e não mudava o curso. Um jovem hacker, interpretado por Matthew Broderick, invade o computador achando que se trata de um jogo. O nome é curioso: “Guerra Global Termonuclear”. Ele inicia o jogo e o sistema “acha” que os Estados Unidos estão sendo atacados pela então União Soviética. O final do filme é a grande sacada. Em dado momento, todos estão reunidos para tentar parar o procedimento do computador. A solução é botá-lo para jogar “jogo da velha”. Rapidamente, a máquina descobre que é impossível ganhar e diz: “jogo estranho. A única forma de ganhar é não jogando.” Nesse momento, tudo para e os ataques à Rússia são suspensos.

Os seres humanos entenderam que não podem jogar esse jogo, e a existência dessas armas acaba mantendo uma certa paz, em razão do risco de destruição total. Ou seja, quanto todos estão armados e têm o poder de destruir o oponente e a si próprios, eles não agem. Nessa perspectiva, a indústria armamentista acaba sendo um instrumento de redução do poder destrutivo inerente ao ser humano. Será que, diante dessas ponderações, faz sentido vilanizar as empresas? Quem destrói e mata, as armas ou o ser humano? Quantos empregos são gerados por essa indústria?

Seria ótimo que o mundo fosse simples. Que pudéssemos enxergar tudo sob uma perspectiva dualista, apenas com um certo e um errado. Mas, felizmente – ou não –, a existência humana é repleta de idiossincrasias. Como diz o lugar comum, há diversos tons de cinza entre o preto e o branco. Precisamos ser mais justos em nossos julgamentos dos outros, olhar todos os aspectos e ver se não estamos projetando nossos desejos – muitas vezes legítimos – sobre as análises e avaliações que estamos fazendo. Podemos desejar que a humanidade seja melhor, mas não vamos conseguir alcançar nosso objetivo se não aceitarmos a natureza humana, com todos os seus defeitos, inclusive, no caso, a tendência violenta e destrutiva.

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Leonardo Correa

Leonardo Correa

Advogado e LLM pela University of Pennsylvania, articulista no Instituto Liberal.

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