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A Política Econômica do Regime Militar (segunda parte)

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Este artigo foi dividido em duas partes. Para ler a primeira clique aqui.

As Diretrizes Econômicas

As principais diretrizes da política econômica do governo federal podem ser encontradas no Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), de 1967; nas Metas e Bases para a Ação do Governo, de 1970; e no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de 1972. Em linhas gerais, os três documentos apresentam como objetivos a aceleração do crescimento econômico; o aumento do nível de emprego; o aumento da taxa de investimento no país; o desenvolvimento econômico e social, sobretudo através da industrialização e do investimento na área de infraestrutura; e o aumento das exportações e da capacidade de importação. Dentre os principais instrumentos utilizados, destacam-se as políticas de expansionismo fiscal e monetário, intervencionismo no setor financeiro e um aumento substantivo no número de empresas estatais.

Entre 1964 e 1974 a carga tributária do Brasil passou de 17% para 26% do PIB, num dos maiores saltos já realizados na participação do Estado na economia brasileira. Conforme já mencionado em artigo anterior publicado pelo Instituto Liberal, uma extensa linha de créditos subsidiados é estabelecida, gerando distorções econômicas no mercado e respondendo por uma parcela significativa dos gastos públicos. Os projetos “faraônicos” realizados pelo Estado, até hoje sob suspeita de corrupção e favorecimento de determinados grupos políticos, são iniciados neste período, embora ganhassem mais força após o Primeiro Choque do Petróleo em 1973, quando, numa tentativa desesperada, o governo tentaria enfrentar de maneira malsucedida a nova realidade internacional.

Carga tributária global do governo (% do PIB) .

IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Estatísticas do Século XX. Econômicas. Contas Nacionais. Setor Público. Disponível em: https://seculoxx.ibge.gov.br/.

Do ponto de vista da moeda, o período do Milagre foi marcado por dois picos de expansão da base monetária em 1968 e em 1973, da ordem de 45,7% e 47%, respectivamente, ambos sendo consideradas medidas de “populismo monetário”, tendo em vista que na primeira buscava-se a sustentação do regime e na segunda “entregar” o país com altas taxas de crescimento ao grupo mais ortodoxo de Mário Henrique Simonsen. A inflação que seria resultante de tais medidas foi mantida artificialmente baixa, através do congelamento de preços realizado pela Comissão Interministerial de Preços (CIP), voltando-se a um ciclo de pressão após 1974.

A política econômica dos militares foi recordista na história brasileira em se tratando da criação de empresas estatais, com a abertura de 231 companhias desse tipo entre 1968 e 1974, processo marcado pela instituição de monopólios nos mais diversos setores, especialmente no elétrico e no de telecomunicações, além da diversificação em novas áreas das empresas públicas já estabelecidas, como a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce. Um outro setor que foi particularmente alvo do intervencionismo econômico foi o financeiro, em que houve um apoio explícito à concentração bancária e à diminuição da competitividade, através do estabelecimento de uma série de barreiras de entrada no mercado e do tabelamento (para baixo) dos juros, resultando numa diminuição significativa no número de bancos comerciais no país, de 262 em 1967 para 114 em 1973.

Número de empresas estatais criadas por ano de fundação.

MUSACCHIO, Aldo; LAZZARINI, Sergio G. State-Owned Enterprises in Brazil: History and Lessons. Paris: OECD Workshop on State-Owned Enterprises in the Development Process, 2014. p. 11 Disponível em: https://www.oecd.org/daf/ca/Workshop_SOEsDevelopmentProcess_Brazil.pdf.

Um balanço realista

Ao final do Milagre Econômico, o Brasil apresentava uma taxa média de crescimento econômico acima de 10%, uma crescente participação do setor industrial na economia, um aumento substancial na taxa de investimentos e uma melhoria, do ponto de vista material, na qualidade de vida (em termos absolutos). Os custos econômicos, no entanto, foram dos mais diversos.

No curto e médio prazo, a irresponsabilidade das políticas econômicas trouxe a volta do pesadelo inflacionário e da estagnação econômica, além da explosão do endividamento externo, responsável por uma das maiores crises da história brasileira. Com o Primeiro Choque do Petróleo em 1973, são realizadas algumas ações em direção à austeridade e a um reajuste econômico pelo novo ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, porém a linha heterodoxa volta a ganhar espaço, sobretudo pelos entraves e pela pressão exercida por grupos dependentes do Estado. Ao final de 1974, é aprovado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), com projetos de investimento estatais vultuosos, e a inflação anual então dispara dos 14% em 1973 para 33% no ano seguinte.

Delfim Netto assume o Planejamento em 1979 e Simonsen deixa a Fazenda. Há uma ultima tentativa de política anticíclica com nova expansão monetária, acompanhada do Segundo Choque do Petróleo e pela elevação vertiginosa do custo do endividamento externo. Desde 1974, o Brasil vinha perdendo a capacidade do seu financiamento, apresentando sucessivos déficits em conta corrente devido ao peso do petróleo na balança comercial e à crescente elevação dos juros, cenário aprofundado em 79. A inflação anual tem mais um salto (de 40% em 1978 para 67% em 1979 e 85% em 1980), a economia entra em recessão (com um decréscimo de -4,3% no PIB em 1981) e o endividamento externo sai da casa dos 25% do PIB em 1979 para representar quase metade do produto interno bruto em 1984, na chamada “década perdida”.

É no longo prazo, no entanto, que o Milagre Econômico vai deixar suas principais marcas. Além do período ser marcado por uma concentração de renda ímpar na história do Brasil (o Coeficiente GINI passa dos 0,50 em 1960 para 0,62 em 1977), as características antiliberais do sistema econômico brasileiro são acentuadas: o Estado aumenta consideravelmente o seu papel na sociedade, seja através da elevação da carga tributária de caráter extremamente regressivo, que jamais retornaria aos níveis anteriores a 1964, seja através do intervencionismo monopolístico ou regulatório, fortalecendo as barreiras de entrada e minando a competitividade nos mais diversos setores do mercado brasileiro.

Endividamento Externo em Relação ao PIB.

Dados Estatísticos:

IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Estatísticas do Século XX. https://seculoxx.ibge.gov.br/.

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