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A Política Econômica do Regime Militar (primeira parte)

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A popular narrativa sobre o regime militar retrata a política econômica do período como um conjunto de medidas pertencentes ao espectro político da direita. Devido às características anticomunistas do movimento civil-militar de 1964 e à reaproximação do Brasil com os Estados Unidos após o período da “política externa independente”, convencionou-se na opinião popular em aproximar o militarismo nacional ao liberalismo. Uma análise mais atenta para as medidas econômicas do governo, no entanto, indica um intenso intervencionismo estatal e a continuidade das políticas desenvolvimentistas tradicionais na história brasileira. O texto a seguir apresenta algumas nuances do cenário político na década de 1964 a 1974, com um enfoque na atuação do Estado na economia nacional.

O Cenário Geral

Em 1964, o Brasil passava por uma estagnação econômica, apresentando um crescimento de apenas 0,6% do PIB, muito abaixo da média histórica do período do pós-guerra até o início dos anos 1960, que fora da ordem de 7% ao ano. A partir de 1951, o Brasil contava com sucessivos déficits na conta corrente e, desde 1949, as contas públicas fechavam no negativo, sendo financiadas com emissão monetária, gerando uma inflação que alcançou a casa dos 100% ao ano no primeiro trimestre de 1964. O cenário de caos econômico, somado à instabilidade política que se arrastava por anos, é tradicionalmente apontado como uma das principais causas que levariam os militares a assumirem o poder naquele ano.

Eleito Presidente da República pelo Congresso Nacional em 11 de abril de 1964, o general Humberto Castelo Branco, representante da ala moderada do exército conhecida como “grupo Sorbonne”, estabeleceria uma equipe econômica com características liberais, comandada por Otávio Gouveia de Bulhões no Ministério da Fazenda e por Roberto Campos no Ministério do Planejamento. A pauta da dupla era estabilização e reforma: o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) visava controlar a inflação e corrigir os déficits em conta corrente e das contas públicas, enquanto mudanças importantíssimas para a modernização da economia brasileira eram realizadas, tais como a racionalização do sistema tributário nacional, inovações no sistema da dívida pública e a criação do Sistema Financeiro Nacional.

Apesar de ter possibilitado a expansão da carga tributária nos anos seguintes, como será destacado adiante, as políticas fiscal e monetária seguiram o receituário ortodoxo, com perfil restritivo marcado pelo enxugamento do excesso de moeda e pela redução das despesas do governo, além de buscar estimular a poupança e melhorar a orientação dos investimentos privados. No front externo, a política do PAEG também opta pelo liberalismo, opondo-se ao protecionismo tarifário e ao intervencionismo cambial. A despeito do reajuste macroeconômico, com a contenção do processo inflacionário e dos déficits públicos e da conta corrente, mantem-se a continuidade da estagnação econômica com baixo nível de emprego e o salário mínimo real sofre uma queda significativa, como geralmente ocorre nos períodos de “arrocho”, gerando insatisfação popular nos mais diversos setores.

No dia 15 de março de 1967, o Congresso Nacional referenda a indicação à presidência do marechal Artur da Costa e Silva pelas Forças Armadas, apresentando uma mudança expressiva no jogo do poder. Representante da chamada “linha-dura” que se opunha ao grupo da Escola Superior de Guerra encabeçado por Castelo Branco, Costa e Silva estabelece uma equipe desenvolvimentista, com Antônio Delfim Netto à frente da Fazenda e Hélio Beltrão, depois sucedido por João Paulo Reis Veloso, à frente do Planejamento. O grupo, que comandaria a política econômica do governo até o final do mandato de Médici em 1974, seria responsável pelo chamado “milagre econômico”.

Com o endurecimento do regime e a necessidade de sustentá-lo, instituiu-se uma perspectiva populista em que se defendia a retomada do crescimento sob a tutela do Estado.

É a partir deste momento que, do ponto de vista econômico, o Regime Militar passa a representar mais uma continuidade do que uma ruptura do modelo de desenvolvimento brasileiro, com medidas que, guardadas as devidas proporções, se assemelham a outros períodos de nossa história, como o do nacional-desenvolvimentismo de Vargas, de Juscelino Kubistchek e do governo petista. Políticas heterodoxas e um alto grau de intervencionismo estatal são aplicados em grande escala, contribuindo para a formação atual da economia do Brasil. A seguir, são apresentados alguns dados referentes ao Milagre Brasileiro e um esboço de suas consequências para o país.

As Diretrizes Econômicas

As principais diretrizes da política econômica do governo federal podem ser encontradas no Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), de 1967; nas Metas e Bases para a Ação do Governo, de 1970; e no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de 1972. Em linhas gerais, os três documentos apresentam como objetivos a aceleração do crescimento econômico; o aumento do nível de emprego; o aumento da taxa de investimento no país; o desenvolvimento econômico e social, sobretudo através da industrialização e do investimento na área de infraestrutura; e o aumento das exportações e da capacidade de importação. Dentre os principais instrumentos utilizados, destacam-se as políticas de expansionismo fiscal e monetário, intervencionismo no setor financeiro e um aumento substantivo no número de empresas estatais.

Entre 1964 e 1974 a carga tributária do Brasil passou de 17% para 26% do PIB, num dos maiores saltos já realizados na participação do Estado na economia brasileira.

Conforme já mencionado em artigo anterior publicado pelo Instituto Liberal, uma extensa linha de créditos subsidiados é estabelecida, gerando distorções econômicas no mercado e respondendo por uma parcela significativa dos gastos públicos. Os projetos “faraônicos” realizados pelo Estado, até hoje sob suspeita de corrupção e favorecimento de determinados grupos políticos, são iniciados neste período, embora ganhassem mais força após o Primeiro Choque do Petróleo em 1973, quando, numa tentativa desesperada, o governo tentaria enfrentar de maneira malsucedida a nova realidade internacional.

A segunda parte do texto será publicada amanhã dia 02 de abril de 2019.

Sobre o autor: Lucas Cabral Zanoni é graduando em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

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