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Copa do Mundo de Futebol Feminino e a falácia da disparidade salarial

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A Copa do Mundo de Futebol Feminino traz de volta às manchetes o debate sobre disparidade salarial entre homens e mulheres. “Jogadoras mais bem pagas da Copa não ganham nem 40% do que CR7 faz em um ano”, diz manchete da Forbes. “Disparidade salarial entre homens e mulheres é real destaque da Copa do Mundo Feminina”, aponta a CNN. Muitos veículos de comunicação trazem dados sobre as diferenças entre os salários de atletas homens e mulheres que compartilham a mesma falácia: atribuir a disparidade salarial a uma única causa. “Não é aceitável o ódio e a misoginia contra as mulheres, a igualdade é uma urgência do novo governo, que não vai deixar essa lei (de igualdade salarial entre gêneros) não se cumprir”, disse recentemente Ana Moser, ministra do Esporte. Mas será que a icônica diferença salarial entre Neymar e Marta pode ser explicada apenas por puro preconceito contra as mulheres?

Ao contrário do repetido à exaustão, a discriminação por gênero é apenas uma das possíveis variáveis para mulheres às vezes  – ênfase no “às vezes” – terem salários menores que o dos homens. Outras variáveis importantes são diferenças ocupacionais, permanência no emprego e jornada de trabalho regular ou irregular, por exemplo. Chegaremos a Marta e Neymar, mas, antes, vale a pena dar um passo atrás e entender como funciona a atribuição de salários no mercado de trabalho. Ao contrário do que pensa a ministra Ana Moser, os salários não deveriam ser determinados por canetadas arbitrárias do governo, pois isso distorce o mercado. No livre mercado, os salários são influenciados por fatores como o nível de habilidade, a experiência, a educação, a demanda por determinada profissão e a oferta disponível de trabalhadores. Em um ambiente competitivo, os empregadores buscam atrair e reter os melhores talentos oferecendo salários competitivos e benefícios atrativos, o que faz com que profissões mais demandadas e escassas de talentos paguem salários melhores.

Mas o que, de fato, pode acontecer quando o governo decide intervir no funcionamento do livre mercado? Imagine a seguinte situação: você é gestor de um hospital privado que conta com 50 enfermeiros. De repente, o governo decide que o piso salarial dos enfermeiros deve aumentar, e esse aumento representa cerca de R$250 mil por ano de custos para o seu hospital. O que você faria? As duas opções mais óbvias seriam repassar os custos para os pacientes ou diminuir as posições de enfermaria, certo? E o que isso geraria no sistema? Encarecimento dos serviços de saúde, dificuldade de acesso, redução de empregos e piora na qualidade do atendimento. Esse exemplo não é apenas ilustrativo – o debate sobre o novo piso salarial para enfermagem, aprovado em 2022, segue em pauta porque se percebeu, enfim, que é impossível atribuir um valor aleatório para os salários. Hipoteticamente, a obrigatoriedade de equiparar os salários de atletas homens e mulheres sem o mercado se equilibrar para tal pode causar ainda mais problemas para o futebol feminino, como a inviabilização financeira de clubes, por exemplo.

No mercado do futebol, a lógica do livre mercado também determina os salários dos jogadores. Os atletas recebem remunerações com base em sua habilidade, desempenho em campo, popularidade, impacto na audiência, campeonatos disputados e potencial de geração de receitas para os clubes e patrocinadores. Os jogadores recebem salários mais altos do que as jogadoras devido a algumas características específicas do mercado futebolístico. Um fator que contribui para isso é que o futebol masculino já possui um mercado historicamente mais consolidado e concorrido, com uma base de fãs maior e maior visibilidade global. Essa maior popularidade gera mais investimentos, patrocínios, bilheteria e direitos de transmissão, o que aumenta significativamente a receita disponível para remunerar os jogadores. Em contrapartida, o futebol feminino tem crescido e se desenvolvido ao longo dos anos, mas ainda não atingiu a mesma escala econômica e financeira que o masculino. A diferença salarial entre jogadores e jogadoras é, portanto, um reflexo direto das diferenças de demanda e investimento nos dois setores. É importante destacar que essa disparidade não é resultado de discriminação de gênero, mas sim da dinâmica de mercado e da capacidade de cada segmento de atrair investimentos. Portanto, de maneira objetiva, para determinar a existência ou relevância da discriminação sexual por empregadores, devemos comparar coisas comparáveis. Sendo assim, vamos tentar algumas comparações para entender melhor por que Neymar ganha um total estimado em US$ 95 milhões por ano e Marta ganha cerca de US$ 400 mil.

O futebol masculino é um mercado maior, com mais história, muito mais competitivo e atraente para a audiência – não somos nós quem estamos falando; é, literalmente, a sociedade. A última Copa do Mundo Masculina de Futebol, que aconteceu na Rússia em 2018, arrecadou um total de US$ 2,6 bilhões em publicidade, movimentando direta e indiretamente mais de US$ 40 bilhões. Isso inclui a receita com bilheteria, transmissão de TV, patrocínios, turismo e outros setores. Por outro lado, a última Copa do Mundo Feminina de Futebol, que aconteceu na França em 2019, arrecadou um total de US$ 1,2 bilhão em publicidade, movimentando direta e indiretamente mais de US$ 20 bilhões. Mas o futebol vai muito além da Copa do Mundo. De acordo com um estudo do Statista, o mercado global de futebol masculino movimenta cerca de US$ 28 bilhões por ano, desconsiderando a Copa do Mundo. Já o feminino, apenas US$ 1,5 bilhão por ano, desconsiderando a Copa do Mundo. Dá para comparar salários em contextos tão diferentes? Claro que não.

Por acaso ou não, o governo escolheu o mês de início da Copa Feminina para assinar o Projeto de Lei 1.085/2023, que prevê a obrigatoriedade da equiparação de salários entre homens e mulheres com a mesma função. A lei parece válida, afinal, quem vai dizer que as mulheres deveriam ganhar menos exercendo a mesma função, não é mesmo? A questão é que, quando comparamos situações comparáveis, as mulheres já não ganham menos. Como ilustração, tomemos como exemplo um estudo da Universidade de Michigan. Esse estudo chegou à conclusão de que não existe lacuna salarial entre salários de trabalhadores em período integral na faixa de 21 a 35 anos de idade que vivem sozinhos. Essa última parte, “que vivem sozinhos” é bem importante: não podemos comparar um homem de 35 anos com uma mulher de 35 anos sem considerar, por exemplo, a configuração familiar. Mulheres que escolhem se casar e serem mães geralmente se tornam menos competitivas no mercado, já que o lar e os filhos demandam tempo que, no caso dos homens, pode ser dedicado totalmente ao trabalho. Na prática, o que temos é que um homem de 35 anos tem mais tempo de dedicação ao trabalho do que uma mulher de 35 anos que escolheu se casar e/ou ser mãe, e, pelo tempo maior de dedicação ao trabalho, o homem se torna melhor remunerado.

“Algumas vezes, o que falta a uma falácia é simplesmente uma definição. Palavras indefinidas têm poder na política, especialmente quando invocam algum princípio que envolva as emoções das pessoas. ‘Justo’ é uma dessas palavras indefinidas que já atraíram apoio para políticas públicas (…), afinal, quem é a favor da injustiça?”, afirma o filósofo Stephen Toulmin. Parece justo que homens e mulheres sejam igualmente remunerados quando desempenham a mesma função, com a mesma carga horária e a mesma produtividade, mas não parece justo que isso aconteça em um cenário em que a mulher não se dedica tanto quanto o homem ao trabalho remunerado, não é mesmo? Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, as mulheres com filhos de até 14 anos trabalham em média 39 horas semanais, enquanto os homens sem filhos trabalham em média 45 horas semanais. Obrigar a remuneração equiparada é praticamente um incentivo para que as empresas contratem menos mulheres e, menos ainda, mulheres que queiram ou já sejam mães. É por imbróglios como esses que a máxima do mercado deve prevalecer, e não a arbitrariedade de opinião de uma ou outra pessoa.

Fica evidente, portanto, que o caso não é justamente a comparação entre homens e mulheres, mas sim o fato de as mulheres assumirem tarefas domésticas não remuneradas e diminuírem, portanto, a carga de trabalho remunerado. O que se pode fazer sobre isso? Vejamos o caso da Islândia, o país com o melhor cenário de equiparação salarial entre homens e mulheres no mundo, com lacuna salarial de apenas 2,9%. O governo da Islândia financia uma rede de serviços de cuidados infantis acessíveis que permite que as mulheres trabalhem fora de casa. Mas vamos ser justos e comparar, novamente, os comparáveis: de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB per capita do Brasil em 2022 foi de cerca de US$10 mil. O PIB per capita da Islândia em 2022 foi de cerca de US$ 73 mil. Isso mesmo: o PIB per capita da Islândia é cerca de sete vezes maior que o do Brasil. É por isso que não adianta olhar para o que os países ricos fazem e tentar replicar as medidas em um país essencialmente pobre como o nosso. Enquanto na Islândia o cobertor dá e sobra, aqui o nosso cobertor é muito, mas muito mais curto. Quando alguém bradar uma bandeira de “justiça”, cuidado: no Brasil isso frequentemente quer dizer cobrir a cabeça para descobrir os pés e, no fim, sacramentar outra injustiça.

*Flávia Sato é mãe da Sofia, empreendedora e associada do IFL-SP.

Mayara Corrêa é a mãe da Melina e do Miguel, empreendedora e associada do IFL-SP.

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