A wokeconomia

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Algumas cenas deprimentes protagonizadas em Paris no espetáculo de abertura da Olimpíada serviram para mostrar ao mundo o nível de atrevimento a que chegou o wokismo. Essa manifestação doentia de relativismo moral, promove a inversão de todos os valores consagrados pela tradição, usos e costumes que forjaram a civilização ocidental, em que o que sempre foi considerado errado passa a ser tratado como certo, o imoral como moral, o injusto como justo, o feio como belo e o demeritório como admirável.

Herbert Marcuse, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Michel Foucault e outros precursores e divulgadores do marxismo cultural na França muito provavelmente exultariam de alegria com algumas daquelas encenações transmitidas ao vivo para todo o planeta. A subjugação do verdadeiro espírito olímpico e da herança helênica que inspiraram o Barão de Coubertin, o criador dos jogos da Era Moderna, a toda a agenda cultural do globalismo marxista.

Desde que Antonio Gramsci intuiu e os filósofos da Escola de Frankfurt aprofundaram a ideia de que invadir subliminarmente a cultura para só depois implantar o socialismo era mais eficaz do que ocupar territórios ou impô-lo abertamente, praticamente todas as áreas da nossa vida passaram a ser inundadas pela enchente woke. Nas artes, no ensino, na estética, nos meios de comunicação, nos esportes e em muitas outras manifestações do sistema ético-moral-cultural. A melhor abordagem para empurrar sutilmente o comunismo goela abaixo do mundo passou a ser assim resumida: por que fazer “explorados” e “exploradores” matarem-se nas tradicionais lutas de classes que sempre alimentaram o marxismo, se é mais fácil evitar o derramamento de sangue a partir de um trabalho paciente e bem executado: inocular pacientemente o veneno do comunismo na cultura e, a partir daí, institucionalizar os padrões éticos, morais, culturais e comportamentais da visão coletivista? Assim foi feito, e tudo indica que nos dias presentes estamos vivendo o desaguamento desse processo.

Mais tarde, especialmente com a incorporação das teorias apocalípticas do clima e das facilidades proporcionadas pelos avanços tecnológicos, o comunismo — que sempre foi internacionalista — foi morar junto com o globalismo. O que se vê hoje é fruto desse concubinato, cujo objetivo é suprimir as liberdades individuais e minar a tradição do Ocidente. E tome Agenda 2030 para cá, protocolo ESG para lá, descristianização, ideologias de gênero e de raça, padrões queer e todo o arsenal de maluquices woke. Portanto, não há motivo para espantar-se com aquela mise-en-scène blasfema e de péssimo gosto que pareceu remeter à Última Ceia. Os inimigos do Ocidente e da liberdade estão cada vez mais afoitos e abusados e, se não forem parados agora, vai ser cada vez mais difícil recolocar as coisas nos devidos lugares.

Entretanto, uma vez que o sistema econômico tem ligações com a cultura, a ética, a moral e a política, é preciso notar que também existe uma agenda woke na economia, que nega princípios tradicionalmente aceitos, inverte valores e subverte instituições. Entre as quais, a economia de mercado. É a wokeconomia, que não é de hoje, mas que, tal como nos demais campos da sociedade, ultimamente tem sido tão intensificada que não é exagero afirmar que está ameaçando explodir o sistema econômico global.

Para não voltarmos muito no tempo, podemos regredir ao encontro dos séculos 19 e 20 e encontrar o “Círculo de Bloomsbury”, um grupo de artistas e intelectuais britânicos formado em 1905 e que contava entre seus membros com John Maynard Keynes, assim como a sociedade secreta dos “Apóstolos de Cambridge”, de que Keynes também fazia parte. Muito mais do que clubes sociais, formavam uma elite intelectual interessada em filosofia e nas suas consequências sobre os usos e costumes. Suas características eram: tendência política de esquerda, desprezo pelos valores e moralidade vitorianos, aversão aos hábitos burgueses, endosso à estética vanguardista, crença na homossexualidade como sendo moralmente superior, rejeição ao Cristianismo, intenção de escandalizar e desapreço pelos valores tradicionais da família, pela parcimônia e pelas preocupações com o futuro. “No longo prazo estaremos todos mortos”, a famosa frase do economista inglês, é típica dessa filosofia de vida. Se vivesse hoje, muito provavelmente Keynes abraçaria feliz a wokeconomia. Sim, pode-se dizer que Keynes foi o primeiro wokeconomista.

Mas, afinal, o que vem a ser a economia woke? É possível resumir seus postulados em meia dúzia de falsas narrativas que agridem a boa teoria econômica desenvolvida por séculos de trabalho de grandes economistas e pela simples observação das ações praticadas nos mercados desde que o mundo é mundo. É importante observar que suas proposições são perfeitamente consonantes com os objetivos e as características do marxismo cultural, um movimento muito bem planejado, em que a cada prego corresponde uma estopa.

A wokeconomia começa pelo que chamo de teorema fundamental do atraso, uma consequência imediata do delírio da teoria da exploração de Marx, segundo o qual só existe riqueza porque existe pobreza. Ou seja, os ricos só são ricos porque, necessariamente, existem pobres para eles explorarem. Em outras palavras, para os wokeconomistas, se A é rico e B é pobre, então o segundo é explorado pelo primeiro, não importando os atributos de ambos, como inteligência, dedicação ao trabalho, escolaridade, background familiar, vocação para o empreendedorismo, diligência, esforço, saúde, preguiça, sorte ou azar. A economia, por consequência, é vista como um jogo de soma zero, o que significa que para alguém ou algum grupo melhorar é imperioso que alguém ou outro grupo piore. A fixação doentia do governo brasileiro em tributar heranças e “grandes fortunas” é um efeito bastante claro dessa visão totalmente equivocada do sistema econômico.

Em segundo lugar, de acordo com os cânones da wokeconomia, é sempre bom para todos quando o governo gasta, porque o desenvolvimento econômico é puxado pela demanda, e os gastos públicos fazem parte da demanda agregada. Adicionalmente, na cabeça de um wokeconomista, os gastos públicos são socialmente preferíveis aos gastos privados, pois os critérios políticos de escolha dos funcionários do governo são superiores aos requisitos de eficiência que costumam caracterizar as escolhas no setor privado.

Uma terceira característica da abordagem woke da economia, derivada da anterior, é que o governo não deve se preocupar com o equilíbrio das suas contas nem com a maneira como os seus gastos são financiados. Nem com o crescimento da dívida pública, com mais impostos, com a expansão da oferta de moeda ou com uma combinação qualquer dessas alternativas.

Sendo assim, o aumento da dívida pública não é um problema, porque o governo sempre vai conseguir colocar os seus títulos no mercado e, caso fique difícil honrá-los em seu vencimento, sempre existirá a possibilidade de estender os seus prazos ou, simplesmente, transferir os ônus para as gerações futuras, o que é profundamente imoral. Mas a wokeconomia, apesar de todo o barulho que costuma fazer em defesa dos “desassistidos”, não tem na prática qualquer preocupação moral.

A emissão de moeda sem lastro e a consequente inflação de preços que provoca, por sua vez, nunca foram consideradas um problema pela heterodoxia econômica woke, a não ser em casos de hiperinflação, quando a moeda perde todo o seu valor e sua demanda cai para zero, ao mesmo tempo em que os preços tendem para o infinito. Em situações normais de inflação, por mais altos que sejam os preços, dado que a moeda do país é de curso forçado, o aumento da sua oferta sempre poderá ser utilizado para financiar, pelo menos parcialmente, os déficits. Isso explica a histeria dos discursos dos wokeconomistas em favor de taxas de juros artificialmente baixas e suas reiteradas críticas à independência dos bancos centrais. “Se a inflação de preços explodir lá na frente, a gente faz um controlezinho de preços, e tudo vai ficar bem”, entenderam?

Assim como nos demais campos da sociedade, o movimento woke na economia relativiza teorias que séculos de estudos e evidências demonstraram ser verdadeiras, distorce os fatos e abraça as narrativas convenientes para cada ocasião

Quanto à tributação, a visão dos wokeconomistas não é diferente. Acreditam piamente na máxima de que dinheiro nas mãos do governo é melhor do que dinheiro nas mãos de indivíduos e empresas. O discurso woke da redistribuição por meio da progressividade dos impostos e da taxação da riqueza até pode ser bonitinho, mas na prática, simplesmente, não funciona. Isso porque o Robin Hood estatal, sempre e em qualquer lugar, está mais para Príncipe João, o usurpador do trono do irmão, do que para alguém que tira dos nobres para dar aos pobres.

Um resumo da economia woke — e que tem sido nos últimos anos pintado como recente — é a chamada teoria monetária moderna, cujo nome por si só já representa uma tripla contradição, uma vez que não chega a ser uma teoria, não está conforme com a boa teoria monetária e é mais velha do que Matusalém. Segundo os proponentes dessa aberração os governos não estariam subordinados à preocupação natural de indivíduos e empresas de terem que pagar as suas contas. Ou seja, os déficits e a dívida pública não importariam, porque não seriam prejudiciais para os governos que emitem a sua própria moeda, pois estes podem pagar a dívida simplesmente imprimindo a quantidade necessária de moeda. A dívida, então, longe de representar um problema, poderia muito bem ser utilizada como um instrumento para atingir “objetivos sociais”. Em resumo, falácias milenares estão sendo vendidas como se tivessem recém-saído da fábrica.

Assim como nos demais campos da sociedade, o movimento woke na economia relativiza teorias que séculos de estudos e evidências demonstraram sobejamente ser verdadeiras, distorce os fatos e abraça as narrativas convenientes para cada ocasião, sempre a serviço do seu projeto coletivista de poder. É desalentador, depois de mostrar o que é a wokeconomia, concluir que a equipe econômica do atual governo brasileiro a segue de cabo a rabo. O fracasso é certo.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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