Dos males o que renda mais votos

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LUIS FERNANDO WAIB *

Os vetos da Presidente Dilma Rousseff ao PL 268/2002 (“Ato Médico”) não são, como quer fazer parecer o Sr. João Luiz Mauad em recente artigo, atos de coragem e determinação em prol do bom funcionamento do atendimento à saúde no país.

Na esteira de várias medidas populistas, friamente calculadas por marqueteiros para responder aos apelos populares manifestados nas últimas semanas, a Presidente tem adotado uma série de medidas equivocadas, contraditórias e aparentemente desprovidas de sentido. Tenho alertado a todos os colegas para que tomem cuidado, afinal ninguém chega à posição da Presidente Dilma (ou do Ministro Padilha) dando ponto sem nó. A população leiga, que vota e que é usuária do SUS, está atenta às medidas adotadas pela Presidente. Esta população pouco entende de gestão de recursos ou de cadeia de suprimentos. Para a maior parte da população, a face do sistema de saúde é o médico, e quando a Presidente afirma que trará mais médicos para onde não há, a população, em uma análise rápida e rasa, entende este movimento como correto.

Do mesmo modo, o número de profissionais de saúde que questionam, na maior parte das vezes com argumentos emprestados (como os do Sr. Mauad), o conteúdo do Ato Médico, nunca leu o texto na íntegra. Afinal, quem pode ser a favor de dar “mais poder” a essa classe que ganha bem e tem do bom e do melhor? É fácil se posicionar contra essa figura do médico abastado, que trabalha pouco e leva uma vida glamourosa – com o único inconveniente de que esse médico não existe. Tudo o que envolve a prática médica, da formação ao exercício profissional, é repleto de esforço e sacrifício: média de 3 empregos compondo um salário de R$ 6.000 a R$ 8.000 por mês, ao custo de noites longe da família e dos filhos, risco nas estradas (ou no trânsito) após o plantão, risco profissional, necessidade de atualização constante, impostos excruciantes, despesas com a infraestrutura do atendimento. Pouco importa: a face do médico para a população é outra e todo marqueteiro do governo sabe disso.

Pouco a pouco, essa aberração chamada SUS transformou o que era antes um profissional LIBERAL em um empregado. No SUS, são impostas amarras de recursos diagnósticos e terapêuticos, o profissional atende na estrutura que o estado lhe fornece, sem condições adequadas (por exemplo, eu atendi por anos em uma unidade básica de saúde que não tinha água e sabão líquido para higienizar as mãos, muito menos máscaras para me proteger de tuberculose), e o pior: quem trabalha melhor ganha exatamente o mesmo que quem trabalha mal. Mudou-se o vínculo profissional, e a única opção que o médico dispõe de ganhar mais, de se desenvolver profissionalmente, de ganhar de acordo com a sua produtividade é o setor privado. É não ir para o SUS. Talvez isso explique a razão de existir 6 vezes mais médicos no setor privado do que no SUS; e talvez isso traduza a (in)capacidade do governo em competir em um mercado dinâmico como a saúde.

Mas para que competir? O governo não precisa competir, lembrou-se o Dr. Alexandre Padilha. Ao longo dos anos, o SUS incorporou na competência dos enfermeiros a responsabilidade por tocar programas prioritários de saúde pública. Quer o governo que enfermeiros façam desde exames de citologia oncótica (“Papanicolaou”) periódicos em mulheres, peçam exames de tuberculose e até mesmo façam o tratamento. Tudo isso justificado pela necessidade de conter gastos e atingir a maior parte da população que depende do SUS. Enfermeiros são mais “baratos” que médicos! Perceba, leitor, tudo o que a Presidente Dilma Rousseff fez nas últimas semanas: tentar importar médicos sem revalidação de diploma a preços baixos, aumentar o tempo de formação médica incorporando o serviço civil obrigatório (mesmo para quem paga faculdade privada!) e agora vetando o Ato Médico tem um único propósito: manter o Sistema Único de Saúde funcionando com baixo custo (e baixa qualidade, mas isso não importa).

O PL 268/2002 vem sendo debatido há 12 anos, já passou por inúmeras comissões e todas as possíveis lacunas de interpretação foram adequadas. Não há nenhuma margem para dúvida no texto, razão pela qual sempre pergunto a quem me interpela: “você leu o projeto de lei?” – E então inicio a discussão. Invariavelmente o interlocutor não leu. O PL 268/2002 não traz nenhuma possibilidade de cerceamento de outras profissões da área de saúde. A menos, é claro, que estejamos falando de cercear o exercício da Medicina por não-médicos, o que é mais do que legítimo. Enfermeiros não estão preparados para realizar diagnóstico nosológico – eles têm outro sistema de diagnóstico, relacionado ao cuidado e à assistência, e que não tem nada a ver com a investigação clínica.

O PL 268/2002 não estabelece, em nenhum dos seus parágrafos, que injeções são atos privativos do médico. Em nenhum parágrafo está escrito que chefias de hospitais só podem ser exercidas por médicos (mas apenas médicos podem chefiar serviços médicos, i.e. um Serviço de Urologia não pode ser chefiado por um psicólogo).

Reproduzo aqui o trecho que contradiz o conceito guardado pelo Sr. Mauad:

§ 5º Excetuam-se do rol de atividades privativas do médico:

I – aplicação de injeções subcutâneas, intradérmicas, intramusculares e intravenosas, de acordo com a prescrição médica;

II – cateterização nasofaringeana, orotraqueal, esofágica, gástrica, enteral, anal, vesical, e venosa periférica, de acordo com a prescrição médica;

III – aspiração nasofaringeana ou orotraqueal;

IV – punções venosa e arterial periféricas, de acordo com a prescrição médica;

V – realização de curativo com desbridamento até o limite do tecido subcutâneo, sem a necessidade de tratamento cirúrgico;

VI – atendimento à pessoa sob risco de morte iminente.

§ 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.

§ 7º O disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia.

 

Os vetos ao Ato Médico, portanto, são fruto do desejo de fornecer uma assistência à saúde barata e de baixa qualidade no SUS, associado ao corporativismo dos militantes de plantão, que buscam extrapolar da sua competência profissional em nome do mercado e em detrimento do paciente.

Tudo somado, esta medida só serve para piorar a qualidade dos serviços de saúde realizados no Brasil.

* MÉDICO INFECTOLOGISTA

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