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Donald Stewart Jr., Leonel Brizola e a raposa no galinheiro

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O canal no Youtube do prestigiado Fórum da Liberdade, grande evento organizado desde 1988 pelo Instituto de Estudos Empresariais, prestou um serviço a todos os liberais do Brasil. Estão ali disponíveis as gravações, na íntegra, das primeiras edições do congresso.

É possível ver em ação diversas figuras lendárias do movimento liberal brasileiro das últimas décadas do século XX – algumas vezes em confronto com adversários declarados de nossas ideias. Esses discursos, não raro, revelam talentos de oratória ou de didatismo que não poderiam ser apreciados de outra maneira.

Eram sempre divertidas, por exemplo, as participações do empresário e liberal hayekiano Henry Maksoud. O humor inigualável de Roberto Campos também marcava presença. Alguns, como o empresário Jorge Gerdau, me surpreenderam pela fluidez de suas explanações.

O conteúdo dessas várias horas de palestras e debates certamente oferece inspiração para desenvolvermos inúmeras reflexões – quem sabe poderemos trazer ainda outras de nossa lavra a partir da mesma fonte. Por hoje, fico com uma “tirada” perspicaz de outro liberal que sabia muito bem como “dar o recado”: o fundador do nosso Instituto Liberal, Donald Stewart Jr.

Na segunda edição do Fórum da Liberdade, em 1989, como de praxe até os dias de hoje, alguns prováveis presidenciáveis estiveram no evento para interagir com os participantes. Leonel Brizola, que, saindo de sua primeira administração do estado do Rio de Janeiro, pleiteava o Planalto pelo PDT, participou do terceiro painel. O notório populista gaúcho tinha uma capacidade sobrenaturalmente impressionante de falar, falar, falar e não dizer rigorosamente nada. Em sua entrevista ao Roda Viva em 1987, por exemplo, ele disse que “a ditadura de esquerda é, a rigor, uma ditadura de direita” (?) – é claro, o quadrado é redondo, não há dúvidas – e o de que precisamos é “democratizar o país, democratizar a economia, democratizar…”. Disse também que desde Roberto Campos todos os economistas eram neoliberais – “Roberto Campos 2, 3, 4, é tudo que temos”. Era um verdadeiro pândego.

No Fórum de 1989, sua performance não fugiu ao seu habitual. Brizola essencialmente pregou aos liberais do Instituto de Estudos Empresariais e instituições correlatas que a adoção de uma agenda capitalista liberal representaria a submissão da economia brasileira às potências estrangeiras, transformando-nos em uma “colônia” das nações desenvolvidas. Fazia o típico discurso de hostilidade à globalização, ao intercâmbio mais amplo de bens e riquezas, à retirada das excessivas regulamentações que pesam sobre o cidadão de qualquer estrato da sociedade.

Igualmente, Brizola fez uso de uma manjadíssima analogia: a de que a liberdade econômica proposta pelo “terrível fantasma” do “neoliberalismo” seria a liberdade da raposa no galinheiro – ou seja, a liberdade de predadores de “devorarem” as indefesas vítimas. A “raposa”, na analogia de Brizola, seria, é evidente, a “elite”, o “empresário” – quase sempre reduzido à imagem do grande homem de negócios, do bilionário, olvidando-se os pequenos e médios empreendedores. As “galinhas no galinheiro” seriam os indefesos trabalhadores e os estratos mais pobres da comunidade política.

Para desafiar Brizola, lá estava, ocupando a mesa, Donald Stewart Jr. Brizola já havia dito que os argumentos do empresário, que havia palestrado anteriormente, eram “impregnados de idealismo, porque o mundo não é assim” e “nunca foi assim”. Os discursos de Donald esbanjavam simultaneamente elegância e objetividade, mas ele também sabia ser bastante bem-humorado quando desejava.

Respondeu à demagógica retórica brizolista do seguinte modo, que passo a transcrever:

“A outra observação (do governador Leonel Brizola) é que a liberdade nos levará a ser uma colônia. Eu acho que nós somos uma colônia. Nós somos uma colônia do nosso Estado. O Estado é que, à maneira dos países colonizadores, que tiravam de suas colônias a riqueza, tira desta nação a riqueza, seja para engarrafar a água do mar, quando não é para beneficiar alguns grupos, especificamente. É esta colônia que eu quero deixar de ser e acho que o caminho para deixarmos de ser esta colônia é exatamente o caminho da liberdade.

(…) O senhor menciona que a liberdade seria a liberdade da raposa no galinheiro. Eu, se o senhor me permite, acho que a imagem não é feliz. Primeiro, porque a raposa e a galinha não são da mesma espécie animal e nós somos todos da mesma espécie animal. Nós poderíamos dizer ‘a liberdade da galinha que põe mais ovo no galinheiro, a liberdade do galo no galinheiro’, mas da raposa é outra espécie animal. Ninguém pode pretender uma liberdade entre duas espécies animais diferentes. Agora, se nós quisermos usar a imagem da raposa e da galinha, eu diria que ela se aplica, muito mais do que no campo econômico, no campo político. Porque as raposas políticas, nós não podemos deixar soltas no galinheiro.”

A reação de Brizola a essa simples e dolorida invertida de Donald foi essencialmente a de enfatizar que o liberalismo seria uma ingenuidade – e uma ingenuidade, em parte, responsável pelas tribulações da realidade brasileira. Onde o capitalismo liberal era responsável pelo Brasil de congelamento de preços, dirigismo e hiperinflação, nos sucessivos governos Geisel, Figueiredo e Sarney, Brizola até seria capaz de responder, mas apenas abusando do desprezo à coesão e ao raciocínio lógico, desprezo esse que tanto caracterizava suas piruetas verborrágicas paradoxais.

O habilidoso político gaúcho insinuou que Donald havia sido indelicado e indevidamente jocoso em sua reação. Ao contrário, Donald Stewart Jr. enxergou que não chegaremos a lugar algum se continuarmos a apostar no verdadeiro discurso beligerante, antifraterno e idiotizante: o que nos divide como se, mais do que seres humanos, fôssemos criaturas completamente alienígenas umas às outras, escravas de um “polilogismo” atroz.

Por outra, o discurso que trata o empresário, aquele que é responsável pela viabilização das inovações, pela oferta dos empregos, pela diversificação e multiplicação da riqueza, como o vilão da história humana, a encarnação do mal – como uma raposa sedenta por devorar as pobres e oprimidas galinhas. Tal discurso ignora, como bem observou Donald, que a verdadeira vilania está na sustentação de instituições extrativistas, que sufocam a liberdade e cultivam a miséria e o abismo social.

*Artigo republicado em comemoração aos 40 anos do IL. Publicado originalmente em 23 de setembro de 2021.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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