Você já vigiou um leite que estava quase fervendo? Minha avó colocava a mim e a outro neto para vigiar o leite, que estava para ferver. Duas crianças olhando atentamente para o fogão e, de repente, o leite esborrava. O puxão de orelha ia para os dois, e eu me perguntava de quem seria a culpa. Eu jurava que estava olhando, era um colocando a culpa no outro e ninguém assumia de fato que seria o culpado sozinho.

Hoje, na vida adulta, quantas pessoas tentam achar os culpados de uma vida mal sucedida? A falta de oportunidade de aprender, a família em que nasceu, a falta de amor, de atenção e de dinheiro. Procuramos no passado as respostas do presente, justificativas e explicações. E como é bom ter a quem responsabilizar e culpar…

Vivemos em uma sociedade que procura mais desculpas, justificativas para achar a culpa responsabilizando o outro. Com isso, esquecemos de olhar para quem está no controle, no comando da vida, com ônus e bônus.

O autor Victor Frankl, que foi prisioneiro nos campos de concentração nazistas, deixa um recado na sua frase: “Quando não podemos mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos”. Até quando as situações que me cercam são responsáveis por resultados inalcançáveis da minha vida? O conforto de culpar alguém, ou alguma situação, nos traz o conforto de uma explicação para a qual o resultado não poderia ser diferente. É confortável culpar.

E qual outra opção teríamos senão culpar? A opção de ter a responsabilidade e justificar que apenas eu posso ser culpado ou responsável pelas minhas atitudes e ações. Citando Victor Frankl mais uma vez, “você não é produto das circunstâncias, você é produto das suas decisões”, e, assim, matamos a charada da vida. A cada decisão que tomamos, escolhemos um caminho; a cada caminho que escolhemos, renunciamos a outro; e o resultado, que é o presente, cabe a nós mesmos vivermos – assumindo felicidades e as dores de ser quem somos e o reflexo das decisões que tomamos para seguir, mesmo sem o manual de instrução da vida nos soprando aos ouvidos as consequências futuras.

Se você se pergunta que culpa tem de ter nascido, também continuará procurando culpados para todos os seus insucessos. Quando é depositada em outrem a responsabilidade, este também não deveria usufruir de suas regalias? No exemplo de um empresário milionário, você quer ter o dinheiro que ele tem, mas quer passar para outros assumirem as responsabilidades de gerir a empresa?

Preste atenção: não somos iguais; cada pessoa traz consigo sua genética, suas experiências, a influência do meio em que foi criada, mas tudo isso não te define por completo. Uma criança que nasce na favela pode usar tudo o que vê à sua volta, tráfico de drogas, violência, como um meio de vida e ter a mesma vida de ostentação dos traficantes locais.; mas essa mesma criança pode ver vários exemplos de pessoas honestas que trabalham e criam famílias no mesmo ambiente de favela. Então, não se justifica uma má escolha minha, com um erro alheio.

E por que é tão difícil assumir a rédeas da responsabilidade individual? Porque, para isso, deve-se admitir que eu assumo as minhas escolhas, com erros e acertos, com orgulho de ter aprendido com um passado que justifica o presente, mesmo que seja um presente não idealizado. Eu costumo dizer que alguém que olha de fora uma pessoa que teve sucesso, logo diz “esse deu sorte na vida”. Quando essa mesma pessoa tem o insucesso, este é justificado por algo externo: “é muito difícil uma pessoa pobre vencer no Brasil”. Se der certo é sorte e, se der errado, é culpa de alguém? Tudo terá sua dificuldade e, quanto mais audaciosas suas escolhas, maior será o sucesso ou a queda.

Ter a responsabilidade individual de ser livre e poder fazer as escolhas é o único caminho a seguir. É o caminho para a felicidade e para assumir o que você é. Hoje, temos acesso a quase tudo pela internet e podemos obter informação e conhecimento por uma tela. Agora, cuidado. Caso contrário, você continuará chorando pelo leite derramado.

*Samara Gnocchi Repossi é Associada I do Instituto Líderes do Amanhã.