A cura da pobreza: entrevista com o Padre Sirico
JERRY BOWYER*
PovertyCure, uma série de documentários sobre um caminho de solução para a pobreza, será tema de seminário no Instituto Acton da Argentina em abril e maio. Mostra um modo diferente de se enfrentar a pobreza, sem paternalismo.
‘Se você ama a liberdade e os pobres, você vai querer ver este documentário.’ __ Jerry Bowyer
Jerry Bowyer (JB) entrevista** o Padre Robert Sirico (RS), fundador do Acton Institute nos EUA.
(RS): Desde o início do Acton Institute, há 24 anos, sempre tivemos a preocupação de que uma educação econômica sólida, uma compreensão real de como funciona um mercado, ajudaria em primeiro lugar e principalmente aos mais vulneráveis, por isso fizemos várias coisas ao longo destes anos para demonstrar ou ensinar isso às pessoas. Há alguns anos, falamos sobre quais eram as coisas que realmente ajudavam aos pobres.
Obviamente, o que ajuda aos pobres é ter acesso ao trabalho. Mas, à medida que analisávamos as boas intenções de muita gente, víamos que muitas delas simplesmente pensavam que a solidariedade com as pessoas pobres se limitava a dar-lhes coisas. A partir de nossa concepção de como funcionam os mercados (e de nossa compreensão do ser humano), descobrimos que, a rigor, são os próprios seres humanos que são os artífices de seu bem-estar e de sua capacidade de sair da pobreza.
O que quisemos fazer, e o que cremos ter conseguido transmitir com grande beleza nesta série documental em DVD, é mostrar como se cria riqueza e em que consiste a natureza das pessoas quando são capazes, apesar de estarem no meio da pobreza, de serem criativas e capazes de produzir mais do que consomem. E tudo isto dito na primeira pessoa por pessoas pobres e por especialistas nestes temas. A isto é o que chamamos, neste contexto, de bem-estar ou riqueza: quando você pode produzir mais do que consome.
JB: De outro modo, só se subsiste ou se faz coleta de coisas.
RS: Exatamente. Só se subsiste, busca-se alguma coisa que alguém deixou ou fica-se esperando. E agora existe uma autêntica indústria da pobreza: que alguém proporcione a você os bens de que você necessita. Quando você se depara com uma situação em que as pessoas estão constantemente dando coisas a você, sua capacidade empreendedora se embota ou adormece e toda sua capacidade cultural é anestesiada. A riqueza de sua personalidade não é valorizada.
JB: Em “PovertyCure” há uma entrevista fascinante com uma empresária que vive em Gana, se me recordo, e que se dedica à indústria têxtil. Esta empresária afirma que toda essa roupa doada, “toda essa roupa que já foi usada e é enviada dos Estados Unidos entendo que o façam como um ato de generosidade, mas nós tínhamos uma indústria têxtil aqui. Éramos fabricantes de tecidos e agora não o somos porque não temos nenhuma possibilidade de competir com cargas grátis de roupa enviada dos países desenvolvidos.”
RS: Sim, isto destrói a indústria local. É necessário analisar o que significa tudo isto. Não se trata simplesmente de que algumas pessoas deixam de ganhar dinheiro vendendo roupa, significa que todos estes trabalhadores mantêm suas famílias graças à indústria têxtil. Além disso, há outra coisa que é intangível: as pessoas estavam aprendendo os hábitos do comércio, de serem levadas a trabalhar, da pontualidade, do esforço, de adiar a gratificação – todas estas coisas que entram em jogo e formam parte do núcleo de uma economia são eliminadas. O que acaba ocupando este lugar vazio são as organizações não governamentais e as organizações filantrópicas que estão ali com a melhor das intenções (mas que não podem proporcionar estes intangíveis que se perdem).
Outra parte realmente emocionante de PovertyCure é a do orfanato. Trata-se de um casal que viaja ao Haiti porque levavam uma carga pesada, uma preocupação real e se deram conta que queriam adotar um filho. Foram ao Haiti e ali ficaram por um ano e meio e, à medida que foram conhecendo a cultura local se deram conta de que a criança que estavam por adotar tinha pais. E à medida que mais investigavam e faziam perguntas incômodas aos pais, perceberam o incentivo que move as famílias pobres a dar seus filhos em adoção. Ao entregá-los aos orfanatos, eles conseguem que seus filhos passem a formar parte desse grupo de crianças especiais que serão adotadas e enviadas aos Estados Unidos. Essas crianças logo poderão enviar dinheiro para casa, no Haiti. O problema é que estas crianças, a rigor, não vão se integrar na família que deseja adotá-las. Estas crianças não querem ser os filhos de outra família, já que têm e conhecem seus próprios pais. Trata-se de uma coisa verdadeiramente difícil.
Creio que uma coisa que é verdadeiramente única de PovertyCure é que não se trata de algo que seja simples e agradável de ver. Não se trata de um documentário bonzinho e simplório que apresenta as coisas de modo que os pobres simplesmente por serem pobres tenham que ser pessoas maravilhosas. Existem perguntas muito árduas a respeito de nossas ações filantrópicas que é necessário abordar.
JB: É isso mesmo. Eu mesmo não achei PovertyCure como algo pouco agradável de ver. Minha mulher e eu vimos o documentário há alguns dias, ao mesmo tempo em que se comemorava o festival de cinema PovertyCure. Algumas partes do documentário nos fizeram chorar.
RS: Sim, ver a quantidade de talentos e recursos humanos que se perdem é uma coisa que estremece até às lágrimas. Também emociona a inspiração que resulta do testemunho dessas pessoas que têm uma força comovedora.
JB: Foi mais isto, em nosso caso. Foi a inspiração e o que afirma Keats: A beleza é verdade e a verdade é beleza. Havia uma sensação de que acedendo às grandes verdades no que se refere às leis da ação humana, da natureza , e tudo isto dito pelas mesmas pessoas que tantas vezes foram utilizadas como instrumento propagandístico por parte dos planificadores estatais, dava uma força especial ao argumento. Era como uma espécie de Magnificat sentir isto.
Os ricos do mundo parecem que agora estão assumindo o discurso da luta de classes, os ricos significando os políticos que se beneficiam do capitalismo prebendário (crony capitalism – capitalismo de compadrio), a elite que se constitui em elite não pela qualidade dos bens e serviços que oferecem, mas porque foram capazes de cooptar o poder. Eles estão, de fato, oprimindo os pobres. De fato, podemos afirmar, como disse São Tiago: “Ouvi , ricos; chorai e uivai”, não porque sejamos antimercado ou porque não gostemos dos empreendedores, mas porque, de fato, na atualidade, emergiu um tipo de classe global de pessoas que acumularam grandes porções de riqueza e poder na forma de acesso ao orçamento do governo, que têm um tremendo poder sobre nossas vidas através da coerção estatal. E são elas que nos mantêm subjugadas.
RS: Foi exatamente nisso que quisemos nos concentrar.
JB: E elas são as que continuam a manter os pobres em sua situação. Perceber isso me deu muita raiva.
RS: Sim, isso é um pouco do que quis dizer. E imagine se não houvesse o conhecimento do que são os mercados, mas você tem um bom coração e simplesmente pensava que essa era a melhor maneira de ajudar; não se trata de denunciar a caridade; sem dúvida, qualquer pessoa medianamente sensata concordará que a caridade não é a forma normativa pela qual se consegue tirar as pessoas da pobreza. É o acesso ao trabalho o que consegue tirar as pessoas da pobreza.
JB: Um dos comentaristas que aparecem no documentário diz o seguinte: me dê um exemplo de um país que tenha saído da pobreza através da ajuda exterior. Simplesmente me mostre um. Não existe nenhum.
RS: Não, não há nenhum. Se sai da pobreza através dos mercados, é disso que trata a globalização.
* ECONOMISTA, AUTOR E COLUNISTA
** PUBLICADO PELO INSTITUTO ACTON ARGENTINA. ENTREVISTA ORIGINAL AQUI.
De fato, as doações não impedem nem substituem o empreendedorismo quando há um conjunto de instituições favoráveis na sociedade como o direito de propriedade, regras claras e simples, livre concorrência, etc. Acho, entretanto, que o Pe. Sirico refere-se mais à mentalidade de dependência da ajuda de terceiros, especialmente entre a população mais pobre, do que ao medo da concorrência, como no caso da janela quebrada ou da indústria de velas de Bastiat. Acho que o Padre Sirico refere-se a algo parecido com o nosso Bolsa Família e outras “Bolsas”. Mas você pode fazer a pergunta diretamente para ele: rsirico@acton.org
Esse argumento de que doações geram uma competição desleal para a indústria têxtil e que o saldo seria negativo para a sociedade não cai na falácia da janela quebrada ou no boicote à indústria de velas do Bastiát?
Abraços,
Juliano