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Crise de representatividade

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ALEXANDRE BORGES *

Como acontece com tudo que o petismo encosta, a discussão da reforma política teve morte cerebral anunciada e é mantida viva apenas por aparelhos. Seu falecimento pode enterrar, infelizmente, uma discussão urgente para o país: o sistema eleitoral, um dos maiores responsáveis pela tal “crise de representatividade” que tanto se falou no Brasil depois das manifestações. Numa pesquisa recente, 70% dos brasileiros sequer lembram em que votaram para deputado e esse dado, por si, já deveria encerrar qualquer dúvida sobre a necessidade de mudança.

Além de absurdo, o sistema atual é fruto direto da visão de que a politica é o terreno para iluminados que não podem nem devem discutir temas pedestres como assoreamento de córregos, iluminação de ruas, segurança na porta das escolas ou a instalação de novos brinquedos numa praça. Deputados “proporcionais” só deveriam se eleger carregando bandeiras com “grandes temas”, deixando a vida do dia-a-dia do cidadão comum a cargo de subprefeituras e secretarias anódinas que ninguém conhece, acompanha ou fiscaliza.

Nada materializa melhor o distanciamento entre representantes e representados do que Brasília, a capital que reúne a cúpula dos três poderes da república. Sob o pretexto de levar o desenvolvimento para o interior do país, Juscelino Kubitschek construiu um Olimpo com palácios e monumentos de gosto duvidoso e sem esquinas, com áreas reservadas para políticos e burocratas livres de gente comum, sob a batuta do arquiteto stalinista Oscar Niemeyer.

Niemeyer foi chamado de “metade gênio, metade idiota” pelo jornalista Reinaldo Azevedo, mas suas criações, frutos da eventual metade gênio do arquiteto, são no mínimo polêmicas. É difícil imaginar uma única pessoa que tenha como sonho de consumo morar num dos 1.160 apartamentos espalhados pelos 35 sinuosos andares do Edifício COPAN, a maior estrutura de concreto do país. Uma obra dos anos 50 e já datada, enquanto prédios europeus de 200 anos ou mais continuam tão belos, acolhedores e elegantes como no dia da inauguração.

O arquiteto que criou numa prancheta a capital do Brasil justificava as 30 milhões de mortes do genocida soviético dizendo que “os homens passam, a revolução fica”, uma fé que carregou até o túmulo. Para Demétrio Magnoli, “Niemeyer inscreve-se na matriz de Le Corbusier, o fundador de uma arquitetura da destruição que, consagrada à estética do poder, odeia a história, o espaço público e as pessoas comuns”. Segundo o sociólogo, “a estética de Niemeyer é uma declaração política”, a da “a crença fundamental na ‘missão civilizatória’ do Estado – isto é, no privilégio estatal de mobilizar ilimitadamente a terra urbana para esculpir a cidade (e a sociedade) segundo os ideais da elite dirigente.”

Enquanto era festejado e enriquecia com o dinheiro dos bocós e deslumbrados daqui, não se tem notícia de uma única encomenda feita por Stálin ou seus sucessores na URSS ao arquiteto, que viam neste propagandista apenas mais um dos seus prestadores de serviços ideológicos. O escritor Claude Lanzmann, ex-amante de Simone de Beauvoir, depois de se hospedar num hotel projetado pelo arquiteto no Rio, disse: “as pessoas fazem prisioneiros andarem em círculos nas prisões cortando assim qualquer projeto, qualquer futuro, é isso o círculo. Os arquitetos que constroem prédios circulares são idiotas. Não tenho nenhum respeito por Oscar Niemeyer”. Para o francês, Niemeyer era nada menos que “um criminoso”.

A discussão da arquitetura de Brasília não é mera frivolidade. Ela é fruto direto dae um projeto político autoritário, elitista e ditatorial que deseja governos afastados do populacho para que seus burocratas, intelectuais e PhDs possam tranquilamente escolher os destinos do povo sem ter o incômodo de olhar para eles, esbarrar neles na rua ou ter que conversar com eles em locais como praças, reuniões escolares dos filhos ou na orla da praia, como na ex-capital. Ainda segundo Magnoli, “uma edificação de Niemeyer jamais se relaciona significativa ou funcionalmente ao entorno construído, que ele despreza, pois não emergiu de seu traço.” Niemeyer, como todo protótipo de Nero, quer colocar fogo no passado e reconstruir o mundo a partir das suas próprias utopias. Sabemos como isso termina.

Voto proporcional e voto distrital

De todas as idéias engenhosas para separar representantes e representados, o sistema eleitoral proporcional merece um lugar de destaque. Nessas horas, a proverbial pobreza intelectual do país dá lugar a sistemas realmente engenhosos com resultados acima das expectativas até para seus criadores.

É esse impenetrável e quase ininteligível sistema que faz com que um deputado federal como Vanderlei Assis pudesse ser eleito em 2002 com apenas 275 votos, na esteira da votação do folclórico Enéias Carneiro. Na atual legislatura, apenas 38 dos 513 deputados tiveram votos acima do coeficiente necessário, ou seja, 92% dos deputados estão lá apenas por conta de um puxador de votos da sua coligação. Não faz sentido.

O sistema proporcional atual elege deputados baseados numa complexa conta em que os votos de cada partido são somados e, a partir deste número, distribui-se cadeiras para os mais votados da legenda. Esse sistema faz com que o deputado federal mais votado do Brasil na última eleição, o palhaço Tiririca, cujo mote de campanha foi “pior do que está não fica”, leve na carona dos seus mais de 1,3 milhão de votos, outros três deputados. A bancada do Tiririca, com quatro deputados federais incluindo o próprio, é maior que a do PSOL, com três.

Tiririca teve 6,3% dos votos válidos do eleitorado paulista, o que significa que bastou 1 em cada 16 paulistas resolver dar um recado irônico aos políticos para que esse senhor ganhasse mais do que o dobro de votos do segundo colocado. Numa eleição distrital, ele teria que unir o partido em torno do seu nome para se candidatar num determinado local e lá conquistar 50% mais um dos votos válidos.

Porque o voto distrital é melhor

Tente imaginar um lugar em que você não pode eleger o síndico do seu prédio entre os moradores. Ele seria escolhido numa campanha que envolve toda a cidade, que envia os síndicos eleitos para uma câmara em que as decisões do seu prédio são tomadas por alguém que não faz idéia quem é você,  onde você mora, mas que decide o fornecedor de limpeza do seu corredor, o sistema de segurança da sua portaria e a viabilidade de pintar ou não a fachada de uma cor que ele também escolhe por você. Parece ridículo, mas é assim que funciona a eleição de vereadores, deputados estaduais e federais hoje no Brasil.

Com a adoção do voto distrital “puro”, as 513 vagas para deputado federal são divididas entre 513 distritos no país, cada um com sua própria eleição majoritária, em que apenas o mais votado em cada distrito é eleito, num processo preferencialmente de dois turnos. O candidato de cada partido é escolhido num processo interno conhecido como primárias e, no momento do início da campanha, toda legenda se aglutina em torno de um único nome para o distrito.

No sistema proporcional, os candidatos competem uns com os outros, mesmo os companheiros de partido. O eleitor vota em um candidato e na maior parte das vezes elege outro, o que explica a falta de representatividade absurda que existe. E isso tem que acabar.

A campanha eleitoral é local, sem longos e caros deslocamentos, sem acordos com dezenas ou centenas de caciques locais ou grupos de pressão, ela acontece rua a rua, de casa em casa, olhando no olho do eleitor. Seu deputado vai ter que pedir voto para você ou não se elege.

A eleição do deputado distrital depende diretamente da identificação real do eleitor com o candidato, o que tira o sono de qualquer chacrete, pagodeiro ou ex-BBB. E principalmente dos antidemocratas que preferem a comodidade de contratar puxadores de voto e os marqueteiros mais caros do pais para construírem suas bancadas. Não custa lembrar que Joaquim Barbosa, FHC e Aécio apoiam, o PT e seus blogueiros são contra. Faz sentido.

Outro atrativo irresistível do voto distrital é o “recall”: os eleitores do distrito podem, dentro de regras pré-definidas, questionar o eleito e fazer uma nova eleição para confirmar ou não seu mandato. Nesse sistema, o mandato é válido enquanto o eleitor achar que é. Como alguém pode ser contra isso é um desafio à lógica.

Muitas das críticas ao voto distrital, feitas por diversos esbirros do petismo na imprensa, não se sustentam. Vamos às principais:

Mito 1 – O voto distrital tende ao bipartidarismo

O Brasil tem hoje 30 partidos, muitos apenas legendas de aluguel. Dizer que uma concentração partidária é ruim para o país hoje é agredir a experiência o bom senso. A concentração partidária, com fortalecimento dos partidos, é muito bem vinda.

O bipartidarismo é um fenômeno americano, outros países como a França e a Inglaterra possuem o sistema de voto distrital e isso não levou a que apenas dois partidos sobrevivessem. Na Câmara dos Comuns do Reino Unido, oito partidos têm representantes. Na França, onze partidos têm representantes no parlamento.

Mito 2 – O deputado vira um “vereador federal”

De novo, não há qualquer problema em que o deputado federal cuide das questões reais do dia a dia do seu distrito, muito pelo contrário, é desejável. O Senado, que seria mantido no sistema atual, existe exatamente para que ilustres políticos, ex-presidentes, ex-governadores, consagrados juristas, em longos mandatos de oito anos, possam refletir sobre os destinos do país como altos conselheiros da nação. E é o Senado que dispensa a necessidade do sistema distrital misto, um arremedo entre o sistema atual e o distrital puro.

Mito 3 – O fim das discussões dos grandes temas

Com o voto distrital, deputados ficariam apenas cuidando de suas paróquias, sem lidar com os “grandes temas” nacionais, o que é uma suposição sem suporte nos fatos e na experiência de outros países em que, mesmo com esse sistema, os deputados continuam discutindo grandes temas. A novidade é que o temas práticos, com impacto direto na qualidade de vida do cidadão, passam a ter vez também.

O voto distrital tem um impacto direto nos grupo de pressão (sindicatos, igrejas, associações profissionais, ativistas e lobista em geral) que, no sistema atual, com algum investimento na campanha do seu candidato, podem emplacar com certa facilidade um ou mais deputados. Ao obrigar os grupo de pressão a atuar localmente, distrito a distrito, a eleição de deputados “dos taxistas”, “dos gays”, “dos militares”, perde espaço. Eles passam a ter que direcionar seus esforços diretamente para os deputados já eleitos, que não devem mais seus cargos a eles, tornando a relação menos promíscua.

Mito 4 – A eternização de maiorias e caciques locais

Essa discussão, de um ponto de vista da ciência política, é a mais interessante. Os críticos do sistema distrital dizem que, se um distrito tem uma composição relativamente coesa, ela tenderá a sempre eleger seus próprios representantes, calando a voz das minorias. Por exemplo: um distrito com presença majoritária de descendentes de alemães no interior catarinense poderia eleger um dos seus para sempre, excluindo outros grupos da chance de serem representados.

Essa é basicamente uma visão preconceituosa de quem tende a balcanizar a sociedade em minorias ou grupelhos que não se relacionam, não se integram e não se respeitam. E essa é a sociedade dos sonhos dos que querem uma sociedade desintegrada, sem laços, que apenas preste continência ao estado.

Se um determinado distrito tem uma determinada maioria que vota coesa, uma situação hipotética que não necessariamente ocorrerá, isso é necessariamente um problema? Isso não serviria, pelo contrário, para integrar ainda mais aquela determinada comunidade nos seus valores comuns? Não é louvável que cada distrito efetivamente represente um “capital social”, uma comunidade no sentido mais amplo do termo?

Nenhum sistema é perfeito nem é uma panaceia para todos os males do país, mas a adoção do voto distrital é evidentemente uma evolução. Toda essa discussão pode parecer acessória, mas é a regra do jogo eleitoral, que se reflete diretamente da relação do eleitor com seu candidato. E isso é a essência da democracia.

O voto distrital hoje é o sistema dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Austrália, Alemanha, Japão, Nova Zelândia, entre outros países que não costumam eleger Tiriricas, e é hora de olhar sem preconceito xenófobo para essa experiência tão bem sucedida em outros países.

A mudança do sistema eleitoral depende dos atuais congressistas, eleitos pelo sistema proporcional e que tem pouco ou quase nenhum interesse em mudar as regras do jogo no qual estão ganhando. Como no caso do Ficha Limpa, só a pressão da sociedade mudará o sistema, ele não mudará sozinho.

Se você quiser participar dessa campanha, entre no site e veja como.

Voto distrital já!

* DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL

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