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Como acabei rejeitando o Welfare State

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 JACOB G. HORNBERGER *

De acordo com um anúncio do Census Bureau na década de 1950, cresci na cidade mais pobre dos Estados Unidos. Era Laredo, no Texas, uma cidade que faz fronteira com o Rio Grande. Embora eu fosse apenas um garoto, esse anúncio causou grande impacto em mim. Lá estava eu, em suma, vivendo na cidade mais pobre do país!

O anúncio não me surpreendeu, na verdade. Apesar de haver muitas famílias de classe média (por exemplo, meu pai era um advogado que tinha vindo para Laredo depois da Segunda Guerra Mundial e se casara com uma das garotas mexicano-americanas locais) e algumas famílias ricas ligadas ao petróleo, não era difícil achar os pobres. Eles estavam em áreas da cidade chamadas de barrios. Não era difícil ver que as pessoas que viviam nessas partes da cidade eram, de fato, pobres. Suas casas não tinham boa aparência, e alguns deles moravam em barracos de madeira. Seus carros eram lata-velha. Desnecessário dizer que muitos dos alunos com quem estudei no ensino fundamental e no ensino médio não iam para a escola usando roupas da moda.  

Mas, por mais pobre que Laredo fosse, comparada com Nuevo Laredo, no México, sua pobreza não era nada.

As duas cidades – Laredo e Nuevo Laredo – eram, na realidade, uma grande metrópole dividida pelo Rio Grande, assim como St. Louis e St Louis do Leste são separadas pelo Rio Mississipi. O centro de Laredo era ligado ao centro de Nuevo Laredo por uma ponte internacional.

Assim que alguém atravessasse a ponte para o México, notaria que em Nuevo Laredo havia muito mais pobreza. Se fosse mais adiante para áreas residenciais, veria pessoas morando em barracos de papelão.

Ninguém, tanto quanto me lembro, perguntava por que é que era assim. Por que as pessoas de um lado do Rio Grande eram significativamente mais pobres do que as pessoas do outro lado. Afinal de contas, as duas cidades tinham sido, um dia, uma única cidade, sob o governo mexicano. Isso foi antes da Revolução do Texas e antes que os Estados Unidos tivessem absorvido a metade norte do México pelo Tratado de Guadalupe Hidalgo em 1848. Um século depois, as pessoas passaram a aceitar as disparidades de riqueza e padrões de vida entre as duas cidades como uma dessas coisas que acontecem naturalmente na vida.

Como meu pai era um político ativo do Partido Democrata, um dia ele me convidou a acompanhá-lo, junto com um contingente de pessoas de Laredo, a um churrasco de campanha no rancho de Lyndon Johnson, na Cidade de Johnson, Texas, durante a campanha presidencial de 1960, quando acabei encontrando e cumprimentando o próprio Johnson. Johnson me perguntou o que eu estava fazendo para ajudar Kennedy e ele a vencerem as eleições e eu disse que estava trabalhando firme para eles na campanha em Laredo.

Combate à pobreza

Depois que Johnson venceu as eleições presidenciais em 1964, ele declarou guerra à pobreza, uma declaração que me impressionou bastante, levando em conta que eu sabia que morava na cidade mais pobre dos Estados Unidos. Imaginei que a guerra de Johnson contra a pobreza poderia significar que Laredo poderia, finalmente, sair da pobreza. Johnson poderia ter ficado impressionado com meu empenho político a seu favor em Laredo porque, apesar da minha pouca idade, ele me nomeara representante em Laredo da Campanha Beautify America [Embeleze a América], de Lady Bird Johnson. Como havia partes de Laredo que não eram tão bonitas assim, devido a tanta pobreza, percebi que tinha um trabalho talhado para mim.

Não demorou muito para que os Laredenses descobrissem como Johnson pretendia fazer sua guerra contra a pobreza.

Meu pai me disse que Johnson havia telefonado para o prefeito de Laredo, de quem era amigo, dizendo: “Joe, a torneira federal está aberta. Me diga quanto você precisa e a verba federal vai jorrar em Laredo.”

Com isso, muito cedo na minha vida fiquei imbuído da ideia de que a forma de combater a pobreza é fazer com que o governo federal desempenhe um papel ativo no combate a ela, especialmente através do envio de verba federal para áreas pobres. A estratégia de Johnson para o combate à pobreza era baseada na filosofia econômica do presidente Franklin Roosevelt, o principal responsável por transformar em dever fundamental do governo a missão de cuidar das pessoas e prover as suas necessidades, especialmente com verba federal. Na verdade, graças a uma doação federal durante o New Deal de Roosevelt, meu avô materno, Mathias de Llano, que era empresário em Laredo, havia sido responsável pela criação do primeiro projeto público habitacional de Laredo, a Colonia Guadalupe, algo com que minha mãe me impressionara bastante bem cedo na minha vida.

Depois do meu regresso a Laredo, em 1975, para exercer a advocacia, me ofereci para servir como representante local não remunerado da ACLU [União Americana pelas Liberdades Civis], paralelamente à minha atividade de advogado junto com meu pai. Também aceitei um convite para fazer parte do Conselho de Administração da Sociedade de Auxílio Jurídico de Laredo, um órgão do governo que prestava assistência jurídica gratuita aos pobres.

Nessa época, eu não tinha dúvida alguma de que o caminho para se combater a pobreza era contar com uma ativa participação do governo federal e um monte de recursos federais. Não conseguia nem entender como alguém podia se opor a programas do governo que ajudam os pobres – desde os programas habitacionais até vales-refeição, obras públicas, bolsas para a educação, assistência jurídica, e muito mais. Para mim, o apoio a tais programas demonstrava a preocupação que os defensores do Estado-providência tinham para com os pobres.

E então aconteceu uma coisa.

Um dia, eu estava sentado no centro de detenção federal que ficava a alguns quilômetros dos limites da cidade de Laredo, onde as autoridades federais prendiam os estrangeiros ilegais. Eu tinha pedido ao juiz federal local para me nomear defensor gratuito de imigrantes ilegais; assim, eu estava lá para entrevistar alguns dos meus clientes.

Por mais pobres que os laredenses fossem, sua pobreza não era nada comparada à daqueles homens do centro de detenção.

O centro de detenção sempre me pareceu um lugar estranho porque me lembrava um campo de concentração alemão. Havia cercas altas com elos de correntes, e com arame farpado em cima, e altas torres de vigilância nos cantos. Dentro havia barracas nas quais os presos viviam e dormiam. Havia lá, acredito, algumas centenas de imigrantes ilegais presos, talvez mais.

Sentado lá esperando por meus clientes, de repente ocorreu-me o seguinte: aqui estão as pessoas mais pobres dos Estados Unidos. Por mais pobres que os laredenses fossem, sua pobreza não era nada comparada à dos homens dentro desse centro de detenção, que praticamente não tinham bem algum.

Como eu havia crescido na fronteira, claro que aquele não era o meu primeiro contato com estrangeiros ilegais. Na verdade, fui criado em uma fazenda que ficava adjacente ao Rio Grande, localizada a alguns quilômetros de Laredo. Meu pai tinha a fazenda como um hobby. Ele havia contratado imigrantes ilegais para ajudá-lo, o que, naquela época, não era ilegal. Assim, cresci convivendo com imigrantes ilegais. Eles viviam em nossa fazenda. Meus dois irmãos e eu trabalhávamos com eles nos campos – irrigando, preparando o feno, alimentando as vacas, e fazendo tudo o mais necessário. Os estrangeiros ilegais eram as pessoas mais trabalhadoras que já vi. E eles eram nossos amigos. Jogavam futebol comigo e meus irmãos, no final do trabalho. Muitas vezes meus irmãos e eu fazíamos as refeições com eles na varanda.

Amor aos pobres?

Uma coisa que sempre chamava a atenção nesses caras era como eram pobres. Eles haviam deixado suas famílias e arriscaram suas vidas, sua liberdade e seu bem-estar para vir para Laredo para trabalhar, ao que me parecia, por uns parcos salários. Eles trabalhavam duro e enviavam a maior parte do dinheiro para sustentar seus pais, esposas e filhos, isto é, a não ser que fossem presos e deportados pelas autoridades de imigração dos EUA, que tinham autoridade legal para vir à nossa fazenda sem mandado, a qualquer momento. Uma das minhas melhores lembranças é a de estar escondido com nossos empregados no celeiro, quando el rinche veio à nossa propriedade à procura de estrangeiros ilegais.

Sentado ali, naquele centro de detenção, ocorreu-me: como é que as pessoas que professam amar os pobres com programas de welfare state podem fazer isso com essas pessoas? Isso não faz nenhum sentido para mim. Afinal de contas, pensei, uma verdadeira preocupação com os pobres não transcende a cidadania e as fronteiras nacionais?

Como é que as pessoas que declaram amar os pobres com programas de bem-estar social fazem isso com estas pessoas pobres?

Essa revelação me perturbou profundamente. Comecei a fazer as perguntas de meus amigos de esquerda, inclusive um que estava servindo comigo no Conselho de Administração de Assistência Jurídica. Perguntava: por que estamos tratando os imigrantes ilegais assim? Por que os estamos punindo por simplesmente tentarem se manter e melhorar suas vidas através do trabalho? Por que deveriam estar na cadeia, quando não fizeram nada moralmente errado?

A resposta que recebia era sempre a mesma: a lei é a lei. Eles infringiram a lei e precisam ser punidos.

Isso não me satisfazia. Afinal, a segregação tinha sido lei também. Isso não a tornava uma coisa certa, não num sentido moral.

Eu não parava de pensar e refletir, o que me levou a uma direção que gerou muito desconforto para mim. Comecei a ter dúvidas sobre o próprio Estado de bem-estar. Afinal, pensei, ele tinha como premissa a noção de que as pessoas tinham uma preocupação legítima para com os pobres. No entanto, os defensores do Estado de bem-estar social estavam defendendo um sistema que tratava os mais pobres dos pobres de uma forma que eu acreditava ser horrível e desprezível.

Comecei a fazer pesquisas, tanto dentro como fora da penitenciária. Um dia, eu estava na seção de ciências políticas da biblioteca pública de Laredo procurando algo para ler. Me deparei com quatro livros de diferentes cores intitulados Ensaios sobre a liberdade, volumes 1-4. Abri os livros e descobri que eles haviam sido publicados na década de 1950 por uma organização chamada The Foundation for Economic Education em Irvington-on-Hudson, Nova York. Como eu nunca tinha ouvido falar dessa organização, especialmente quando estava me formando em Economia na faculdade, pensei, naturalmente, que ela havia sido fechada há muito tempo.

Levei os quatro livros para casa. Eles mudaram minha vida. Consistiam em ensaios introdutórios ao liberalismo, o que abalou a visão de mundo que eu tinha desde a infância a respeito do governo e da pobreza. Ao ler e reler os livros, as escamas caíram dos meus olhos. Descobri e comecei a ler outras obras liberais de colaboradores desses quatro livros e cheguei à conclusão de que tudo o que eu acreditara desde a infância sobre o Estado de bem-estar estava errado.

* FUNDADOR E PRESIDENTE DA THE FUTURE OF FREEDOM FOUNDATION

N.E.: Publicado em Future of Freedom, Volume 24, Number 8, August 2013

 

TRADUÇÃO, EDIÇÃO: LIGIA FILGUEIRAS
FONTE DAS IMAGENS: WIKIPÉDIA
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