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Collor, as oligarquias fisiológicas e as voltas da história

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Fernando Collor

A história recente brasileira registra que Fernando Collor de Mello foi eleito presidente adotando o célebre discurso da “caça aos marajás”, os funcionários públicos que se encastelavam na máquina pública para sorver os seus recursos e faturar alto. Fez um profundo investimento em imagem para superar o líder sindicalista Lula da Silva, cujo destino posterior hoje todos conhecemos bem. Convenceu algumas lideranças, como a família Mesquita, de O Estado de São Paulo, de que faria uma gestão modernizadora, com fortes traços liberais. Até, de fato, apresentou um começo de processo de privatizações e redução de impostos sobre importação. No entanto, ficará lembrado, nesse particular, pelo controle de preços e o confisco das poupanças, um momento traumático – e de claro teor intervencionista – que permanece forte na memória de quem viveu aquele período. O esquema de corrupção envolvendo pessoas ligadas a ele, em especial o ex-tesoureiro da campanha, PC Farias, mergulhou no furacão um presidente com pouca solidez de articulação política; seu elo com o esquema foi, todos sabemos, o Fiat Elba. Os petistas insuflaram, também é largamente sabido, os protestos contra o “caçador de marajás”, começou o impeachment, e, em 1992, tivemos a queda do presidente.

Hoje, as peças do jogo que se vem construindo desde a redemocratização, nas curiosas voltas que a história dá, se embaralharam. O governo é dos petistas, sucessivamente, com Lula e Dilma; com sua histórica pregação radical de esquerda contra as “oligarquias atrasadas”, os “dinossauros patrimonialistas” e, segundo eles, “capitalistas neoliberais”, chegaram ao poder e se associaram às classes políticas que combatiam (em especial, as verdadeiras “raposas” do PMDB), a fim de alcançar a governabilidade de que dependiam. Tentam, a cada momento, ocupar os espaços e tornar essa associação menos necessária, preenchendo de retórica ideológica socialista suas investidas autoritárias. A tal “oligarquia”, porém, consegue entravá-los. Por interesses pouco felizes, sabemos, mas o resultado é preservar o que nos resta de liberdade e sanidade.

Líderes experimentados e habilidosos, seja qual for o caráter de suas vidas pessoais e de seu trato com a coisa pública, usam suas armas particulares para manter as rédeas institucionais do país e não permitir que o PT o refunde completamente à sua imagem e semelhança. Fomos criticados ao dizer que Eduardo Cunha, por exemplo, é um político “habilidoso”, em nosso artigo que defendeu a legalidade das votações consecutivas em matérias que tratavam da redução da maioridade penal; não quisemos dizer nada além do que a palavra expressa. Eduardo Cunha não é, nas acepções essenciais e filosóficas com que costumamos empregar os termos em política, um autêntico conservador ou liberal. Não é um grande representante de nossos ideais, e sabemos perfeitamente que é investigado pela Operação Lava Jato; não estamos aqui para eleger heróis artificialmente construídos.  Reconhecemos apenas que, movido por seus próprios interesses, eleitoreiros e de poder, Cunha faz com que sejam cumpridas bandeiras que também nos interessam, o que é positivo para conter o petismo e o esquerdismo inveterados que são, sem sombra de dúvida, males muito maiores.

16/11/2009 - Roosewelt Pinheiro/ABr - Brasília - presidente do Senado, José Sarney --- PB
José Sarney

Voltemos a Collor; hoje senador, ele se alia, sem qualquer pudor, aos mesmos que, no passado, foram seus algozes, escandalizando e bradando pela sua queda. Acabou de voltar aos noticiários, investigado pela Lava Jato e pela Polícia Federal; questionou a invasão da Casa da Dinda, mansão de sua família que certamente, embora não seja meu caso, traz recordações a quem viveu para ver o seu governo. A seu ver, foi uma invasão arbitrária. Seja como for, em vez do lendário Fiat Elba, desta vez encontraram três carrões de luxo, não declarados entre seus bens à Justiça Eleitoral. A história se repete de maneiras inusitadas… Caçador de marajás, baluartes do socialismo “anti-corrupção”, hoje ocupam juntos o poder, sustentando um regime apodrecido, protagonista da maior crise de corrupção da epopeia republicana e às voltas com a ameaça de mais um impeachment presidencial. Não apenas Collor; José Sarney, frise-se, da “bossa nova” da antiga UDN, que desejava levá-la mais para a esquerda no espectro político, e ex-presidente com medidas extremamente intervencionistas e fracassadas na economia, também ocupa e ocupou, como “senhor feudal do Maranhão” e peemedebista, a base do governo, elogiado por Lula pela sua “história”. Representantes de tudo aquilo que o PT se anunciou dedicado a combater, usados por ele para manter a “governabilidade” e o “presidencialismo de coalizão”. Assim também Paulo Maluf, político criado no regime militar, hoje no PP, forneceu apoio aos petistas.

Dizem alguns críticos dos articulistas liberais e conservadores que atacamos demais os petistas e a esquerda e nos esquecemos convenientemente de atacar os oligarcas patrimonialistas, as famílias de políticos carreiristas que não abraçam com franqueza nenhuma bandeira ou nenhuma cor de ideário político, preferindo o oportunismo populista do mais arcaico fisiologismo – que lhes garante, porém, a perpetuação do poder, como verdadeiros “marajás”. Falta a esses críticos o bom senso de enxergar estratégias e cenários, bem como sobra a hipocrisia de não reconhecerem que seus próprios posicionamentos são, a todo o momento, eles sim, enviesados, julgando que uns podem cometer os desatinos que outros não podem, apenas porque aqueles o fazem em nome de uma causa justa e abstrata, como a “justiça social”.

Uma lamentável presença desde a aurora republicana, ganhando força a partir da frágil cultura política de massa nacionalmente, esse tipo de político carreirista e fisiológico que esses críticos à esquerda mencionam não conta com nosso aplauso pelo que ele é ou pelo que representa. Temos, entretanto, de compreender prioridades. O oligarca não é uma ameaça igual ao socialista e ao intervencionista autoritário. As “raposas” do PMDB não apoiarão, por exemplo, a censura da mídia. Isso é uma diferença fundamental. O bom analista sabe que não podemos viver a cogitar de um mundo ideal e trabalha com as ferramentas e peças existentes, a fim de movê-las na direção possível mais favorável às suas bandeiras. Por que conosco seria diferente? Um Sarney e um Collor não representam, em rigorosamente nada, o liberalismo e aquilo que Rodrigo Constantino chama “conservadorismo de boa estirpe”; ao contrário da associação constante que a esquerda faz entre nós e eles, quer por ser obtusa, quer por ser mal-intencionada, não os reconhecemos como inspirações ou lideranças. Só a profunda ignorância pode fazer com que essa narrativa incongruente seja aceita como verdade. Que termo de comparação há entre um Edmund Burke, um Adam Smith, uma Thatcher ou um Lacerda e um Fernando Collor de Mello?

Do fato de esses fisiológicos “segurarem” e “disciplinarem” as fronteiras do autoritarismo petista, não se segue que qualquer um deles simbolize a agenda que defenderíamos para o país. Nas voltas da história, e na inusitada mediocridade da nossa política tupiniquim, eles são, porém, e infelizmente, as peças em jogo. O PT quer que todas as peças no jogo sejam suas. Eles, os fisiológicos, querem que o jogo permaneça com as peças atuais, tal como se distribuem, mantendo suas vantagens, que acabam eventualmente sendo antagônicas aos propósitos da esquerda ideológica. Nós queremos mudar as peças. Para isso, precisamos de paciência, persistência e convicção. Precisamos, sem utopismos insanos e violentos, cumprir nosso papel nessas voltas da história. A manifestação de 16 de agosto faz parte disso. Todos lá!

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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