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Carta aberta a Marco Antônio Villa

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Prezado Villa,

Você é daqueles intelectuais por quem tenho grande respeito e admiração.  Costumo concordar com o que escreve e fala em praticamente 90% das vezes.  Seu último artigo para o Globo, entretanto, está entre os 10% com os quais não concordo. Nele, você critica as posturas de socialistas e liberais brasileiros ao longo da história, principalmente do Século XX.  Você escreve:

Na maioria das vezes, os dois campos produziram pastiches adaptando a fórceps a especificidade brasileira aos cânones ideológicos ocidentais. Consequentemente, a qualidade e a originalidade da produção e do debate político-econômico foram ruins, não passando da recitação de slogans vazios.

Meu foco aqui, como não poderia deixar de ser, será a defesa do enfoque liberal.  Segundo você, o modelo proposto pelos liberais brasileiros tinha como referência a realidade norte americana, pouco importando as especificidades históricas muito distintas entre os dois países. Assim,

O desenvolvimento de um capitalismo tardio na periferia deu ao nosso pais tarefas e problemas a serem enfrentados que não eram os mesmos dos modelos apregoados pelos repetidores do liberalismo ou do marxismo.

O Estado forjado pela Revolução de 1930 passou a ter decisiva presença na economia devido a uma necessidade histórica. Não havia capitais privados para o enfrentamento das tarefas indispensáveis ao desenvolvimento nacional. Sem isso, o Brasil continuaria um país de segunda classe.”

O primeiro ponto que chama a atenção neste trecho é a afirmação de que o Brasil, graças ao intervencionismo estatal forjado pela Revolução de 1930, teria deixado de ser um país de segunda classe.  Sinceramente, não sei como alguém que já teve a oportunidade de conhecer países considerados de primeira classe, pode afirmar tal coisa.  Enfim, como se trata de um juízo de valor, não cabe aqui discuti-lo.

Outro aspecto a questionar diz respeito à alegação de que a falta de capitais privados, indispensáveis ao desenvolvimento do país, tornou indispensável a presença do Estado na economia (uma necessidade histórica, segundo você). Ora, quando os EUA começaram a desenvolver o seu capitalismo (precoce, no caso), tampouco havia por lá capitais abundantes.  Talvez houvesse até menos do que aqui.  O que os impulsionou foi a conjugação de muito trabalho, empreendedorismo e uma enorme capacidade de poupança.  A principal diferença entre nós e eles, no entanto, é que lá havia um ambiente institucional – forjado pelos visionários “Founding Fathers” – propício ao desenvolvimento do capitalismo, algo que jamais aconteceu em Pindorama.

Por outro lado, se não havia capitais (poupança) privados por aqui, tampouco havia na esfera estatal.  Os investimentos feitos pelo Estado brasileiro foram sempre capitaneados por emissões monetárias, aumento da dívida pública e de impostos.  Além do “crowding out” causado por esses investimentos, somos todos testemunhas de como o endividamento público e a inflação decorrente das emissões monetárias acabaram prejudicando o país muito mais do que ajudando.  Estamos pagando a conta até hoje e os nossos descendentes também a pagarão ainda por muito tempo.

O melhor que o Estado poderia ter feito à época seria melhorar o ambiente institucional, incentivando os investimentos privados, principalmente estrangeiros.  Mas você sabe muito melhor do que eu que, graças ao nacionalismo atávico, que vigora por essas bandas desde priscas eras, os sucessivos governos tupiniquins sempre foram refratários à abertura do país aos investimentos estrangeiros, preferindo transformar o Estado em grande empresário e apegando-se ao falido modelo de substituição de importações.  Deu no que deu.  Um show de ineficiência, corrupção e privilégios.

Mais adiante, minha discordância em relação ao artigo se acentua, especialmente quando o assunto passa a ser Petrobras.  Diz você:

Em meio a este terreno coalhado de néscios, pensar o Brasil na complexa conjuntura que vivemos não é tarefa fácil. Um bom caminho é retomar a nossa história das ideias, ler nossos clássicos, aqueles que pensaram de forma original o Brasil. E desafios não faltam. O que fazer com a Petrobras? Novamente temos de romper o círculo de ferro das soluções primárias. A questão central é entender o que aconteceu com a ex-maior empresa brasileira. Não cabe dizer que tudo o que está ocorrendo não passa de uma conspiração externa e, portanto, deixar tudo como está. Ou afirmar como solução mágica a privatização da empresa fazendo coro com o marido traído que resolveu trocar o sofá da sala. São dois meios de pensar que reforçam a adoção de soluções simples e, geralmente, absolutamente equivocadas. Cabe entender histórica e politicamente como a Petrobras chegou a essa situação e quais os caminhos para retirá-la das mãos dos marginais do poder e seu projeto criminoso antirrepublicano e antinacional.”

Este escriba, como defensor de longa data da privatização da Petrobras, não poderia deixar de “vestir a carapuça” dos néscios (risos).  Ao contrário de você, não vejo a solução da privatização como análoga à troca do sofá da sala, mas como um verdadeiro divórcio entre a sociedade brasileira e a Petrobras, forçado pela comprovada traição.  Felizmente, pelo menos em relação à minha auto-estima, a “solução mágica” da privatização também foi defendida, no passado, por figuras nada “néscias”, como Roberto Campos e Paulo Francis.  Esses dois podem até ter tido alguns defeitos, mas certamente a burrice não foi um deles.

Se entendi bem, você considera que o problema da ineficiência e da corrupção naquela empresa poderia ser solucionado tirando-a das mãos dos marginais que lá estão e colocando-a nas mãos das pessoas certas, sem se dar conta de que, esta sim, seria a solução simples e equivocada.  Como não pretendo ocupar demais o seu tempo, sugiro que o amigo procure conhecer um pouco da “Teoria da Escolha Pública” para entender melhor o meu ponto de vista, bem como o de vários outros liberais.

Por fim, nós liberais sabemos que a privatização da Petrobras não é um objetivo simples de ser alcançado, assim como não era também a privatização da Vale do Rio Doce ou das telefônicas, no passado.  Quem viveu aqueles tempos, como eu e você, sabe o quanto foi duro enfrentar o nacionalismo estúpido entranhado nas vísceras dos brasileiros e defendido com máximo fervor pela esquerda jurássica.  Malgrado tudo isso, entretanto, o que tinha de ser feito foi feito, e os resultados estão aí para demonstrar que aquele era o caminho correto.  Tenho certeza que, em mãos privadas, a Petrobras tem potencial para tornar-se uma das maiores e mais respeitadas empresas do planeta.

Forte abraço

Mauad

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

4 comentários em “Carta aberta a Marco Antônio Villa

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    09/01/2015 em 1:38 pm
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    Sou favorável a privatização de todas as empresas que estão sob domínio do governo. BB, Caixa, Petrobras, etc. No entanto, seria bom os mais entendidos no enfoque liberal, mostrarem qual a melhor forma de fazer isso, se deveria ter alguma restrição para evitar um monopólio, como foi feito no caso das teles, se deveria ter alguma regra quanto a capitais estrangeiros, principalmente com relação a remessa de lucros, etc. Isso porque muitas pessoas defendem este tipo de nacionalismo com boa intenção, achando que se a Shell comprar a Petrobras, de alguma forma os brasileiros serão prejudicados. Como se fosse bom e necessário se nacionalizar outras indústrias, que são totalmente estrangeiras, como as de automóveis.

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    09/01/2015 em 12:53 pm
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    Sinto muito meu caro, mas o texto de Villa foi perfeito. Ele tem total razão em dizer que os liberais brasileiros não tem muito do que se orgulhar. Principalmente hoje, que metem os pés pelas mãos o tempo todo e não conseguem provar ao povo a sua relevância na sociedade.

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    08/01/2015 em 11:19 pm
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    Show de bola, Barão. Espero que o Villa tenha compreendido a aula. Abs, Rubem

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    08/01/2015 em 5:41 pm
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    Mil perdões, mas a midia já de muito faz o papel da Igreja na idade média. Ela “faz a cabeça” da população. Ela é a formadora de opinião por falar sem ser confrontada.
    Não por acaso os meios manipuladores de opinião gozam de fartos privilégios oficiais e oficiosos.
    Artistas e apresentadores milionários recebem como empresas de produções artisticas – com incentivos fiscais e tributação privilegiada -, lei Rouanet, verbas de estatais, verbas para ongs de caciques de redações amigos, produção teatral e cinematografica isentas até da contribuição patronal para o INSS, o ICMS que jornais não pagam e etc. etc. etc..

    Ou seja, todos na midia sabem intimamente que o Poder estatal lhes concede privilégios. Assim temos na midia os grandes milionários comunistas clamantes pela igualdade material.
    Temos apresentadores que emocionadamente clamam contra a ganância dos donos de padaria enquanto faturam 3 ou 4 milhões mensais em suas emissoras. Coisa que nem mesmo conseguem gastar.

    Não é por acaso que artistas, apresentadores e midiaticos influentes tornam-se nababos com sua atividade banal. São eles que pastoreiam e doutrinam o rebanho popular e o estado não os quer como inimigo.
    A Veja é militante do PSDB e nãio tem qq simpatia pela liberdade alheia. Mera disputa de partidos aparentados com o mesmo objetivo de explorar populações.

    Os professores foram seduzidos com candadas que dizem-lhes que são importantíssimos para a sociedade, os mais importantes e não reconhecidos pelo mercado capitalista. Com estes galanteios seduzem estes carentes, sobretudo dos exclusivos a aulas, e deles obtêem a fidelidade para que soltem suas falácias ideológicas e doutrinem alunos indefesos ante a “autoridade do mestre sabidão”. É facil seduzir crianças que precisam crer, dada a inexperiencia, bem como jovens inseguros, receosos do mundo adulto que lhes cobrará responsabilidade e até sucesso profissional.

    A politica se faz com ardis a fim de ludibriar o adversário e golpea-lo.
    Todos aqueles privilegiados para formarem opiniões e doutrinar massas que não se dão à reflexão por incapacidade, preguiça mental ou falta de tempo têem privilégios estatais. Aliás, agencias de propaganda também são privilegiadas tributáriamente e empresas incentivadas a gastar em propaganda.

    …ISSO NÃO É POR ACASO, caro Mauad!

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