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Carta aberta a Leonardo Picciani: sua escola de democracia é uma fraude

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piccianiO líder do PMDB na Câmara dos Deputados e aliado da Presidente Dilma na luta contra o impeachment, Leonardo Picciani, escreveu hoje um artigo na Folha de São Paulo, defendendo a sua posição com uma série de falácias e jogos argumentativos, além da engraçada afirmação de que o PMDB exerce o poder moderador do Brasil, que eu mesmo já havia denunciado anteriormente.

Isto posto, escrevo agora uma carta aberta dirigida a ele contestando seu artigo ponto a ponto.

Os trechos do artigo de Picciani estarão em destaque e os meus comentários a eles abaixo.

“Lealdade à democracia
Sou formado por uma escola política que ensina que não se briga com o resultado das urnas. Depois que as eleições terminam, os derrotados devem recolher suas armas. Os vencedores, governar.”

Bem se vê, pelas suas afirmações iniciais, Leonardo Picciani, que a escola política onde você foi formado não ensina absolutamente nada sobre o que é Estado Democrático de Direito.

Estado Democrático de Direito é um conceito amplo, que depreende dois sub-conceitos básicos: democracia e Estado de Direito.

Democracia é o regime político onde a opinião da maioria deve prevalecer, respeitados os direitos das minorias. Se a opinião da maioria muda, respeitados os parâmetros legais, o Governo deve mudar também. Não é à toa que democracias modernas utilizam meios mais fluidos de rediscutir o papel de um Governo impopular, como nas moções de desconfiança no parlamentarismo ou no recall presidencialista. Infelizmente, na nossa jovem democracia, nenhum dos dois institutos se encontra presente.

Independentemente disso, “governo da maioria” não significa “governo do eleito”. O sistema de freios e contrapesos entre os distintos poderes democráticos (executivo, legislativo e judiciário) existem justamente para restringir a ação abusiva de um desses poderes, o que tem acontecido paulatinamente no caso do poder executivo brasileiro.

Quanto ao Estado de Direito, é um modelo de organização governamental baseado no império da lei, assim entendido como a obrigatoriedade que os cidadãos têm de cumprir mandamentos isonômicos e aplicáveis para todos, sem distinção de cor, credo, classe sócio-econômica ou qualquer outra característica pessoal, expedidos por uma autoridade competente, respeitando-se direitos fundamentais básicos.

Se um Presidente ou um magnata descumprem as leis, devem ser punidos nos termos das próprias leis, não importando seu status social. A sua inferência, Picciani, de que Dilma estaria acima da lei, sem fiscalização da oposição e dos órgãos de investigação desse Estado Democrático de Direito é vergonhosa e indigna de um alto representante do partido que foi o baluarte da redemocratização do Brasil.

“Infelizmente, não é o que vimos acontecer desta vez. Sinto-me muito livre para tratar disso porque é público que não apoiei a presidente Dilma Rousseff na eleição presidencial de 2014.

Pela razão de o PT ter lançado candidato próprio a governador no Rio, rompendo aliança de sete anos com PMDB local, e por acreditar que era hora da alternância do poder, na esfera federal, defendi, na convenção do meu partido, em junho do ano passado, o rompimento com o projeto petista.

O PMDB tinha ali a chance de traçar um caminho próprio, mas optou, por diferença apertada, por manter a aliança. O PMDB saiu dividido, mas não poderia permitir que, passada a eleição, a disputa eleitoral permanecesse dividindo o país. Foi justamente o que aconteceu.”

Nesses parágrafos você, Picciani, parece destilar fisiologismo. A família Picciani não apoiou Dilma porque viu a oportunidade de ascender ao poder federal sendo a liderança de Aécio Neves no Rio de Janeiro. Até aquele momento a família Picciani era uma liderança regional fluminense. Uma liderança fortíssima aqui no nosso Estado, mas sem força nacional.

Com a perda da eleição e a ascensão de Eduardo Cunha, você assumiu um papel protagonista no partido com a benção do próprio Cunha, e graças a intervenção do Presidente da Câmara, você venceu a eleição de líder do PMDB por apenas um voto. O mesmo Eduardo Cunha que, dizem, foi quem te fez Presidente da CCJ na Câmara, a mais importante comissão da casa parlamentar.

Vendo a queda de braço entre Cunha e Dilma, vislumbrou aí uma oportunidade de ocupar imediatamente o protagonismo federal que sua família sonha há anos. Em reunião com Dilma no Planalto, dizem os reportes que Dilma te prometeu que o PT apoiaria uma candidatura sua, Leonardo, a Presidente da Câmara, em sucessão a Cunha, se a família traísse o controverso Presidente atual e agisse fielmente contra o impeachment.

Então eu te deixo a pergunta: a sua posição contra o impeachment de Dilma tem a ver com essa versão surreal de democracia e respeito às urnas que você apresenta, ou tem a ver com ocupação de espaços de poder?

Se for a segunda resposta, Picciani, não tem problema. Ocupar espaços de poder é muito legítimo em uma democracia, diga-se de passagem. Você só não precisa mentir, porque ninguém é bobo.

“A oposição nunca reconheceu sua derrota. Passou a trabalhar na tese do “quanto pior, melhor”, a ponto de renegar suas próprias bandeiras históricas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao mesmo tempo em que defendia a necessidade dos ajustes, votava medidas de aumento de gastos.”

Esse é o único momento do texto em que não há uma mentira completa, mas apenas uma meia-verdade no seu texto, Deputado. Evidentemente que a oposição reconheceu a derrota. Os números não mentem. Mas a oposição, legitimamente, contesta o abuso de poder econômico claramente exercido durante a campanha e agora comprovada com farta documentação e testemunhos na Operação Lava-Jato. Como escrevi anteriormente, Estado Democrático de Direito pressupõe respeito às leis, e se uma eleição é ganha burlando as leis, ela é ILEGAL e ANTIDEMOCRÁTICA.

Agora, de fato, o PSDB, vergonhosamente, votou contra ajustes fiscais enquanto mantem uma aura de preocupado com as contas públicas. E isso precisa ser propriamente denunciado, como já fizemos aqui repetidamente.

“Na ausência de elementos que demonstrassem, até então, o envolvimento pessoal da presidente Dilma com escândalos de corrupção desvendados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, foi gestada a tese de que “pedaladas fiscais” seriam motivo de impedimento.

A tese, fraca e de difícil compreensão popular, inicialmente não uniu nem a oposição. Aos poucos, contudo, ajudada pela condução errática do governo com sua base e por um clima político cada vez mais conflagrado na Câmara, a tentativa de golpe chegou ao Planalto.”

Os elementos que demonstram o envolvimento pessoal da Presidente estão em todo o lugar, principalmente no caso das operações de compra de refinarias superfaturadas da Petrobras quando a Presidente Dilma era a Presidente do Conselho de Administração da empresa, Deputado Picciani. Você não lê jornais?

E a tese das pedaladas fiscais não é fraca. Fraca é a defesa da Dilma ao indefensável. Este IL já inclusive dissecou o tema em artigo específico. Eu trago aqui, em resumo, os quatro argumentos de defesa da Dilma, e as quatro respostas a esses fracos argumentos:

“Argumento 1 – que o atraso nos repasses dos recursos do Tesouro Nacional para os bancos públicos que promovem o pagamento de determinadas despesas públicas (as conhecidas pedaladas fiscais) não pode ser considerado operação de crédito de bancos públicos ao Tesouro

Resposta 1 – o próprio Governo admite, no site do Tesouro Nacional, que esse é um caso de operação de crédito.

Argumento 2 – que mesmo que fosse operação de crédito, estaria desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal, e não a LOA, portanto não é desrespeito ao orçamento que leve a crime de responsabilidade

Resposta 2 – é um desrespeito tanto à LRF quanto à LOA, nos termos do art. 10 da Lei 1.079/1950

Argumento 3 – que interpretar que qualquer violação à lei orçamentária enseja crime de responsabilidade desrespeita o princípio da supremacia da democracia na destinação de recursos públicos

Resposta 3 – a quebra das leis orçamentárias gera déficits públicos gigantescos. Estamos falando, para o ano de 2015, em um déficit primário de 119 bilhões de reais para um déficit nominal final de quase meio trilhão de reais. Sucessivos déficits levam à quebra da confiança dos investidores em comprar títulos do Governo, que passam a ter juros mais altos para fins de captação, iniciando um círculo destrutivo das contas públicas. Portanto, a violação da lei orçamentária não é irrelevante, é um direito fundamental. Por fim, a Presidente, como mandatária da nação, deve ser a primeira a dar o exemplo e seguir as leis. Se nem a Presidente segue as leis, por que o povo seguiria?

Argumento 4 – a legalidade das pedaladas garante a realização da meta fiscal e, por conseguinte, a legalidade das aberturas de crédito.

Resposta 4 – sendo a pedalada ilegal, como visto, também são ilegais as aberturas de crédito.”

“Era hora de o PMDB assumir seu papel moderador.”

Eu denunciei essa estranha visão que o PMDB tem de si próprio em 2014, ao afirmar que o PMDB, de fato, exerce poder moderador na Nova República. Relembrando:

O poder moderador, idealizado por Benjamin Constant, seria um poder acima dos poderes executivo, legislativo e judiciário, e teria como objetivo, como o próprio nome diz, moderar a atuação de ambos para conter eventuais arroubos radicais e de ruptura. Era exercido pelo Imperador no período pré-republicano, juntamente com o poder executivo. Com a revolução republicana de 1889, esse poder moderador deixou de ser exercido pela Casa Imperial, mas nunca deixou de existir, se não de direito, como fato na política nacional.

Na Primeira República (1889-1930), essa fiscalização e moderação ficou a cargo dos militares, que voltariam a exercê-lo na República Nova (1946-1964) e no Regime Militar (1964-1985), sendo que, neste último, também exerceu o poder executivo. A própria passagem da República Nova para o Regime Militar foi um exercício de força extrema do poder moderador (…)

A redemocratização trouxe à baila o período conhecido como Nova República ou República Cidadã, regida pela Constituição de 1988 e com forte apelo ao princípio da dignidade da pessoa humana e da criação e aplicação de direitos sociais e coletivos. No entanto, nunca houve uma real discussão política de combate ao poder moderador como fato social, e na falta da discussão e extinção desse poder, ele acabou sendo ocupado e exercido não mais por uma Casa Imperial ou pelos militares, mas sim por um grupo civil politicamente organizado com base no centralismo pragmático e na ocupação de cargos públicos. Esse grupo civil é o PMDB (…)

Ele dá a pauta, a medida e o limite para todos os governos, desde a Constituinte. É o partido que, preocupado em manter seus interesses e seus benefícios, impede que governos mais liberais destravem a economia e reduzam os privilégios, mas também é aquele que impede governos socialistas de transformarem o Brasil em Cuba, relegando ao Brasil o eterno papel de país patrimonialista de capitalismo de estado.”

Mas uma pergunta não pode restar silente: Deputado Picciani, quem deu ao PMDB o papel de poder moderador na Nova República?

De onde vem essa arrogante visão de legitimidade que o PMDB tem de ver a si próprio como o dono do poder moderador na nossa democracia?

Poder moderador esse que não existe em nenhuma outra tradição republicana além da nossa. Na verdade, a ideia de poder moderador é altamente interventora, sendo discutível a sua existência até mesmo em monarquias modernas. Há décadas que os Reis ingleses não exercem tal função.

Acredite em mim, Deputado, quando eu digo que ninguém te elegeu para ser Imperador do Brasil, e dada a sua disforme “escola política”, você nem está preparado para tal função.

“Fui eleito, em fevereiro de 2015, líder do PMDB na Câmara (…) blábláblá sou líder legítimo do PMDB bláblá (grifo meu) (…) Quanto a mim, independentemente de ser ou estar líder, ficarei onde minha consciência manda.”

Ok, você é líder legítimo do PMDB, mas apenas por enquanto, se Deus quiser.

“Enquanto a planície assiste estarrecida ao teatro de horrores que se desenrola em Brasília, a crise econômica se aprofunda, a inflação e o desemprego disparam.

É hora de permitir que o governo democraticamente eleito tenha condições de governar, enquanto é tempo, pelo bem do país.”

Governo só é democraticamente eleito se respeita as leis e vence sem abuso de poder econômico. Frase mais realista seria “governo eleito com muito combustível financeiro” (com duplo sentido, já que esse dinheiro veio da Petrobras).

Governo esse que foi o protagonista e responsável direto pela crise econômica aprofundada que vivemos.

Os governos do PT, este e o outro, destruíram a poupança nacional com programas populistas e transferência de renda para parceiros empresários (bolsa-banqueiro do BACEN e bolsa-empresário do BNDES); criou um embargo econômico contra o povo brasileiro através de altas taxas alfandegárias protecionistas; elevou a dívida pública a níveis históricos; aumentou a carga tributária asfixiando a produção econômica; trouxe uma onda de corrupção em empresas e órgãos públicos sem paralelo na nossa história; impediu o desenvolvimento da infraestrutura nacional com concessões, privatizações e licitações fraudulentos e dirigidos a grande empreiteiras que abasteciam o propinoduto petista; e destruiu a reputação do Brasil em nível internacional.

Para toda essa bagunça, traz como solução o aumento de impostos e a criação de novos, sem nenhum esforço fiscal real, mas sim com o aumento da máquina pública e a falta de reformas administrativas e previdenciárias reais.

Deputado Leonardo Picciani, é para esse Governo que você quer dar condições de governar?

Pelo bem do país, me parece que é hora do PT e de todos os seus aliados saírem da vida pública nacional para nunca mais voltarem, de preferência passando um bom tempo na Papuda.

E se você quiser ter aulas em uma verdadeira escola de democracia, o Instituto Liberal está a seu dispor.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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