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Carlos Lacerda: pensador do jornalismo em “A Missão da Imprensa” (III)

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Quinta parte da série sobre o jornalista e político brasileiro Carlos Lacerda

O discurso de Lacerda contra a maneira como seus colegas conduzem a prática jornalística apenas se intensifica, em virtude de sua constante preocupação com a valorização da ética e da qualificação profissional. Ele recorda que um jornalista deve ser reconhecido pela sua entrega à função, e não por títulos ou associações a órgãos como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Para Lacerda, o jornalista deve demonstrar equilíbrio entre a tolerância e a intransigência, sempre levando em consideração o viés messiânico de seu trabalho.

Lacerda não foge a discutir a simplificação inerente à prática jornalística, mas acrescenta que o jornal é a “escola da opinião, a universidade portátil”. Ao explicar o que quer dizer com isso, Lacerda pontua uma das passagens mais interessantes do livro: sua visão acerca da neutralidade e da liberdade de imprensa. Para ele, é inevitável que haja uma pessoa produzindo o “recorte”, a linha editorial de um veículo; já reconhecia que é tolice esperar que o jornal seja uma tribuna inteiramente livre à manifestação anárquica e indiscriminada de todas as opiniões. Consciente disso, Lacerda agiu como precursor de técnicas jornalísticas que perseguem a objetividade jornalística como um ideal, ainda que se tenha notabilizado por ser um articulista com a força da opinião. Isso não é contraditório, e ele mesmo justifica essa posição ao final do livro:

“O ideal de separar informação de opinião é um ideal, quer dizer, existe com a condição de nunca ser completamente atingido. Mas, ainda quando seja impossível atingí-lo por completo, o importante é não deixar de se esforçar por atingí-lo”. (LACERDA, 1950, p. 75)

Apresentando sua própria versão da célebre máxima do filósofo iluminista francês Voltaire, Lacerda prefere dizer: “não creio numa palavra do que dizes e, portanto, tudo farei para convencer-te de que estás errado; defenderei, sim, o teu direito de verificar livremente o quanto está errado aquilo que tens dito.” Para se justificar da declaração sujeita a interpretações menos felizes, Lacerda introduz a orientação eminentemente política de seu discurso, atacando os comunistas:

“Não matar o adversário não é a mesma coisa que deixar o adversário vencer. Por exemplo: não queremos que os comunistas, apenas por serem comunistas, sejam mortos pela polícia; mas por isso não devemos combater apenas a polícia e deixar os comunistas se substituírem a ela até o dia em que começarão a matar, em nós, aqueles princípios pelos quais eles próprios subsistiram. Essa é uma regra que frequentemente esquecem os que arvoram em ideal da tolerância na imprensa uma espécie de jogo de azar”. (LACERDA, 1950, p. 22)

Diante de toda essa convicção, naturalmente Lacerda se dedica a criticar a imprensa durante o Estado Novo e as alegadas vinculações de subserviência ao governo, por meio da DIP. Todo esse discurso se reflete nos ataques que fez ao Última Hora de Samuel Wainer, quando promoveu a derradeira campanha contra Getúlio Vargas.

O texto de Lacerda age sempre como uma metralhadora, mesmo quando está falando do jornalismo. Uma crítica estrutural de que se utiliza é ao abuso das manchetes, sob pretexto de atrair um público visto como menos letrado – debate que foi levantado também nos Estados Unidos. Outra, de caráter ideológico, é a ideia de que a imprensa dita “burguesa” por diversas vezes acaba servindo aos interesses comunistas, em razão da presença deles em diversas redações.

Uma passagem muito emblemática é aquela em que ele apresenta as condições para saber se o jornalista agiu, em determinada situação, como intérprete ou deformador da opinião pública. Segundo Lacerda, “se ele agiu tendo em vista o bem público e não uma conveniência ou um preconceito, de ordem pessoal ou partidária ou ideológica em geral”, e “se as suas provas são válidas, ou se ao menos as presunções eram de molde não só a convencê-lo como à opinião pública cujo estado de espírito levou-o a adotá-las”, então podemos dizer dele que bem representou essa mesma opinião.

Assim, percebemos que, em que pese reconhecer a impossibilidade real de uma total neutralidade na imprensa, o autor não deixa de desfraldar a bandeira da solidez sincera da prática jornalística. Tão importante é se portar de forma correta no exercício de função na imprensa, tendo em vista que ela é “o quarto poder” – e, fazendo menção a isso, Lacerda referencia Thomas Carlyle que, em realidade, estava citando Burke:

“Burke disse que havia três Estados no Parlamento; mas, na distante Galeria dos Repórteres, sentava um Quarto Poder mais importante do que todos. Não é modo de dizer ou um comentário espirituoso, é um fato literal – muito significativo para nós atualmente.  Literatura é nosso Parlamento também. Imprensa, que vem necessariamente da escrita como digo normalmente, é equivalente à Democracia: inventada a escrita, Democracia é inevitável. Escrita traz imprensa; traz imprensa universal, cotidiana e espontânea, como vemos no presente. Qualquer um pode falar. Falar agora para toda a nação vira um poder, um braço do governo, como peso inalienável na feitura de leis e em todos os atos de autoridade”. (CARLYLE apud VENÂNCIO, 2013)

Discorrendo sobre observações de caráter exemplificativo e histórico, Lacerda destina a parte final de seu opúsculo a tratar mais amplamente da liberdade na imprensa, e, sempre frisando a responsabilidade e a necessidade de zelar pelo bem comum no jornal, expressa também sua filiação ao conceito de propriedade:

“O conceito cristão da propriedade como uma obrigação social, como algo que importa em deveres e que abrange direitos somente na medida em que tais deveres são cumpridos, em nenhum outro campo é tão poderoso quanto no da imprensa. O jornal não é apenas um meio de informação que se faz para ter lucro. O direito de possuí-lo importa nas mais sérias obrigações que um homem ou um grupo pode assumir perante a coletividade”. (LACERDA, 1950, p. 46)

Carlos Lacerda não hesita em apontar tudo aquilo que entende como imoral e que afasta a imprensa de sua missão. No cenário brasileiro, assim como na política – entregue ao clientelismo e ao populismo, e distanciada da moralidade administrativa que era bandeira tanto do político Carlos Lacerda quanto do partido UDN -, ele via na imprensa os mesmos vícios persistentes. Acredita que a imprensa brasileira “ainda não se redimiu de seus erros, contra si própria e contra a nação cometidos, e já, talvez por isso mesmo, volta a cometê-los”.

Apesar disso, Lacerda pontua que o jornalista brasileiro era superior até ao americano em “conhecimentos gerais e em agudeza de espírito”. Entretanto, sofria com a falta de profissionalismo e com os seguintes problemas, elencados por ele como as características frequentes de nossas incursões no ramo:

– Exagero e facilidade no ataque e no elogio.

– Pouca referência às fontes de informação e verificação da notícia, por dificuldade de acesso. Basta dizer que apenas três ou quatro jornais, no Brasil, têm arquivo digno desse nome.

– Preferência pelos aspectos superficiais do problema.

– Nacionalismo extremado como regra, subserviência ao interesse estrangeiro como exagero contrário.

E assim por diante. Numa palavra, falta de equilíbrio, instabilidade de julgamento, não somente uma característica do jornalismo como de todo o país. (LACERDA, 1950, p. 65)

Ele consideraque esta imoralidade se reflete na falta de respeitabilidade com que a imprensa se apresenta ao público, subserviente que esteve sempre aos interesses da política controlada pelas oligarquias do atraso que sua faceta de político udenista tanto condenava.  Curiosamente, ao menos a acusação de “exagero e facilidade no ataque e no elogio” foi e ainda é muitas vezes feita ao próprio Lacerda.

Lacerda também discute a relação entre a imprensa e a publicidade, tema de importante debate nos estudos acerca dessas áreas. Não obstante considere que a publicidade mereceria exame próprio, ele pensa que os anúncios estão entre os conteúdos mais lidos de um jornal, já lhes conferindo vultosa importância. Mostra-se também moderno, ao criticar a prolixidade de jornais que preenchiam suas páginas com despachos de diretores de repartição, como que a concorrer com o Diário Oficial. Em resumo, para Lacerda, o grande cerne da questão está em que “o jornal, como indústria, não perca, antes aperfeiçoe, aquela característica de paixão pelo Bem Público, que lhe deu alento nas suas bravas e humildes origens” (1950, p. 64).

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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