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Caos na FUNAI: indígena cotada para a presidência sofre perseguição

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Bolsonaro foi eleito com amplo apoio do setor agropecuário. A dura luta contra invasões de terra foi um dos grandes temas da campanha presidencial de Bolsonaro. Ao longo da era PT houve um crescente descaso com as invasões de terra, não só no caso das invasões do MST, mas também por invasões indígenas e de supostos quilombolas.

Bolsonaro prometeu acabar com todas essas violações ao direito de propriedade. De fato, os primeiros meses do governo foram marcados por uma drástica queda no número de invasões do MST. Contudo, ao menos na condução da Funai, a ordem das coisas ainda não mudou, persistindo o antigo modo petista no trato da questão indígena.

Os fatos ocorridos com Azelene Inácio exemplificam que a “nova era” ainda não chegou à Funai. Azelene é funcionária de carreira da Funai, onde trabalha há 32 anos, e em Brasília ocupava o cargo de Diretora de Proteção Territorial (DPT) até janeiro deste ano, quando foi exonerada, retornando às suas funções na Funai de Chapecó, Santa Catarina.

O estopim para a exoneração de Azelene foi o caso do suspeito contrato das “criptomoedas indígenas”. Ao final de sua primeira semana de governo, Bolsonaro anunciou o cancelamento de um curioso contrato firmado entre a Funai e a Universidade Federal Fluminense (UFF). De acordo com esse contrato, a UFF ficaria encarregada de prestar uma série de serviços à Funai, entre os quais o inusitado desenvolvimento de uma criptomoeda para uso exclusivo de indígenas. Para isso seria empregada uma significativa parcela do orçamento da Funai: R$ 45 milhões, para ser mais preciso.

O escândalo veio à tona no dia 7 de janeiro desde ano, quando Bolsonaro anunciou em suas redes sociais o cancelamento desse contrato multimilionário. O contrato foi cancelado pelo presidente a pedido da ministra Damares, dos Direito Humanos, pasta à qual a Funai estava subordinada.

Quem denunciou para Damares esse possível esquema de corrupção em andamento na Funai foi Azelene Inácio, para quem não há duvidas: ela crê que sua exoneração foi uma retaliação por sua denúncia deste contrato suspeito, que foi assinado entre a Funai e a UFF no apagar das luzes do governo Temer, em 28 de dezembro de 2018. A ordem cronológica dos fatos ajuda a confirmar as suspeitas de Azelene, porque sua exoneração ocorreu logo no início da semana seguinte ao cancelamento do contrato que denunciou.

No mesmo dia em que este acordo multimilionário foi fechado, Azelene conversou com autoridades envolvidas na transição do governo Jair Bolsonaro, manifestando grande preocupação com a operação suspeita. Uma dessas autoridades foi Rodinei Candeia, que é Procurador no Rio Grande do Sul e integrou a equipe de transição de Bolsonaro. Rodinei ajudou a alertar a ministra Damares Alves do Ministério dos Direitos Humanos sobre o que estava ocorrendo na Funai. Dois dias após isso, Azelene denunciou o fato pessoalmente para Damares. O contrato suspeito só foi cancelado após vir a público pela imprensa.

Para continuar sobrevivendo, o “mecanismo” montado na Funai resolveu punir quem fez a denúncia de uma possível corrupção. Segundo Azelene Inácio, com a denúncia que fez, passou a ser alvo de perseguições “da esquerda que está na Funai”, que ressuscitou uma recomendação do MPF de 2017 para que fosse exonerada do cargo de Diretora, usando como justificativa um processo administrativo forjado que ela sofreu em 2008 e que já está prescrito há pelo menos 10 anos. Na época, o MPF também alegou que havia conflito de interesses, o que não foi comprovado.

Na semana passada, o general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, indicado pela Ministra Damares Alves para presidente da Funai, foi exonerado justamente por estar desagradando a base parlamentar ruralista do governo Bolsonaro. Franklimberg é chamado de general “ongueiro” por seus críticos em virtude de sua ligação a ONGs de atuação progressista, o que contraria a linha adotada pelo governo Bolsonaro. “Uma incoerência colocar [na Funai] um ‘ongueiro’ indicado por petistas, demitido por proteger falcatruas”, afirmou o deputado federal Alceu Moreira em sua rede social por ocasião da indicação de Franklimberg em janeiro.

A pasta que era do Ministério de Direitos Humanos tem sido um feudo do PSC e de evangélicos que têm uma visão mais à esquerda, estatizante. Damares Alves assumiu seu ministério por indicação de Magno Malta, que não conseguiu ser Ministro.

O ex-presidente da FUNAI, Wallace Moreira Bastos, também indicado pelo PSC e presidente do órgão indigenista no governo Temer, supostamente foi um dos articuladores do fechamento dessa parceria suspeita entre a Funai e a Universidade Federal Fluminense (UFF).

A denúncia de Azelene quebrou todo um esquema muito suspeito nas entranhas da Funai, e como resultado ela foi exonerada. Qual o interesse em exonerar justamente uma servidora de carreira, indígena, com longa experiência na Funai e que pode ter evitado o desvio de muitos milhões? Manter o “mecanismo”?

A própria ministra Damares, que indicou Franklimberg para a Funai em janeiro de 2019, tem um passado ligado a figuras da esquerda. Nos anos 2000, Damares foi assessora parlamentar de Henrique Afonso, então deputado federal pelo Acre, que passou por partidos como PCdoB, PT e PV.

Azelene crê que sofreu um assassinato de reputação quando o MPF evocou um processo prescrito que ela sofreu há mais de uma década. Conforme palavras de Azelene: “É o aparelhamento da FUNAI me punindo pela segunda vez num único processo. Em relação ao MPF, o órgão ministerial deixou de ser o fiscal da lei para se imiscuir em picuinhas políticas, é de causar perplexidade! Não suportam a ideia de uma indígena pensar de forma diferente”.

Ela defende uma maior integração das comunidades indígenas na economia de mercado, com o estabelecimento de parcerias agropecuárias entre indígenas e produtores rurais para o plantio e a criação de gado em terras demarcadas, assim como outras ações que poderiam ser implantadas pela Funai, facilitando o desenvolvimento econômico e social das comunidades indígenas que queiram efetivamente melhorar as condições de vida. Essa visão mais pró-mercado desagrada a muitos na Funai e no MPF, órgãos que infelizmente tendem muitas vezes a ter uma visão antimercado. Para Azelene, a esquerda tenta “impor uma visão de mundo onde índio bom é índio pobre”, que fica isolado em aldeias.

Neste mês, quando Franklimberg Ribeiro de Freitas foi exonerado, o nome de Azelene voltou a ser cotado para assumir a Funai; voltaram também os ataques a ela. Há uma estratégia de assassinato de reputação contra Azelene, com a atuação de figuras do MPF e da própria Funai. No final de 2018 ,ela sofreu um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) forjado e um processo na justiça comum de Santa Catarina por suposto exercício irregular da profissão de assistente social. A denúncia foi movida pelo Conselho Regional de Assistência Social (SC). Contudo, em 29 de abril, o Ministério Público e a Justiça Comum daquele Estado mandaram arquivar o processo por falta de provas e a inocentaram. Tal decisão também a absolve do PAD, conforme atual entendimento do Supremo Tribunal Federal.

A existência de um PAD contra Azelene foi vazada à imprensa pela Corregedoria da Fundação Nacional do Índio (https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cotada-para-presidir-funai-ex-diretora-e-alvo-processo-por-corregedoria-da-fundacao,70002868647). Para Azelene, tal vazamento foi proposital e feito com o intuito de denegrir sua imagem justamente num momento em que seu nome volta a ser cotado para presidir a Funai. Segundo ela, divulgar a existência de um PAD, que por lei é sigiloso, fere a dignidade da pessoa do servidor público.

Mais uma vez, a cronologia dos fatos corrobora a hipótese de perseguição, pois a abertura do primeiro PAD contra Azelene foi feita em dezembro de 2018, logo, após seu primeiro despacho contra o TED de 45 milhões. Este PAD, uma vez prescrito sem qualquer resultado, foi reaberto em 28 de janeiro de 2019, também não tendo nenhum resultado. E agora novamente, em 06 de junho, houve mais uma reabertura do PAD, justamente no momento em que Franklimberg Ribeiro de Freitas estava sendo exonerado. Mais uma vez a reabertura deste processo administrativo ignorou o fato de que há a decisão da Justiça que a inocentou da acusação. Ou seja, toda vez que a Azelene é cotada para a presidência da Funai, vazam à imprensa acusações infundadas contra sua atuação na instituição. Contudo, não consta no sistema da Justiça Federal nenhum processo contra Azelene Inácio e, no caso da Justiça Comum, sua inocência foi confirmada pela Justiça Catarinense.

As grandes perguntas são: a quem interessa afastar Azelene do centro das decisões de maior envergadura da Funai e com que objetivos?

Azelene afirma que conhece por dentro toda a estrutura da Funai, desde onde são gestados processos suspeitos de demarcações eivadas de argumentos ideológicos até processos deficientes do chamado Estudo do Componente Indígena(ECI), nos quais vários milhões podem ainda ser mal geridos. Se assumisse a Funai, a figura de Azelene poderia acabar com a festa de muitos e colocar a Funai alinhada às propostas de Jair Messias Bolsonaro.

Mesmo com a exoneração do general progressista Franklinberg, os principais cargos da Funai continuam sendo ocupados por pessoas com a mesma postura desse general. Em plena “nova era” bolsonarista, enquanto Azelene amarga, no interior de Santa Catarina, a punição por ter evitado um potencial desvio de milhões, em Brasília, a Funai de sempre continua funcionando dentro do velho “mecanismo”.

Certamente Azelene Inácio pode contribuir muito mais com o governo Bolsonaro em Brasília do que esquecida em Chapecó. Sua coragem em denunciar e ajudar a cancelar um contrato suspeito de 45 milhões mostra que ela está disposta a enfrentar o “mecanismo” da velha política.

Um projeto muito suspeito

O contrato entre a Funai e a UFF foi feito sem licitação. À falta de licitação acrescentam-se outros fatores que acenderam o sinal vermelho, como o enorme volume da transação e a data em que o contrato foi firmado. Chamou a atenção de Azelene o fato de o contrato multimilionário ter sido assinado no dia 28 de dezembro, ao apagar das luzes do governo Temer. Azelene não tem dúvida: a data ajuda a encobrir os fatos suspeitos. Quando todos estão preocupados com os eventos da posse do novo governo, dificilmente alguém prestaria atenção a um contrato da Funai. Os envolvidos, contudo, não esperavam que uma diretora da própria instituição se posicionasse contrária e denunciasse os acontecimentos suspeitos.

No dia 18 de dezembro de 2018, o governo fez um repasse de R$ 63 milhões de reais à Funai. No dia 26, Ricardo Cardoso dos Santos, responsável pelo orçamento da instituição, encaminhou a verba recebida para dois destinos. R$ 35 milhões para o custeio das despesas da Funai e R$ 28 milhões seriam encaminhados ao pagamento de indenizações a proprietários que tiveram suas terras demarcadas e esperam, alguns há décadas, pelas indenizações. No próprio Diário Oficial da União, de 18 de dezembro, encontra-se especificado que estes seriam os destinos dos recursos recebidos pela Funai.

Contudo, logo após o recebimento dessa verba, o presidente da Funai concretiza, sem licitação, a parceria com a UFF e a maior parte dos recursos direcionou-se para o projeto das criptomoedas, o que contrariou as orientações técnicas internas do órgão para que os recursos recebidos da União fossem aplicados nas indenizações de terras demarcadas. Assim, a Funai ficou sem recursos para este fim, o que motivou a denúncia de Azelene.

Os 45 milhões encaminhados à UFF seriam empregados num “Projeto de Fortalecimento Institucional da Funai”. Esse projeto, ao qual tivemos acesso, tem apenas 22 páginas e prevê a prestação de uma série de serviços muito nebulosos e inusitados, como a criação da criptomoeda. “A proposta do projeto piloto ora apresentado é ‘recriar’ as já tradicionais moedas sociais por meio da tecnologia Blockchain”, diz a descrição dos serviços que seriam prestados. Azelene diz que os produtos oferecidos pela UFF não são prioridade, ou mesmo seriam desnecessários. “95% dos produtos [especificados no projeto] a Funai já tem de alguma forma. Não justifica pagar R$ 45 milhões por um produto que você já tem e falta apenas organizar”.

Analisando a tabela de gastos apresentada pela UFF, algumas megalomanias tecnológicas saltam aos olhos. São R$ 400 mil em tablets, R$ 345 mil em software de processamento de imagem, RS 600 mil em serviços de drone e incríveis R$ 5 milhões em imagens de satélite. Tanto aparato tecnológico seria empregado para monitoramento ambiental via satélite das áreas indígenas. Contudo, como salienta Azelene, o governo já conta com esses serviços e tecnologias.

*Sobre o autor: Antonio Pinho é professor, jornalista e Doutorando em Letras.

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