Beijinho no ombro e implosão no cérebro
Um dos grandes hits musicais do momento é “Beijinho no Ombro”, da cantora de funk Valesca Popozuda. Ela foi envolvida, sem querer, em uma grande discussão nacional sobre o atual estágio cultural brasileiro, ao se ver retratada em uma prova de filosofia de uma escola pública do DF como “grande pensadora contemporânea”. A pergunta exigia apenas que o aluno soubesse a letra da música da cantora.
Em um texto passado, um amigo defendeu o funk como manifestação cultural, sob o argumento de que cultura “engloba toda uma gama de experiências sociais – algumas delas nós não estamos preparados para aceitar“. Eu tendo a concordar com essa visão. Funk é cultura, seja bom ou ruim de acordo com a visão e o gosto de cada um. Eu, particularmente, acho bem ruim a maioria dos funks atuais, cujas letras normalmente expressam uma visão machista, misógina ou com clara disfuncionalidade sexual. Por outro lado, sempre gostei do funk clássico dos anos 60/70 de James Brown e George Clinton (dentre outros) e até mesmo da variante melody e freestyle dos anos 80/90.
Sendo uma legítima manifestação cultural, o funk poderia sim ser debatido à luz da filosofia ou da sociologia, a partir de uma visão crítica, para bem ou para mal. De fato, é o debate que eleva o raciocínio crítico da população. O problema da questão em si não foi a aparição do funk como tema de prova, mas sim do fato de não ter havido nenhum debate crítico sobre a questão, e isso deve ser destacado com ênfase. Para que um aluno ganhasse a pontuação completa da questão, bastava saber a letra da música. Portanto, a questão não versou sobre filosofia e crítica social, mas sobre conhecimento de música popular brasileira (da pior qualidade).
Outro destaque negativo é a adjetivação da cantora como grande pensadora contemporânea. Ter sucesso, por si só, não é sinônimo de legitimidade acerca do que um autor pensa ou faz, e tal adjetivo não deveria constar em uma prova escolar. Valesca Popozuda, com todos os méritos e deméritos, não é uma grande pensadora, é uma cantora, e sua qualificação na prova reflete um gosto pessoal do professor que não coaduna com o que se espera do ensino público nacional. Na década de 80, o Macaco Tião era conhecido em todo o Brasil por conta de um péssimo hábito praticado contra quem o visitava no Zoológico do Rio. Isso certamente não fez dele um grande pensador, embora todos adorassem quando políticos eram alvo de sua fúria.
Quando pensamos que é essa estrutura de escola pública que passará a receber mais recursos a partir do pré-sal, não podemos deixar de observar que o problema da qualidade do ensino tem pouco a ver com o dinheiro nele investido e mais a ver com treinamento e gestão. Injetar dinheiro em escolas que ensinam esse tipo de coisa apenas aprofundará e espalhará a ignorância entre os jovens.
O problema é que os gestores da educação no Brasil estão pouco ligando para isso. Os ministros da era Lula viraram governadores ou prefeitos. O último, já na era Dilma, virou ministro da Casa Civil. Eu quase posso imaginar a resposta dos três quando forem indagados sobre a péssima gestão educacional brasileira: “beijinho no ombro/ pro recalque passar longe/ beijinho no ombro/ só pros invejosos de plantão”.
Na união soviética pessoas como Dostoiévski foram descredibilizadas e seus livros foram banidos até mesmo das universidades, pois seu pensamento sobre existencialismo era considerado perigoso. Agora vão destruir nossos poeta e romancistas, parabéns professor marxista! O Estado precisa de pessoas como você.
“Vou ali ler um Machado de Assis e ir treinando para quem sabe um dia conseguir ser uma pensadora de elite!”. – Valesca Poposuda
Dar dignidade a uma imbecilidade dessas através de um esforço de análise sincero é muito, mas muito contraproducente. O docente brincalhão — quero assim crer — prestou um imenso desserviço às crianças. O enunciado é auto-contraditório e implica na anulação da questão e pronto.
Olha, provavelmente o professor soh quiz fazer uma brincadeira, para com esse xilique todo