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As dimensões da liberdade em John Stuart Mill

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Pretendo, nesse texto, apresentar as dimensões da liberdade segundo o filósofo inglês John Stuart Mill. Apresentarei uma breve biografia do autor estudado e as dimensões que a liberdade tem na sua obra: a dimensão pessoal e individual, a dimensão política e a dimensão econômica, referente ao mundo do trabalho. Na dimensão pessoal, Stuart Mill trata do indivíduo e do seu direito ao florescimento pessoal: um tema típico do liberalismo. Na dimensão política, ele considera a participação do indivíduo na construção das regras de convivência social e política, vinculando liberalismo e democracia. Na dimensão econômica, aborda a emancipação do indivíduo em relação à pobreza e à heteronomia no mundo do trabalho, um tema em geral abordado por correntes anarquistas e socialistas. Enfim, Mill reflete como seria possível a ampliação da igualdade e, simultaneamente, da liberdade, na sociedade democrática liberal. O texto abaixo apresentado se baseia no meu livro, abaixo indicado. Suprimi a maioria das citações e referências, que podem ser encontradas, pelos interessados, na obra original.

  1. Biografia

Nascido em 20 de maio de 1806, John Stuart Mill foi submetido a um raro esquema de formação educativa, idealizada por seu pai, James Mill, escocês de nascimento, que, por sua vez, já havia sido educado na infância segundo um espírito liberal bastante crítico em relação ao conformismo intelectual, social e político. Sem ter jamais frequentado uma escola, Stuart Mill foi educado desde cedo por seu próprio pai, amigo íntimo de Jeremy Bentham, David Ricardo e de outros intelectuais ilustres do século XIX, personagens que defendiam a extensão da educação para as camadas mais pobres da sociedade, a liberdade de imprensa e reformas sociais e políticas que acompanhassem o desenvolvimento econômico acentuado desse período.

A filosofia utilitarista de Bentham foi dominante em seu pensamento, a partir de 1820. Nas premissas do utilitarismo, ele encontra um elemento unificador, capaz de elucidar o funcionamento do espírito humano e oferecer bases para a reordenação da sociedade. Movido por essa convicção, funda a Sociedade Utilitarista, grupo que se reunia para estudos e debates.  Conforme conta em sua autobiografia, acreditava que poderia ser um reformador do mundo, segundo as diretrizes que encontrou no utilitarismo. Antes de tudo, ele foi um filósofo moral, tal como Adam Smith, para quem, também, as considerações econômicas são instrumentais em relação a objetivos éticos.

Mais ou menos nesse período, participou de reuniões e debates com a Sociedade Cooperativa, integrada por discípulos de Robert Owen, um dos nomes mais importantes do socialismo utópico. Também empreendeu diversos estudos e discussões a respeito da condição da mulher e da extensão do sufrágio ao gênero feminino, tema que já fora discutido em alguns textos de seu pai e que vai ocupar boa parte de sua reflexão e militância. Manteve uma longa correspondência com Augusto Comte e com Alexis de Tocqueville, de quem se tornou amigo próximo. Foi eleito, em 1867, deputado de Westminster para a Câmara dos Comuns, onde defendeu a causa da ampliação do sufrágio, defendendo sua extensão para as mulheres e os trabalhadores, lutou por reformas institucionais e pela reforma agrária na Irlanda. Apesar de ter vivido em um século em que os grandes pensadores primavam por construir sistemas, tais como Hegel, Comte e Marx, em sua obra não encontramos esse espírito racionalista desenfreado.

Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill, no entendimento de Norberto Bobbio, são as duas maiores expressões do pensamento liberal do século passado. Enquanto o francês simboliza a ala conservadora do liberalismo, ainda que tenha defendido a democracia e antecipado o liberalismo social, Mill foi liberal e democrata em um sentido mais amplo, considerando a democracia como o desenvolvimento natural e necessários dos valores e princípios liberais.

Para Tocqueville, o gosto que os homens sentem pela liberdade e o desejo que têm de igualdade são, com efeito, duas coisas diferentes. Ele não era um entusiasta da democracia moderna, mas a acha inevitável; teme a centralização que ela pode produzir, degenerando em uma espécie de despotismo brando. A democracia também comporta a possibilidade de uma tirania da maioria, ou da demagogia, que é quando se adula o povo, ao invés de se bajular o rei conforme acontecia no passado.  A paixão pela igualdade também pode oprimir a independência individual; a busca pelo bem-estar material é capaz de produzir um sentimento permanente de inveja e de ressentimento, pois que cada um compara a sua situação com a dos demais; as instituições democráticas despertam a paixão pela igualdade, mas não a podem satisfazer por completo.  Pode mesmo acontecer que os homens abram mão da liberdade, em troca de uma possível prosperidade.   Também é possível que o Estado exerça uma ditadura branda e paternalista sobre as pessoas, pretendendo dirigir suas vidas a partir de valores religiosos ou morais conformistas ou reacionários.

Pertence à essência dos governos democráticos que o império da maioria seja um princípio absoluto, e também se acredita que os interesses do maior número devam se sobrepor ao interesse das minorias, predispondo os governos democráticos a certa forma de despotismo e centralização. Existe o risco de que o poder da maioria tenha um peso fundamental, eliminando a liberdade individual. Cada cidadão de uma sociedade democrática, sendo igualmente impotente, pobre e isolado, não pode opor sua fraqueza individual à força organizadora do Estado, que pode estar dominado por uma nova oligarquia, de políticos e burocratas.

  1. A liberdade na dimensão individual

Consoante a sua filosofia, a individualidade é o centro do florescimento pessoal e social, o que faz do utilitarismo, agora renovado, também um instrumento de reforma social, em busca de uma sociedade ao mesmo tempo mais livre e mais igualitária. A noção de autodesenvolvimento, para Mill, é puramente formal, não incluindo informações sobre os tipos de valores e estilos de vida que se devam adotar; assim, o florescimento de cada um é uma questão subjetiva, e será tratado por ele principalmente em sua obra Sobre a Liberdade.

Sua filosofia a respeito da liberdade envolve a noção de que a vida pode servir a uma multiplicidade de fins, sendo cada um o juiz de sua própria condição para a felicidade. A individualidade é a consciência de si mesmo enquanto sujeito finito e empírico. Também é a consciência de ser uma entidade irredutível, livre e autônoma. Enquanto ser empírico, o homem precisa participar da vida política, econômica e social, segundo as leis de seu país, mas, enquanto um eu abstrato, é uma subjetividade livre de qualquer coerção, estando capacitado a criar seu próprio mundo e a procurar os elementos de uma vida boa e realizada, afastando-se de uma vida medíocre ou da tirania da maioria.

Ele considera que existe uma natureza humana universal, embora o homem seja um ser histórico e concreto, que somente em determinado contexto social possa ser definido. Nossa natureza universal se radica na nossa animalidade, enquanto nossas capacidades humanas podem ser construídas; boa parte de nossa natureza é de origem cultural e histórica. A mulher, por exemplo, tem uma natureza feminina construída historicamente a partir da dominação masculina; também não considera que a motivação para a acumulação de riqueza seja um dado permanente de nosso ser. Trata-se apenas de uma condição momentânea da humanidade. Assim, o ser humano tem a possibilidade relativa de construir a si mesmo.

Esse ideal de autoconstrução exige um critério ético que, para o utilitarista, é a busca da felicidade, não apenas a felicidade individual, mas a felicidade de todos aqueles cujo bem-estar podemos ajudar a promover; portanto, o padrão último da moralidade é a promoção imparcial da felicidade.

As regras do utilitarismo visam à felicidade de todos, e não apenas a de quem as segue. Mill valoriza a dimensão social da vida humana, ao defender que devemos sempre pensar na felicidade da maioria; a afirmação da individualidade se dá num contexto social, e uma sociedade onde a maior parte das pessoas não dispõe de condições mínimas de sobrevivência não oferece condições ao desenvolvimento da individualidade.

A obra Sobre a Liberdade, de J. Stuart Mill, publicada em 1859, versa sobre as relações entre os indivíduos e a sociedade, segundo os princípios do utilitarismo. Aqui, ele defende a mais ampla liberdade possível, entendendo que existe um domínio individual que não pode ser constrangido nem pelo Estado e nem pela sociedade. Segundo o chamado “princípio do dano”, desde que suas ações não interfiram na liberdade e autonomia das demais pessoas, ninguém está autorizado a interferir ou conter as ações de alguém; sendo assim, a liberdade individual é total. O princípio do dano não pode ser invocado quando uma pessoa age de modo perigoso ou inadequado com relação a si mesma, de vez que cada um é responsável e o único juiz capacitado a julgar sua própria vida. Também caracteriza a teoria milliana a crítica ao paternalismo, onde se deslegitima toda intervenção do Estado na vida de alguém sob o pretexto de que o indivíduo precisa ser protegido de si mesmo, corrigido ou melhorado pelo poder.  Embora ele tenha abandonado o princípio absoluto do laissez-faire, entende que a concentração do poder nas mãos do Estado e da sua burocracia estiola a criatividade. A atividade governamental pode estimular a liberdade e o esforço dos indivíduos, mas jamais deve censurar e dirigir e substituir a ação dos indivíduos pela sua; se os indivíduos tiverem as suas capacidades e liberdades amesquinhadas pelos governos, teremos uma sociedade medíocre e conformista.

A teoria da liberdade de Mill supõe que a natureza humana pode ser gradativamente aperfeiçoada, e que os seres humanos optam pelos “prazeres superiores” quando têm acesso a estes, e não pela “satisfação suína”, que é a devoção aos prazeres mais grosseiros. Sendo necessário, para o progresso social, que os indivíduos se tornem crescentemente mais autônomos, e exigindo-se que essa autonomia fosse voluntária, Mill aqui expressa um conceito típico de sua época vitoriana, a ideia de caráter, que vincula necessariamente a liberdade com o aperfeiçoamento de si mesmo.

O filósofo Wilhelm von Humboldt, em 1792, sob a influência do romantismo, escreveu que a verdadeira finalidade do Homem, ou aquela que se encontra prescrita pelos imperativos da razão eterna e imutável é a da formação a mais alta e harmoniosa possível de suas forças em direção a uma totalidade completa e consistente.  A liberdade constitui a primeira e indispensável condição que um semelhante desenvolvimento pressupõe; no entanto, existe além disso uma outra condição essencial – intimamente conectada com a liberdade, é bem verdade -, uma variedade de situações.

A metáfora da Bildung, tão cara ao pensamento romântico alemão, é incorporada assim ao liberalismo, segundo essa concepção de individualidade. Tal como o organismo, uma pessoa se desenvolve no tempo, e sua forma e autonomia provém do interior de si mesmo. Em relação com o meio ambiente, constrói a si mesmo, sendo ideal que o ser humano faça isso de forma consciente e racional, tal como se produzisse, de si mesmo, uma obra de arte. Assim, a vida humana consiste num esforço infinito para reconciliar uma individualidade crescente com a multiplicidade de experiências que a vida oferece.  O tema da Bildung também pode ser visto como uma versão secular do pietismo protestante, que já enfatizava uma moralidade interior, autônoma, tal como foi pensado por Kant.

Para Stuart Mill, essa concepção supera o estreito cânone do utilitarismo de Bentham, pois que a noção de Bildung é mais ampla do que a do iluminismo racionalista, já que também incorpora o entusiasmo vital, a sensualidade, a originalidade e o sentimento, fatores ausentes na educação que recebeu de James Mill, seu pai. Também vemos nesse conceito algo da ideia grega da Paideia, onde se imagina que o indivíduo é formado pela cultura, pela pólis, reunindo o vigor físico e natural e a inteligência que manifesta o Logos.

A liberdade individual, além de ser fundamental na teoria liberal, é um instrumento valioso para a utilidade geral e para o desenvolvimento da sociedade. A liberdade individual envolve a liberdade de opinião, o direito de pensar e exprimir sem constrangimentos suas próprias ideias e convicções, o que é fundamental para o liberalismo e, a seguir, para a própria disputa democrática. Para Mill, a liberdade de expressão é absoluta, não estando sujeita ao princípio do dano. Se o ser humano é falível, isso em nada impede a sua livre manifestação, pois toda forma de censura supõe uma pretensão à infalibilidade. Quem quer que pretenda discutir algum assunto precisa estar disposto a ouvir as opiniões contrárias, a fim de verificar se suas ideias são válidas ou não. Através da participação e do livre e universal debate, é possível a existência de uma democracia que maximize as possibilidades humanas, não apenas as intelectuais, mas também as estéticas, morais e produtivas.

Ainda que recuse a tirania da maioria, Mill não vacila em defender a democracia, pretendendo ampliar o liberalismo de seu tempo, a fim de que o sufrágio fosse estendido a todos, principalmente às mulheres, e também aos trabalhadores.  Um governo livre, afirma, é aquele em que todos podem participar nos benefícios da liberdade; se alguns forem excluídos, não poderão aplicar suas energias em prol de si mesmos e em benefício da comunidade. Conforme ele destaca, um dos antídotos contra a tirania da maioria está na ampliação da participação política, devendo participar das eleições tanto as classes abastadas quanto as classes populares, desde que paguem um imposto, por menor que seja. Mill considera que a participação política tem um papel educativo, pois, através da discussão, os trabalhadores, que costumam ter um trabalho repetitivo e monótono, podem compreender melhor os seus interesses e estabelecer relações com outros cidadãos, tornando-se, assim, membros conscientes da sociedade.

Podemos abordar da seguinte forma os aspectos da liberdade: primeiro, cada indivíduo tem o direito de desenvolver seu próprio plano de vida, segundo seu entendimento subjetivo; segundo, cada indivíduo deve cuidar de não interferir na liberdade dos demais, para que possa ser protegido pela sociedade nas suas próprias ações; terceiro, a ação individual pode acarretar prejuízos para outros e, finalmente, em quarto aspecto, a cada gênero de dano corresponde uma punição apropriada e legítima, por parte da sociedade.

A liberdade individual não pode ser objeto de restrição quando alguém considerar o comportamento de outrem inadequado, por motivo de aversão ou ressentimento.  Mill se ocupa aqui da questão da originalidade, e até da extravagância, que pode caracterizar o comportamento de alguém. Originalidade, nesse caso, não significa a descoberta de novas verdades, mas a invenção de novos estilos de vida, que podem inclusive trazer progresso ao corpo social. Retomando um tema comum aos seus diálogos com Tocqueville, ele pensa na defesa que o indivíduo requer em função da tirania da maioria, da mediocridade que a sociedade democrática costuma promover. Ainda que nem todas as pessoas possam ou queiram ter um estilo de vida original e criativo, devem ter os mesmos direitos de liberdade que as poucas que efetivamente desejarem uma vida excêntrica.  O princípio de liberdade “requer liberdade de gostos e objetivos: construir os planos de nossa vida para que se adaptem ao nosso caráter, fazer como gostamos, sujeitos às consequências que possam surgir; sem impedimento de nossos próprios semelhantes, contanto que o que fizemos não os prejudique mesmo que eles achem que nossa conduta é tola, perversa e errada”. (MILL, Sobre a Liberdade, pag. 31).

Cada um é o guardião adequado de sua própria saúde, quer do corpo, quer da mente e espírito, diz Mill. Ele inclui nesse caso as mulheres, criticando e lutando contra o poder despótico dos maridos sobre as esposas; além de sua atividade parlamentar, onde defendeu o sufrágio feminino, escreveu uma das primeiras obras a respeito da condição da mulher e dos seus direitos, Sobre a Sujeição das Mulheres, auxiliado por Harriet Taylor, sua esposa.

Mill entende a liberdade também como autonomia e autodeterminação. Sendo livre, dotado da possibilidade de escolha, cada um pode ser diferente, isto é, individualizado, no sentido de responsável pela sua própria forma de ser. A individualidade para Mill, assim como para Humboldt, é um fim em si mesmo; o que mais caracteriza o ser humano é a criatividade, a possibilidade de ser diverso, e não a uniformidade. Por isso o liberalismo enfatiza mais aquilo que os seres humanos têm em particular, o seu diferencial individualizante, e não as suas características comuns e idênticas; ele faz uma defesa explícita da excentricidade, pois os indivíduos excêntricos estão criando novas formas e estilos de vida, que podem vir a ser úteis para a coletividade. Conforme seu texto, as pessoas talentosas são mais individuais do que quaisquer outras pessoas, e necessitam de um ambiente de liberdade para florescer. A excentricidade, diz ele, pode se manifestar quando a força de caráter existe, e uma sociedade livre deve estimular e aceitar a maior quantidade de excentricidade possível; essa defesa romântica da individualidade, embora se contraponha ao igualitarismo, é compatível com o desejo de uma igualdade de pontos de partida ou de oportunidades. Devem existir diferentes experiências de vida; espaço livre para as variedades de caráter; o valor de diferentes modos de vida deve ser provado de modo prático caso alguém os deseje adotar.

Ele diz, de maneira enfática, que “aquele que permite que o mundo, ou sua própria parte deste, escolha seu plano de vida para ele, não tem nenhuma necessidade a qualquer outra faculdade a não ser aquela da imitação dos símios. ” (MILL, Sobre a Liberdade, pag. 87).

Nesse sentido, é importante um ambiente de segurança social, que facilite a cada um o desenvolvimento de seus planos de vida. Essa visão não inclui apenas a liberdade negativa, pois Mill se refere à proteção dada pelo Estado ao indivíduo, à saúde, à subsistência, à educação, à eliminação da pobreza, como bens igualmente relevantes.

Na mesma linha de seu pai, James Mill, ele faz uma defesa explícita da educação, afirmando que o Estado deve exigir e obrigar os pais a fornecerem educação a seus filhos, para que estes venham, no futuro, a poderem ser cidadãos; a educação deve ser obrigatória e universal; é necessário que o Estado custeie as mensalidades escolares inteiras das classes mais pobres de crianças, o que não significa necessariamente que deva manter escolas estatais.

  1. A liberdade na dimensão política: democracia e participação

A democracia representativa, segundo Stuart Mill, é um prolongamento necessário da liberdade individual, pois pode ser útil para que se evite a tirania da maioria, através do aumento da participação que ela enseja; embora defenda o aumento do sufrágio, com a inclusão do voto feminino e do voto dos trabalhadores, Mill exclui da participação política os falidos, os devedores fraudulentos, os analfabetos que não saibam ler, escrever ou não dominem as operações básicas da matemática – enquanto a educação universal subsidiada pelo Estado não os eliminar – e aqueles que vivem sustentados pelos subsídios da Lei dos Pobres; porque todos esses não estão em condições de influir no uso dos recursos públicos. Considerando que os cidadãos podem ser melhorados pela educação e pela prática do debate político, é desejável que as classes trabalhadoras sejam incorporadas ao corpo político, e possam defender aí os seus interesses.

Faz uma defesa enfática do voto feminino, entendendo que as mulheres também têm interesse em bons governos; mesmo se elas fossem mais frágeis, (o que ele não acredita que sejam), por isso mesmo precisariam dispor do voto, para se defenderem melhor. Ele ainda propõe o livre acesso de ambos os sexos às ocupações industriais. Segundo o seu texto, “as mesmas razões que fazem com que já não seja necessário que os pobres dependam dos ricos tornam igualmente desnecessário que as mulheres dependam dos homens; e o mínimo exigido pela justiça é que a lei e o costume não forcem essa dependência (…) ordenando que uma mulher que eventualmente não tiver uma provisão por herança dificilmente disponha de outros meios para ganhar o seu pão, a não ser na função de esposa e mãe. Que adotem essa função as mulheres que a preferirem; mas é uma injustiça social flagrante que não haja opção, nenhuma outra carreira possível para a grande maioria das mulheres, a não ser nos setores mais humildes da vida”. (MILL, Considerações sobre o Governo Representativo, pag. 337).

A melhor forma de governo é aquela em que a soberania depende de toda a comunidade, onde cada cidadão tem voz e pode mesmo, eventualmente, vir a desempenhar algum papel real na administração pública, obtendo-se dessa forma uma diluição do poder e evitando que qualquer homem ou classe tenha supremacia no governo.  O poder legislativo é órgão mais importante da organização estatal, cuja função é vigiar e controlar o poder e votar as leis propostas por uma comissão técnica qualificada. Toda essa engenharia depende, no entanto, das qualidades dos seres humanos que constituem a sociedade; no dizer de Roque Spencer, “a mola real, portanto, do governo representativo é a educação do povo, que aquele deve (…) promover sem desfalecimentos. Governo e instituições livres são garantias da permanência da liberdade, mas uma educação que favoreça o florescimento pessoal e a originalidade é, por sua vez, garantia daquelas e daquele. ” (BARROS, Introdução à Filosofia Liberal, pag. 221).

Em seus relatos autobiográficos, Mill afirma não considerar a democracia representativa um princípio absoluto, mas algo que depende do tempo, do lugar e das circunstâncias, levando-se em conta que ela não pode ser implantada em povos e culturas que não a desejem ou valorizem.  Mas, ainda assim, ela é um importante aperfeiçoamento na vida e na cultura de um povo determinado. Para ele, o predomínio das classes aristocráticas dos nobres e ricos proprietários de terras na Constituição inglesa era um mal, por ser um agente desmoralizador, ao permitir que os interesses privados sobrepujassem os interesses públicos no interior do Estado, bem como favorecendo a parcialidade do poder legislativo. Sendo a posse de riquezas o principal acesso ao poder, as riquezas e seus signos se tornam as únicas coisas respeitadas, e as classes mais altas, nesse contexto, não têm o menor interesse em oferecer educação e aperfeiçoamento ao povo. A democracia pode produzir uma participação ampla no poder, fazendo com que passe a ser do interesse das classes opulentas promover a educação e melhorar o nível cultural das demais classes. Para ele, as classes ricas têm mais a temer do povo quando este não é educado.

O sistema patriarcal de governo, segundo ele, já não será mais aceito pelas classes trabalhadoras; na medida em que os trabalhadores tiveram acesso à leitura, à imprensa, aos debates políticos, e na proporção em que as condições de trabalho reuniram grandes coletividades humanas, “as classes trabalhadoras tomaram seus interesses em suas próprias mãos, e constantemente estão mostrando que, em seu pensamento, os interesses dos empregadores não se identificam com seus próprios interesses, mas se lhes opõem(…) os princípios da Reforma penetraram tão fundo na sociedade quanto a leitura e a escrita, e as pessoas não aceitarão, por muito mais tempo, a moral e a religião elaborados por outros.(…) os pobres se libertaram das principais restrições e já não há possibilidade de governá-los ou trata-los como crianças. Os cuidados pelos destinos dos trabalhadores precisam agora ser entregues a eles mesmos. ” (MILL, Princípios de Economia Política, pág. 335).

O poder legislativo, na tradição liberal, é aquele que melhor encarna as aspirações e necessidades da sociedade, mas é necessário que os cidadãos estejam dispostos a lutar por ele, sob pena de o poder executivo, mais próximo da população, subjugar gradualmente as opiniões e estimular a subserviência. Stuart Mill considera que o governo representativo não pode ser adotado por qualquer país, mas apenas por aqueles em que exista uma moralidade política conveniente ou tradições adequadas, que enfatizem o poder limitado, a liberdade e o respeito à lei.

Ele participou pessoalmente do poder legislativo, tendo sido eleito por Westminster em 1865, sem ter feito campanha nem gasto dinheiro pessoal, o que era uma convicção sua, na medida em que, para ele, os gastos eleitorais deveriam ser cobertos pelo Estado ou pela comunidade local. Em seu mandato, ele defendeu o sufrágio feminino, as reformas de Gladstone e manteve diversos diálogos com trabalhadores e seus representantes.

Mill acredita na possibilidade do aperfeiçoamento moral e social da humanidade, ou seja, na possibilidade do progresso; mas não o entende como consequência de uma tecnocracia positivista, tal como era defendido por seu interlocutor e correspondente Augusto Comte. Para ele, o progresso advém inicialmente da virtude e da inteligência do próprio povo. Boas instituições políticas são as que permitem aos cidadãos adquirir qualidades morais desejáveis e obter o aperfeiçoamento do intelecto; alcançar a justiça nas leis e ter acesso a um poder.

Um bom governo é marcado pelo Estado de Direito, distante do despotismo inicial da história da humanidade, ou do governo autoritário preconizado em sua época por Saint Simon. Todo governo despótico, mesmo quando se tem um “bom déspota”, produz povos passivos, seres humanos destituídos de vontade e de iniciativa, desinformados a respeito da vida pública e desinteressados de qualquer forma de participação, se ela for possível.

“Sempre que a esfera de ação dos seres humanos é artificialmente restringida, seus sentimentos são limitados e diminuídos na mesma proporção”. (MILL, Considerações sobre o Governo Representativo, pag. 50).

Cada indivíduo é o único guardião de seus próprios interesses e direitos; os seres humanos só podem obter segurança em relação aos demais se tiverem poder para se protegerem, e, se tiverem autonomia, poderão alcançar um grau mais elevado de sucesso em sua luta pela sobrevivência. O direito de todos participarem do poder soberano garante que todos os interesses e direitos sejam defendidos; segundo ele, o direito dos excluídos será provavelmente esquecido, se eles pessoalmente não puderem defendê-lo.

“Neste país, por exemplo, as classes chamadas trabalhadoras podem se considerar excluídas de toda participação no governo”. Mesmo que haja legisladores que pretendam defender os seus direitos e interesses, eles seriam capazes de analisar um problema sob o ponto de vista dos trabalhadores? (MILL, Considerações sobre o Governo Representativo, pag. 56). Em caso de greves, por exemplo, a questão seria discutida com muito mais propriedade se as classes que a realizam fossem capazes de se fazerem ouvidas no parlamento.

Comparando os países livres do mundo com nações despóticas, verificaremos, afirma ele, que nos primeiros a prosperidade é muito mais evidente e superior, já que muito mais indivíduos podem manifestar e defender os seus interesses. Sociedades mais livres produzem espíritos livres: os tipos de personalidade passiva são os mais apreciados pelos moralistas, mas as personalidades ativas é que realmente impulsionam o desenvolvimento dos negócios humanos. Toda superioridade intelectual é resultado de esforço ativo; a iniciativa, o desejo de experimentar, de realizar coisas para si mesmo e para os demais, são a origem do talento especulativo e mais ainda do talento prático. O contentamento, a submissão, e outras qualidades apreciadas pelas religiões, não favorecem o desenvolvimento da sociedade. O tipo passivo de caráter é fortalecido quando temos governos de um ou de poucos, enquanto o tipo ativo, dotado de iniciativa própria, é favorecido pelo governo de muitos. Quando um cidadão pode participar dos negócios públicos, ocupar-se nos júris, envolver-se na discussão política, ele é solicitado a ponderar sobre interesses alheios; é convidado a superar sua parcialidade e a refletir sobre os interesses gerais. Onde não existe essa escola de espírito público, assevera Mill, o homem se desinteressa até dos seus vizinhos, não persegue interesses coletivos, enfim, mesmo a moralidade privada decai quando a moralidade pública desaparece.  Assim, o ideal para um Estado é que todos possam participar, na maior intensidade possível, pessoalmente ou através de representantes.

É fundamental na democracia que a representação seja pluralista e proporcional aos grupos de interesses existentes na população: conforme Mill diz, se tivermos uma maioria de brancos e uma minoria de negros, ou vice versa: uma maioria de católicos e uma minoria de protestantes, ou o inverso; muitos pobres e poucos ricos; muitos trabalhadores inexperientes e poucos trabalhadores especializados: em quaisquer dessas situações, é importante que a representação traduza, proporcionalmente, os grupos da sociedade, sob pena que os interesses da maioria sufoquem aqueles interesses das minorias.

Em suas obras a respeito do governo representativo, Stuart Mill sugere princípios de legislação eleitoral, que seriam adequados para garantir a representação das minorias nos órgãos políticos do governo.

  1. A liberdade na dimensão do trabalho

Mill estuda as questões econômicas principalmente em sua obra Princípios de Economia Política, onde assevera que existem leis que regulam a produção, como o nível de poupança – que permitirá ou não o investimento – a tecnologia, as habilidades dos trabalhadores e dirigentes – ou o capital humano – a divisão social do trabalho e outras. Essas características são imperativas na produção; já a distribuição é mais flexível, pois depende das instituições sociais, das leis e dos costumes. O estudo e o desenvolvimento da economia dependem, antes de tudo, do desenvolvimento histórico de diversas formas de produzir e distribuir a riqueza; a ciência econômica não pode ser feita a priori; antes, é uma reflexão sobre essas práticas, elaborada de modo tardio e posterior a elas.

O liberalismo social considera que a distribuição dos bens é relativamente independente dos meios técnicos e sociais de sua produção. Essa posição será criticada, posteriormente, por Friedrich Hayek, um dos principais responsáveis pelo renascimento do liberalismo no século XX. Para esse pensador austríaco, Stuart Mill é o fundador da Fabianismo. Na opinião de Hayek, é possível distribuir livremente o resultado do trabalho, mas apenas uma vez, porque, uma vez alterada a regra da distribuição, nada garante que ela continue sendo eficiente, já que os mecanismos de mercado não foram obedecidos.

Os recursos naturais, o clima, a fertilidade do solo, a abundância de minerais e outros fatores influem na produtividade, mas também é necessário considerar a qualidade da mão de obra, ou o capital humano. Uma população diligente, capaz de prever e organizar o trabalho, de poupar para o futuro, dotada de qualidades de caráter, bem educada também tem grande peso no aumento da produtividade; o governo e as leis também podem facilitar ou não esse incremento, sendo importante considerar a questão da segurança, tanto a proteção por parte do governo, quanto a proteção contra o governo. Outro fator que ele considera relevante é o nível e a qualidade das ferramentas e máquinas, o que depende da quantidade de capital que pode ser investido.

Stuart Mill dá grande valor ao capital humano. Em sua obra, comenta a respeito das qualidades e limitações dos trabalhadores de diversos países, fazendo uma verdadeira pesquisa antropológica a esse respeito, recorrendo a diversos autores.  Podemos encontrar em seu texto ideias semelhantes àquelas que serão apresentadas depois por Max Weber, em seu célebre estudo a respeito das afinidades eletivas entre o capitalismo ocidental moderno e as seitas protestantes.

Para ele, a inteligência de um trabalhador é um dos elementos dos mais importantes para a produtividade do trabalho. O cuidado, o espírito de economia e a confiabilidade geral dos trabalhadores são tão importantes quanto sua inteligência. Em alto grau, são também importantes o relacionamento amistoso, a comunidade de interesses e sentimentos entre os trabalhadores e os empregadores.

A distribuição da riqueza, para ele, é uma questão exclusivamente das instituições humanas. A humanidade pode distribuir as riquezas conforme desejar; a propriedade privada não é uma instituição imutável. Em seus primeiros tempos, a propriedade era coletiva e familiar. Somente nos últimos tempos é que a propriedade adquiriu as características que apresenta hoje, tornando-se individual.

A relação entre capital e trabalho baseada no assalariamento foi por ele criticada, não porque o capital precise ser remunerado – o que ele considera razoável, já que implica a abstinência do consumo. Para ele, o assalariamento não promove o progresso e seria o responsável pelas principais deficiências morais e intelectuais da classe operária. O regime de salário cria uma relação de servidão e dependência que degrada o trabalhador; trabalhar para outro e sob seu comando, ainda que com um salário alto, não é um estado satisfatório para um ser humano educado que não se percebe como inferior ao seu patrão.  Por outro lado, podemos pensar que uma melhor distribuição da riqueza seja adequadamente atingida pelo efeito conjunto da prudência e da frugalidade dos indivíduos, e por um sistema de legislação que favoreça a igualdade das fortunas, na medida em que isso for conciliável com o justo direito do homem e da mulher aos frutos, grandes ou pequenos, do seu próprio trabalho. Podemos pensar, escreveu ele, em limitar a soma que qualquer pessoa pode adquirir por doação ou herança ao montante suficiente para proporcionar uma autonomia razoável. Sob essa dupla influência, a sociedade apresentaria as seguintes características dominantes: um conjunto de trabalhadores bem remunerados e afluentes e a inexistência de fortunas enormes, a não ser as que fossem ganhas e acumuladas durante uma única existência; em contrapartida, um conjunto, muito maior do que atualmente de pessoas não apenas livres das ocupações mais duras, mas também dispondo de lazer suficiente, tanto físico quanto mental, para se libertarem de detalhes mecânicos e poderem cultivar livremente os encantos da vida, afirmou Mill.

Considera-se que o movimento por excelência da classe operária é o de autogestão, cujo axioma fundamental é a tese da igualdade das pessoas. Ao admitir-se essa premissa, a autogestão se torna uma tarefa política necessária. Essa proposta política foi encampada por diversos socialistas utópicos, foi discutida por John Stuart Mill e depois por Marx. As ideias de Marx foram implementadas, em variadas proporções, em alguns países, mas a crítica ao centralismo marxista já fora feita mesmo no século XIX, por Joseph Proudhon, para quem essa prática é absolutista, ditatorial e parte do princípio de que o indivíduo está subordinado, por natureza, à coletividade, da mesma forma que o cidadão estaria na condição de pertencente ao Estado. Uma das preocupações desse autor foi a de defender e pensar a descentralização, dividir o poder estatal e preservar os grupos e comunidades em relação ao poder do governo.

Em 1869, Stuart Mill decidiu escrever um estudo a respeito do socialismo e preparou um pequeno esboço, que seria depois retrabalhado. No entanto, nunca chegou a fazê-lo, e sua filha adotiva Helen Taylor o divulgou depois, pois Mill morreu em 1873, quatro anos depois da redação desses textos, que se caracterizam pelo tom reflexivo e hipotético, já que não há uma resposta definitiva para esse problema, segundo suas análises.

Mill sempre discordou das propostas do socialismo autoritário, e também do projeto comtiano para uma nova sociedade, que ele considerava o mais completo sistema de despotismo espiritual e temporal que a mente humana já produziu; a crença de que um colégio de sábios pode tutelar e dirigir a liberdade dos demais lhe parecia por demais indesejável e absurda. (MILL, Ensaios sobre o Socialismo, pag. 181).  Conforme ele escreveu, quem defende a implantação abrupta e violenta do socialismo, sem que os seus resultados tenham sido testados empiricamente antes, deve ter uma confiança serena em sua própria sabedoria e, de outro, um desprezo pelo sofrimento dos outros, que ultrapassaria Robespierre, o patrono do terror na Revolução Francesa.

Mill concorda com muitos dos argumentos dos socialistas, que ele examina em sua obra a respeito do tema; a maioria da população não se beneficia do direito de propriedade, e grande parte dos trabalhadores tem apenas o pão diário, nem sempre em quantidade e qualidade suficientes. Ele refuta o argumento segundo o qual os membros mais fracos da sociedade é que são os mais pobres, afirmando que a fraqueza não é uma justificativa para o sofrimento, e que é “um direito inegável de todo ser humano a proteção contra o sofrimento”. (MILL, Ensaios sobre o Socialismo, pag. 52). Também desconsidera a suposição conforme a qual a sorte das pessoas resulta de seus talentos, pois que, para a maioria, as condições em que nascem é que definem o seu destino, e, para muitas outras, a sorte ou acaso são predominantes em definirem suas condições de vida. Embora a extensão do voto seja uma medida benéfica, observa ele que, enquanto alguns nascem já destinados a grandes riquezas, a grande maioria se encontra condenada à penúria, não pelos mecanismos da escravidão, mas pela condição de penúria, que os acorrenta a um lugar, a uma ocupação e à submissão à vontade de um empregador.

Também concorda que os salários dos trabalhadores são penosamente baixos, mas afirma que eles estão em crescimento, embora não na velocidade desejável. Outro fator que ele considera importante, a diminuição do número de nascimentos, não necessitaria do socialismo para ser implementado, podendo ser viabilizado na própria sociedade atual, o que, segundo ele, já vinha acontecendo vagarosamente. Critica, nos autores socialistas, a compreensão parcial dos mecanismos de concorrência, pois não há um único monopolista a vender produtos e a comprar a força de trabalho em valor mais baixo; a competição econômica também pode baixar os preços das mercadorias para os trabalhadores, e, quando o mercado não é amplo e ocupado por diversos competidores, é possível defender a intervenção estatal.

Mill considera muito mais eficiente a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, que os torna mais interessados na prosperidade dos negócios e na diminuição do desperdício. Seria mesmo possível que, após a morte ou a aposentadoria dos chefes, essas empresas viessem a se tornar de propriedade dos trabalhadores, de forma cooperativa. (MILL, Princípios de Economia Política, pag. 96). Ele acredita que os trabalhadores não desejarão, por toda a vida, serem empregados e receberem salários; talvez estejam dispostos a passar pela classe de empregados, no caminho que leva à categoria de empregadores, mas não permanecer nela a vida inteira. Mill aprecia o ideal de emancipação do trabalho, a ser realizado por meio de uma associação dos trabalhadores, sem patrão nem capitalista. Os próprios trabalhadores reunirão o capital necessário e administrarão seu trabalho. Assim, eles terão todo o interesse em produzir com a máxima qualidade e intensidade possíveis. Também, esse empreendimento teria um significado moral, na medida em que substituiria o conflito de classes por uma busca do bem comum e da elevação da dignidade do trabalho. (MILL, idem, pag. 361).

Defendeu que a repartição do produto do trabalho deve se dar segundo algum princípio reconhecido de justiça, e não de acordo com os acidentes do nascimento; considerava que o futuro deveria unir a maior liberdade individual possível com a posse comum de todas as matérias primas do globo, e com uma igual participação de todos nos benefícios do trabalho comum. (MILL, idem, pag. 195). Isso exigiria uma grande mudança de caráter, tanto na classe trabalhadora quanto na imensa maioria de seus patrões, que deveriam aprender a se associar segundo interesses públicos e sociais, e não conforme o egoísmo.  Esse processo, em sua opinião, seria demorado e dependeria fundamentalmente de um novo sistema cultural, razão pela qual ele sempre se interessou pelos experimentos socialistas que conheceu, fossem ou não bem-sucedidos. Por acreditar nisso, ele mesmo publicou diversas edições populares de seus livros que pudessem interessar à classe trabalhadora, sem receber nenhum retorno econômico pela venda dos mesmos, o que permitiu que fossem vendidos de forma mais barata.

Enquanto um filósofo empirista, Mill não se sentia capacitado a propor soluções dogmáticas para a sociedade; ainda que ele imagine ideais novos e reformadores, é necessário que estes sejam testados e criticamente avaliados, sob pena de recairmos no despotismo, a pretexto de reformar ou revolucionar a ordem social. Consoante comenta Peter Singer, apresentando a obra de Stuart Mill a respeito do socialismo, o comunismo, ou o socialismo, eram apenas projetos, sem terem passado pelo teste da realidade. Seria necessário, segundo Mill, que as propostas alternativas ao sistema vigente de propriedade privada fossem praticadas em escala e por tempo suficiente, para que suas implicações se revelassem de maneira clara, sem o que seria impossível demonstrar sua superioridade em relação ao sistema atual. Essa postura, segundo o autor da introdução dessa obra, é mais razoável que a de Marx, pois implica numa visão mais falibilista e crítica da ciência, ao contrário daquela mantida pelos autores do século XIX, que acreditavam poder deduzir o futuro de leis “cientificamente” formuladas a respeito da sociedade.

Conforme ainda Peter Singer, John Stuart Mill “percebeu que o capitalismo era afinal de contas aperfeiçoável” e estava correto “em sua postura pragmática em relação aos projetos socialistas e comunistas. O seu ceticismo é bem-vindo sobretudo no que se refere à recusa do recurso à violência, quando as vias de luta institucional não se encontram fechadas.  A luta pela igualdade e pela justiça social tem sido e ainda é pretexto para muitas práticas autoritárias. John Stuart Mill nos faz compreender que as liberdades e os direitos políticos são indispensáveis para que a igualdade e a justiça social sejam perenes”. (MILL, Ensaios sobre o Socialismo, pag. 26).

Também defende que, resolvido o problema da produção, a humanidade se dedique a outros fins que não o do progresso incessante que aumenta o consumo de coisas que trazem pouco ou nenhum prazer, e que devastem a natureza. (MILL, Princípios de Economia Política, pag. 217).

*Luciano Caldas Camerino é professor do Departamento de Filosofia da UFJF e autor do livro O liberalismo social em John Stuart Mill e Norberto Bobbio

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