As causas do debilitamento do liberalismo no século XX (II)

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KEYNES(Para ler a primeira parte deste artigo, consulte o link: http://www.institutoliberal.org.br/blog/as-causas-do-debilitamento-do-liberalismo-no-seculo-xx-i/)

O holismo-animista trata os membros individuais de uma comunidade como se fossem um agregado, um todo. Pior ainda, um todo com atributos humanos: memória, honra, propósitos, etc. No holismo-animista os indivíduos são substituídos por uma entidade abstrata – o país – que adquire concretude e virtudes humanas, entre as quais a capacidade de ter propósitos próprios e mais importantes do que os dos membros individuais da comunidade. Resulta daí uma sociedade parecida com a dos animais gregários, na qual os cidadãos estão a serviço do país e, portanto, diferentemente de uma ordem social onde os governantes estejam a serviço dos cidadãos. Em síntese, o holismo-animista gera sociedades não liberais, nas quais os cidadãos são sufocados pelos interesses do “país”: Deutshland Uber Alles! A crítica liberal alerta contra os fantasmas holistas-animistas que tanto sofrimento causaram durante o século XX.

Mas não foram apenas o exagero racionalista e o surrealismo holista-animista que comprometeram a prática liberal no século XX. Houve pelo menos três fenômenos históricos que igualmente alimentaram o estatismo: as guerras, as crises econômicas e o ideal do desenvolvimento econômico. O estado de guerra é uma situação excepcional que coloca direitos individuais de quarentena e privilegia os propósitos do Estado. É o caldo de cultura, o ágar-ágar do holismo-animista, que faz crescer o governo à custa da liberdade dos cidadãos. Não há ordem liberal que resista a uma situação de guerra. E o século XX teve muitas, de várias escalas e duração, diferentes lugares e os mais variados motivos. Como guerra e liberalismo não são compatíveis, sobrou o pior, no século XX, para o liberalismo.

Além das guerras do século XX, houve a Grande Depressão de 1929 para conspirar contra o liberalismo. A ideia subversiva – o adjetivo me pareceu apropriado – que surgiu na chamada “Crise dos Anos 30” foi a de que o mercado, deixado livre, acabava criando sua própria ruína. Assim sendo, a ação deliberada e racional das autoridades era reclamada para disciplinar o mercado, evitando as suas impropriedades. O mercado falhava devido, em parte, à falta de poderes do FRS (Federal Reserve System), o Banco Central americano, para enfrentar os ciclos econômicos.

Além de uma suposta falha de mercado, associada à suposta falta de poderes por parte do FRS, que conjuntamente responderia pela Crise de 29, criou-se a ideia de que para sair da crise se fazia necessária uma ação estatal  mais enérgica no mercado, para reanimar a debilitada demanda agregada. A solução seria o aumento dos gastos públicos, ideia keynesiana assimilada pelo presidente Roosevelt e que serviu de fundamento de política econômica para o New Deal. (Sobre o assunto, recomendo a leitura do capítulo sobre a grande depressão – Free to Choose – de Milton Friedman.)

Foi exatamente em meados dos anos 30 que surgiu o que hoje se conhece como macroeconomia, de inspiração keynesiana, formulada na base de relações funcionais entre grandes agregados, consumo (C), investimento (I), poupança (S) e renda nacional (Y). Como esses agregados são, conforme o nome sugere, somas de consumo, investimentos e poupanças individuais, surge o problema de saber quem seria o sujeito da ação. Não é difícil concluir que em matéria de política econômica seria o governo, uma conclusão inteiramente compatível com a ideia do holismo-animista que fundamenta as políticas anticíclicas dominantes no século XX.

No campo econômico houve outro fenômeno de enorme importância na expansão do estatismo: a busca deliberada do desenvolvimento econômico. Para os liberais, o processo econômico gerador de prosperidade material decorre da livre ação dos agentes econômicos; é um subproduto espontâneo, não deliberado da busca, pelos agentes individuais, de seus próprios interesses particulares. Essa ideia do caráter não propositado do desenvolvimento econômico está exposta no livro A Riqueza das Nações (1776), do escocês Adam Smith.

Durante o século XX, especialmente após a II Guerra Mundial e a experiência soviética em planejamento econômico, proliferaram os esforços dos economistas para analisar e entender o fenômeno da prosperidade. Simultaneamente, acumularam-se progressivamente as tentativas de criação de instrumentos “técnicos” para a ação deliberada do governo na geração e na condução do desenvolvimento econômico, desde matrizes de insumo-produto a modelos matemáticos extremamente sofisticados de planejamento econômico. Na realidade, tratou-se de enorme desperdício de tempo, talento e dinheiro; a história se encarregou de mostrar que Adam Smith estava certo: a riqueza das nações decorre da ação individual autônoma num ambiente social respeitador dos direitos de propriedade e dos contratos livremente firmados entre cidadãos livres. A evidência empírica disponível é clara: a melhoria das condições materiais de vida dos povos depende da existência da liberdade, especialmente da liberdade econômica. Esta, por sua vez, depende de instituições que tornem eficazes os direitos humanos, especialmente a liberdade, os direitos de propriedade e a busca individual da felicidade. Essas instituições são o Estado de Direito e a economia de livre mercado.

Artigo retirado do livro de crônicas Og Leme, um liberal, editado pelo Instituto Liberal em 2011 e à venda em nossa livraria por R$ 10,00 (frete não incluso). Adquira essa e outras obras e colabore com o trabalho do IL.
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Og Leme

Og Leme

Og Leme foi um dos fundadores do Instituto Liberal, permanecendo por décadas como lastro intelectual da instituição. Com formação acadêmica em Ciências Sociais, Direito e Economia, chegou a fazer doutorado pela Universidade de Chicago, quando foi aluno de notáveis como Milton Friedman e Frank Knight. Em sua carreira, foi professor da FGV, trabalhou como economista da ONU e participou da Assessoria Econômica do Ministro Roberto Campos. O didatismo e a simplicidade de Og na exposição de ideias atraíam e fascinavam estudantes, intelectuais, empresários, militares, juristas, professores e jornalistas. Faleceu em 2004, aos 81 anos, deixando um imenso legado ao movimento liberal brasileiro.

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