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Alhos com bugalhos – “Too Big to Fail” para Empreiteiras?

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Por incrível que pareça, tenho ouvido um argumento cretino no sentido de que a Polícia Federal e o Juiz Sérgio Mouro não podem (ou não devem) investigar as empreiteiras a fundo na “Operação Lava Jato” (o famoso “Petrolão”). Sabem qual é o fundamento dessa gente? Se estiverem de pé, por favor, por favor sentem-se: “caso as empreiteiras se tornem inidôneas, o Brasil para”. Não é piada de mau gosto. Tem muita gente falando essa abobrinha.

É o bom e velho argumento “Grande Demais para Quebrar” (“Too Big to Fail”). A turminha tomou essa tese – muito falada durante a última crise financeira americana – de empréstimo para, pasmem, adotá-la com relação às empreiteiras que, em certa medida, controlam boa parte de nosso país há décadas. Lembrem-se que elas financiam as campanhas de quase todos os políticos. É como se apostassem em todos os principais cavalos de uma corrida.

Todavia, a utilização dessa tese no caso concreto é absolutamente indevida. Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra – não se aplica o “Too Big to Fail” para empreiteiras. Vejamos, para fins de exemplo, uma situação em que o conceito se aplica. Durante o Governo FHC foi necessário sanear o sistema financeiro. Mas, vejam a precisa explicação sobre questão apresentada por Roberto Campos no Programa Roda Viva de 1997:

Eleonora de Lucena: Eu queria perguntar sobre a questão do Estado mínimo, que o senhor defende com muita ênfase. Eu queria saber a sua opinião sobre os gastos que o governo tem feito no programa de socorro a bancos, já foram consumidos 20 bilhões. O senhor acha que esse gasto é bem-vindo, ele deve ser feito ou o governo deveria deixar o mercado simplesmente atuar e os bancos quebrarem? O Estado deve intervir, deve socorrer os bancos ou não?

Roberto Campos: Eu diria que mundialmente nenhum país ousa deixar que haja uma crise monetária, porque ela destrói todo o sistema financeiro, e os prejudicados não são apenas os bancos, não são sequer principalmente os bancos, são os depositantes. Você pode simplesmente destruir o ânimo de poupar. Por isso em todo mundo, Japão, Coréia agora, Estados Unidos, Argentina, em todo mundo, quando há uma crise bancária, o governo tem que intervir.

Eleonora de Lucena: Então nesse mercado não tem risco?

Roberto Campos: Dizem aqui no Brasil “o governo sai gastando o dinheiro público, que podia estar sendo aplicado em educação, saúde, para salvar bancos”. Em primeiro lugar, o dinheiro aplicado nos bancos não é para salvar os bancos. Os banqueiros ficam com os bens inalienáveis e indisponíveis. Eles são punidos e severamente punidos, eles passam a ser leprosos na vida empresarial. Os socorridos são os depositantes, são os milhões de depositantes e são socorridos para que se evite um pânico. E o dinheiro não é dinheiro do governo. É dinheiro dos depósitos compulsórios, que pertencem aos bancos e que foram surrupiados pelo Banco Central sob o pretexto de fazer política monetária. Não podendo o governo conter seus gastos, ele prefere fazer um enxugamento monetário, recolhendo os depósitos dos bancos. Então o que o governo está fazendo é devolvendo ao sistema bancário aquilo que dele tirou. Aliás, isso é que o Estado faz. Essa história de que o Estado é bonzinho, o Estado dá isso, o Estado dá aquilo. O Estado não dá nada ao povo sem que primeiro dele não tenha tirado. O governo não está dando nada aos bancos, porque o governo não tirou dos bancos.

Eleonora de Lucena: Mas esse mercado acaba ficando sem risco nenhum?

Roberto Campos: Os bancos, tais como existiram, desapareceram. E os seus proprietários estão hoje proscritos na comunidade. Têm os bens indisponíveis, foram severamente punidos. Houve um expurgo do sistema bancário.

Marco Aurélio Garcia: Mas os especuladores que foram para esses bancos sabidamente de risco – porque isso era um “segredo de Polichinelo” – foram beneficiados [expressão que faz referência ao personagem característico da Commedia Dell’Arte e que significa: aquilo que todos já sabem, que deixou de ser segredo]. Se tivesse fixado um teto, digamos, “vamos proteger os depósitos até tanto”, o seu argumento teria alguma procedência. Como não foi isso, nós sabemos perfeitamente que os grandes beneficiários do Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional] são os grandes especuladores, que estavam investindo nesses bancos como quem investe num cassino que já se sabe que estava mais ou menos ameaçado.

Roberto Campos: O problema é a dificuldade de você distinguir entre o que é especulador, o que é o cidadão que temporariamente mobiliza o seu capital, deposita o seu capital de giro num banco e o pequeno poupador. Nem sempre é fácil fazer isso. O problema é que se você destrói a confiança no sistema, os efeitos são incalculáveis. Você pode consumir, como ocorreu na Venezuela, mais de 15% do PIB com uma crise bancária.

Marco Aurélio Garcia: Mas a Venezuela continua existindo. Eu tenho as minhas dúvidas, deputado…

Roberto Campos: Ela perdeu substância, deixou de crescer, desvalorizou-se no sistema financeiro internacional por causa de uma crise bancária. É muito perigoso.”

Volto agora. A distinção dos cenários é por demais simples. Todos os problemas que seriam enfrentados por uma quebra do sistema financeiro não são os mesmo do expurgo de empreiteiras. Explico: atualmente, as grandes empresas deste setor costumam elaborar contratos de EPC (“Engineering, procurement and construction”). Em poucas palavras, nessa modalidade de contratação as empreiteiras de grande porte subcontratam empresas menores e administram o “andar da carruagem”. Ora, o que impede uma empresa estrangeira de fazer o mesmo no Brasil? Nada, absolutamente nada!

Não há, portanto, qualquer risco de o país parar em razão das mastodônticas empreiteiras nacionais. A solução é simples, basta abrir o mercado e retirar as barreiras de entrada (dentre elas, reduzir a tributação de estrangeiros que pretenderem trazer capital produtivo ao nosso país). Falar em crise sistêmica e paralisia – o que de fato ocorreria com relação ao sistema financeiro – é fazer pouco caso do brasileiro para defender uma saída de impunidade (esse nosso mal endêmico).

Termino com um alerta, esse tipo de pensamento estimula o Risco Moral (“Moral Hazard”). Esse fenômeno ocorre quando os riscos são assumidos por terceiros que não foram partes na tomada de decisão. Desta forma, como o tomador de risco (“Risk Taker”) não assume as consequências, ele fica cada vez mais estimulado a correr mais riscos. É isso que queremos para o Brasil (???), grupos de qualquer natureza que assumem riscos e pedem aos demais para pagar a conta? Espero que não. Caso contrário, realmente esse país não tem solução.

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Leonardo Correa

Leonardo Correa

Advogado e LLM pela University of Pennsylvania, articulista no Instituto Liberal.

Um comentário em “Alhos com bugalhos – “Too Big to Fail” para Empreiteiras?

  • Avatar
    30/11/2014 em 12:17 am
    Permalink

    Há quem diga que meia dizia de empreiteiras brasileiríssimas de menor porte se tornarão grandes de um dia para o outro para substituírem as “big four” das empreiteiras. Apesar de ser uma inteligente estratégia (abrir mercado para que empreiteiras estrangeiras entrem), acho pouco provável que nossos alienados e olhudos governantes permitam tal fato, isso porque a cada prévia de mandato uma chuva de investimentos são lançados nas campanhas.

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