Ainda a liberação da maconha

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O presidente deste Instituto, Rodrigo Constantino, escreveu hoje em seu blog na Veja um comentário a respeito das incoerências da esquerda politicamente correta em relação à liberação da maconha.  O artigo é bastante oportuno, uma vez que, de fato, ao mesmo tempo em que defende a liberalização da maconha, a esquerda prega a proibição do consumo de uma série de substâncias, como tabaco, gorduras trans, açúcares, etc.

Ora, não é possível que alguém ache que o consumo de maconha é inócuo.  É mais do que óbvio que se trata de uma droga que causa efeitos colaterais no organismo, além das sensações imediatas no cérebro.  Trata-se de uma contradição insanável, portanto, defender a liberação da maconha e, concomitantemente, a proibição de outros produtos, como os já citados.

Dito isso, gostaria de responder algumas perguntas que o presidente deixou no ar, demonstrando dúvidas em relação à oportunidade de defendermos a liberação da maconha nesse momento.  Vamos a elas:

“Seremos cobaias quando tantos países mais liberais e desenvolvidos ainda evitam dar esse passo?”

Alguns países já deram tal passo e não me parece que estejam enfrentando catástrofes sociais por causa disso.  De cabeça, lembro os casos da Holanda, de Portugal, do Uruguai e de alguns estados norte-americanos.

“Vamos priorizar essa reforma quando tantas outras, infinitamente mais urgentes, são necessárias?”

Concordo que podemos ter outras reformas mais urgentes. Acho, entretanto, que uma coisa não impede a outra.  Falando estritamente em termos pragmáticos, devemos priorizar as reformas que sejam não só urgentes para os liberais, mas também exequíveis.  Lembro-me ainda hoje do famoso plebiscito sobre as armas, quando liberais e conservadores uniram forças para vencer, ainda que aquilo não tenha modificado quase nada em nossas vidas.  Mas era importante mostrar que a liberdade é um valor elevado e que o proibicionismo não pode e não deve prosperar.

“Sem uma cultura de responsabilidade individual, indissociável da liberdade, criaremos a “estatização do maconheiro”, com os custos de seus atos recaindo sobre todos nós?”

Bem, se vamos esperar que a cultura da responsabilidade individual esteja consolidada no país para, somente depois disso, lutarmos por aqueles princípios que achamos corretos, toda e qualquer batalha liberal deve ser deixada de lado por enquanto, desde a liberdade para adquirir e manter armas de fogo, até o direito de tomar empréstimo num banco, exercer uma atividade profissional qualquer ou mesmo a redução da maioridade penal.  Aliás, esse argumento é análogo àquele utilizado amiúde pelos próprios esquerdistas para tentar nos impor sua agenda proibicionista.

Segundo o raciocínio, o sujeito que, por exemplo, se recusa a usar o cinto de segurança está prejudicando toda a sociedade, uma vez que, se ele sofrer um acidente e tiver ferimentos graves, o Estado irá cuidar dele.

Tal argumento, embora cada vez mais em voga, principalmente por parte da esquerda, é problemático. Vamos supor que vivemos num mundo em que não existam serviços públicos de saúde.  Neste caso, não usar cinto de segurança [ou fumar maconha] seria algo normal e sem maiores consequências. Temos então que, ao criar e subvencionar sistemas públicos de saúde, o Estado pode transformar comportamentos absolutamente inocentes em crimes.

A questão central, portanto, conforme colocada por Fernando Teson, é a seguinte: um comportamento inocente pode tornar-se moralmente criminoso apenas porque o Estado resolveu subsidiar alguns serviços que antes não eram subvencionados?

“Se a legalização da maconha não for a panaceia prometida e não resolver nada em relação ao crime nas favelas, até porque os traficantes dominam hoje inclusive mercados legais, o próximo passo será legalizar a cocaína e o crack? Vão alegar que foi feito pouco na direção de liberar geral se a coisa não funcionar direito?”

De minha parte, nunca defendi a liberação da maconha como panacea ou como forma de diminuir a criminalidade.  Não acredito nisso.  Não acho que os bandidos largarão o crime por conta disso, apenas que mudarão o foco.  Agora, acho um salto lógico imenso, um exercício de futurologia tremendo, imaginar que, se não ocorrer uma redução dos índices de criminalidade, o próximo passo será legalizar a cocaína e o crack.  É muito mais razoável que ocorra o inverso.

“Sendo o Brasil um pioneiro, vamos atrair viciados de todos os tipos como um paraíso dos drogados?”

Embora não sejamos pioneiros, de fato, pode ser que aumente sim o afluxo de viciados a procura de maconha liberada. Mas isso também pode ser uma forma de incentivar o turismo.  Parece que isso está ocorrendo no Colorado, para onde muitos americanos estão indo desde que a comercialização da erva foi liberada.

“As Farc e os traficantes vão virar empresas oficiais?”

Pelo contrário.  Os traficantes vão ganhar concorrência de peso.  Empresas estabelecidas e regulares vão oferecer produtos muito mais “limpos” e os consumidores terão muito mais certeza de que aquele produto contém apenas o que eles desejam.  Na verdade, a liberação da produção e do comércio é a melhor forma de tirar o consumidor das mãos dos traficantes.  Eu, se consumidor fosse, preferiria mil vezes comprar maconha de uma Souza Cruz ou de qualquer empresário legalmente estabelecido do que de um traficante.

“O consumo vai aumentar muito? Qual o impacto disso na sociedade? Será mais difícil evitar a venda para menores de idade, como ocorre hoje com o álcool?”

Não dá para dizer.  Em Portugal parece que isso não ocorreu.  Quanto ao outro item, não faz sentido proibir o consumo de qualquer coisa pelos adultos sob a alegação de que a polícia não consegue fiscalizar a venda para menores.  Assim fosse, deveríamos aplaudir as medidas propostas para proibir o tabaco, o álcool ou qualquer atividade proibida para menores, como dirigir automóveis, por exemplo.  Não acho que seja razoável defender esse tipo de coisa.

Enfim, para sermos coerentes, se uma atividade deve ser proibida ou autorizada de acordo com os níveis de risco ou com os possíveis impactos na sociedade, deveríamos defender e aplaudir também a proibição de bebidas, esportes radicais, o consumo de açúcares, gorduras, remédios, cigarros, etc… Se tais atividades são admitidas, malgrado todos os perigos a elas inerentes e dos elevados custos que uma medicina socializada nos impõe, é porque consideramos que temos o direito de escolher o nosso próprio caminho, de buscar a própria felicidade de acordo com os nossos valores e avaliações, não os do governo, dos cientistas, dos políticos ou de qualquer outra entidade.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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