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A abundância é melhor do que a escassez?

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Sempre que as nossas exportações crescem, produzem um clima de rejúbilo no país, que pode ser medido pelas notícias exultantes da mídia especializada. Por outro lado, quando são as importações que crescem, a consternação da nação é logo sentida. Peguem, por exemplo, esta notícia, publicada há poucos dias no maior portal de internet do país.  Importações maiores que exportações logo denotam que há algo errado, que estamos “no vermelho”, prestes a falir.  As pessoas não se dão conta de que as transações correntes são parte de uma conta maior, o balanço de pagamentos, e que este último sempre fechará em equilíbrio, quer as transações correntes sejam deficitárias ou superavitárias.

Imagine uma transação comercial casada, efetuada por empresários chineses.  Eles nos venderam bens e insumos no valor total de um bilhão de dólares, e fizeram investimentos diretos no país em valor equivalente (montando uma fábrica, por exemplo).  Embora o resultado em transações correntes desse negócio específico seja um déficit de um bilhão, ele foi coberto pelo investimento direto realizado.  Portanto, desde que os déficits não sejam financiados com dívida, principalmente dívida pública, não acarretarão qualquer problema, e, caso a taxa de câmbio seja flutuante e livre, em longo prazo os próprios resultados das transações correntes tenderão ao equilíbrio.

Mas quem melhor explicou as desvantagens da mentalidade protecionista e mercantilista foi o velho Bastiat, com sua famosa pergunta: “O que é afinal melhor para os indivíduos e para a sociedade, a abundância ou a escassez?” Por que tantos se deixam engabelar pela velha ladainha protecionista, aumentando sem cessar o coro dos que demonizam as importações? De que afinal eles têm medo?

São três as causas da imensa popularidade das políticas protecionistas mundo afora:

Primeiro, seus beneficiários (representados por sindicatos de empresários e trabalhadores) são concentrados e barulhentos, o que os torna importantes aos olhos dos políticos e da mídia, enquanto os prejudicados (o resto da sociedade, que paga a conta) são difusos e, por isso, quase invisíveis. Os lucros auferidos pelos primeiros também são muito concentrados, enquanto os prejuízos dos últimos são dispersos. Assim, a imposição de tarifas alfandegárias a determinado produto é bem capaz de enriquecer uma meia-dúzia de produtores locais, embora o custo adicional pago pelos consumidores, individualmente, possa parecer quase desprezível.

Em segundo lugar, a maioria das pessoas costuma confundir dinheiro com riqueza, como se a simples posse de uma montanha de dinheiro (reservas) nos fizesse mais ricos. Quem dera assim fosse, pois seria muitíssimo fácil eliminarmos a pobreza da face da terra, bastando um punhado de papel e tinta. Infelizmente, no mundo real a coisa funciona de forma diferente, já que, como bem disse Milton Friedman, não podemos comer dinheiro, beber dinheiro, vestir dinheiro, calçar dinheiro, viajar no dinheiro, etc.

Houve um tempo, é justo que se diga, quando tínhamos uma dívida externa considerável a pagar, em que fazia algum sentido o esforço do país para acumular superávits na balança comercial e, conseqüentemente, obter o volume de divisas necessário e suficiente para o pagamento dos nossos compromissos.  Hoje em dia, a acumulação de reservas cambiais nada mais é do que exportação líquida poupança.

A terceira razão deriva do fato de que muitos ainda enxergam o trabalho como um fim, e não simplesmente um meio para o alcance dos verdadeiros fins, que são a obtenção de bens e serviços, ou seja, o consumo de coisas que nos permitem a subsistência e facilitam o bem-estar. Assim como o remédio é somente um dos meios que utilizamos para alcançar o real objetivo – a saúde -, o trabalho não é outra coisa senão o meio que normalmente empregamos para obter aquilo que nos proporciona bem estar, este sim, o verdadeiro fim – ao menos na esfera material.

Robinson Crusoe certamente não teria qualquer problema para reconhecer que a abundância é sempre melhor do que a escassez. Para ele, seria evidente que a fartura de recursos e de produtos à sua disposição lhe é muito mais vantajosa. Nenhum ser solitário pensaria em devolver os excedentes de uma boa pescaria ao mar ou queimar os frutos de uma colheita farta a fim de valorizar o próprio trabalho do dia seguinte. Esse homem entenderia facilmente que o trabalho não é um fim em si mesmo, mas apenas uma ferramenta para a obtenção do que realmente lhe interessa.

Ocorre que, diferentemente de Robinson Crusoe, no universo social somos ao mesmo tempo produtores e consumidores. Como brilhantemente nos ensina Bastiat, enquanto produtores, nos beneficiamos da escassez, porém, como consumidores, é a abundância que nos interessa, já que o consumidor se torna mais rico na medida em que pode comprar bens e serviços sempre mais baratos. Assim, se analisarmos a coisa apenas pela ótica dos interesses de cada um, estaremos diante de um dilema. Como produtores e vendedores, desejamos a escassez, ou seja, quanto menor o número de concorrentes ofertando os produtos e serviços de que somos especialistas, e maior o universo de pessoas dispostas a comprar aquilo que produzimos, melhor. Como consumidores, por outro lado, visamos à abundância, pois quanto maior a oferta dos produtos de que precisamos, mais bem servidos estaremos.

Como estes dois interesses são absolutamente incompatíveis entre si, apenas um deles será necessariamente coincidente com o interesse geral da sociedade, enquanto o outro lhe será hostil. Como lidar com tal antagonismo? Devemos ficar do lado dos produtores, contra os consumidores, vale dizer, em favor dos preços altos e não dos baixos? Devemos incentivar a escassez, no lugar de facilitar a abundância? Devemos, enfim, incentivar e aplaudir as leis protecionistas, que operam dentro da lógica de que a riqueza de uma nação é inversamente proporcional à quantidade de produtos e serviços disponíveis? Ou será que o correto seria privilegiar a abundância?

Responda você mesmo, estimado leitor.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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