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A presença da liberdade pelo mundo e por que é tão urgente defendê-la

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Desde quando começamos nossa formação escolar – ou ao menos essa foi a minha experiência pessoal -, é costume sermos bombardeados com a propaganda da democracia, da liberdade de expressão e das liberdades individuais. Infelizmente, em geral, essas ideias são “lançadas” de forma vaga e, posteriormente, esses mesmos termos são instrumentalizados e, associados a uma abstrata “justiça social”, empregados para dizer o contrário do que efetivamente significam. Garantir esses bens passa a exigir o concurso de medidas que, ao fim das contas, acabam por aniquilá-los. Seja como for, em uma fase inicial, às vezes temos a impressão de que a constituição da sociedade de forma liberal-democrática, com essas estruturas básicas como Estado de Direito e império da lei, é um modelo amplamente aceito e aplicado pelo mundo, e que, no próprio Brasil, ele é uma realidade perfeitamente concretizada. Caso ampliemos nossos horizontes de percepção, de pronto percebemos quão distante isso está da realidade.

As ideias liberais-democráticas, associando uma maior participação dos cidadãos no processo decisório dos rumos nacionais, mas, ao mesmo tempo, resguardando prerrogativas individuais e preservando o Estado em limites em que ele não avance tiranicamente sobre elas, são resultado de um longo processo de elaborações culturais e filosóficas que as fizeram chegar ao estado em que chegaram, passando, por exemplo, pelas ricas experiências nas sociedades da Grécia e de Roma. Como realidades concretas, com os moldes com que hoje as compreendemos, no entanto, são bastante recentes, a se considerar o tempo de existência da humanidade. Desde os povos primitivos, em que sequer a ideia de Estado e organização social complexa fazia sentido; passando pelos impérios da Antiguidade, nos quais os governantes eram divinizados e a escravidão, comum; até a servidão do feudalismo e o absolutismo monárquico, séculos e gerações se passaram sem que uma grande parte da humanidade conhecesse, na prática, os conceitos de uma democracia liberal. A partir do Liberalismo clássico, com as reflexões de pensadores como Locke, essas ideias e as tensões internas entre elas começaram a ser discutidas e a se incorporarem no dia-a-dia de várias sociedades. Ainda existe um profundo legado antiliberal e coletivista que embasa resistências e preconceitos, embora geralmente apresentados sob a forma de doutrinas modernas que se propõem a resolver os problemas da sociedade com mais eficiência, rompendo com as preocupações realistas dos liberais e apostando em delírios opressores e sangrentos.

Consultando hoje os índices de liberdade de imprensa no mundo – um dos pilares da liberdade, a partir do qual a população pode fiscalizar e criticar seus governos -, anualmente compilado pela organização Repórteres sem Fronteiras, constatamos que os países classificados com “situação satisfatória” ou “boa” se concentram na América do Norte, na parte mais ocidental da Europa, no sul da África e na Oceania, com algumas poucas exceções. Todo o resto do mundo está compreendido em uma faixa que vai de “situação muito séria” até “problemas visíveis”. Em relação à liberdade econômica, que pensadores como Hayek consideram ser essencial para que haja liberdade política, as economias consideradas “livres” ou com “boa liberdade” pelo ranking do Index of Economic Freedom, da Heritage Foundation, que analisa 178 países, somam apenas 34. São 56 os países com “moderada liberdade”, 61 os com “pouca liberdade” e 27 os considerados “repressores”. Já o índice de democracias pelo mundo da revista The Economist, avaliado em 2012, contabiliza muito poucos regimes dentro da categoria que eles consideram como sendo “democracias plenas”, a partir de critérios como processo eleitoral e participação política. Da África para o Oriente, abundam regimes autoritários na classificação, sendo que ela dá conta de que a Venezuela de tiranetes como Chávez e Maduro, por exemplo, seria apenas um “regime híbrido”.

Está claro, pelos números de indicadores importantes para definir as posições institucionais dos países quanto aos princípios liberais-democráticos, que ainda há muito a ser feito, que essas ideias são recentes, foram abraçadas como tradições sólidas por poucos países e segue havendo o que lutar para que sejam preservadas e se aprimorem. Mais claro fica se tornarmos tudo isso mais concreto, fazendo uma breve e genérica excursão pelo planeta em que vivemos.

Comecemos pela América do Norte, onde as coisas vão relativamente bem. Lá temos o Canadá, com elevada liberdade econômica, fortes indicadores sociais e uma democracia sólida, em que estão devidamente representados liberais, conservadores e sociais democratas. Os Estados Unidos, imensa nação, com sua conhecida e profunda tradição de liberdade e ordem, vivenciam alguma polêmica diante de alegadas restrições a liberdades civis e à privacidade em razão da guerra ao terror desde o governo Bush, e veem tentativas de avanços também sobre a liberdade econômica a partir da administração Obama, que representa uma caminhada ainda mais para a esquerda do Partido Democrata. Apesar disso, os Republicanos tomaram o Senado, o que prova que eles têm instituições democráticas muito mais fortes, além de uma oposição com presença popular e consciência política. Por lá mesmo, porém, existe o México, que tem uma história muito complicada em matéria de “democracia”, partindo da ditadura do Porfiriato, atravessando a Revolução Mexicana e culminando em sete décadas de domínio do Partido Revolucionário, colocando em xeque a lisura das votações.

Descendo para a América Latina, a realidade fica mais sombria e preocupante. Quase todos os países têm processos eleitorais cumpridos ritualmente, mas em que isso é uma total garantia de respeito às liberdades? São nações com um histórico de fortes intermitências no processo democrático e golpes de Estado, que atravessaram ditaduras militares recentes e hoje, enfrentam governos que, reunidos ideologicamente sob a simbologia e a organização do Foro de São Paulo (entidade criada em 1990 para reunir partidos e movimentos de esquerda do continente), apresentam um forte ranço de desrespeito aos pilares e valores que defendemos, já tendo conseguido progressos em sua agenda terrível em países como Argentina, Bolívia, Venezuela e – ainda que com peculiaridades e enfrentando um cenário particular – o nosso Brasil. Tudo isso alimentado por uma antiga inspiração das nossas esquerdas pela longeva ditadura cubana, dos irmãos Castro.

Atravessando o oceano, vamos encontrar, na África, uma porção de ditaduras e regimes centralizadores que, obstaculizando essas liberdades, condenam milhares à miséria e à fome, ao mesmo tempo em que os socialistas do Ocidente, crentes de sua esperteza, acusam por isso o capitalismo internacional e o livre mercado. No Oriente Médio, onde o problema do Islã político, que estende suas teias ao planeta através, entre outros meios, do terrorismo, se revela em sua inteireza, vemos desde regimes teocráticos até ditaduras com características mais laicas, algumas influenciadas por ideários de esquerda trazidos do Ocidente. O conflito de Israel, uma democracia avançada, com grupos terroristas como o Hamas, que se apresentam como autoridades políticas, é emblemático das dificuldades enfrentadas por aquelas bandas.

A Europa engloba as democracias mais consolidadas; ainda assim, os governos sociais democratas e os problemas econômicos vêm acirrando os debates, e, embora partidos liberais se levantem questionando o modelo da União Europeia e as práticas intervencionistas, também existem legendas nacionalistas e protecionistas se erguendo com discursos estatizantes e pregando a devolução da “glória da Europa”. Nada ainda que se compare ao que vemos nas enormes porções de terra mais orientais. A China é sabidamente uma ditadura comunista, com características especiais de economia de mercado desde as reformas de Deng Xiao Ping; uma imensa população, submetida a um governo autoritário e sem liberdades garantidas.

Temos ainda a Rússia de Vladimir Putin, merecedora de análises muito mais aprofundadas, com sua longa tradição de absolutismo, remontando ao czarado, sucedida pelo totalitarismo comunista soviético. Após a queda da URSS, houve uma introdução de direcionamentos mais liberais e democráticos ao sistema do país, mas já era de se imaginar que não seria nada fácil desafiar toda a estrutura secular de Estado grande e restrições às liberdades lá existentes. Já se acumulam críticas ao tratamento do presidente a seus opositores e às suas atitudes em política externa, vistas como perigosamente “expansionistas” por lideranças ocidentais, além de as doutrinas do importante e influente ideólogo Alexandr Dugin terem implicações profundamente antiliberais.

A liberdade não é, parece-nos evidente, uma realidade estabelecida, segura e intocável. É um bem precioso, que luta para dialogar com os obstáculos e as conformações culturais de  cada contexto, de cada continente, de cada país, de cada lugar. Como entidade abstrata, ela trava essa luta através de cada um de nós, seus propagandistas e defensores, cientes do quanto ela é benéfica – até mesmo aos que a combatem. Para todo o mundo, ela foi e é uma novidade, e é urgente que usemos todas as boas armas à nossa disposição em sua defesa.

 

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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