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A política racista adotada pelas Lojas Magazine Luiza

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Em episódio bem divulgado pela imprensa e pelas mídias sociais, as Lojas Magazine Luiza, uma das maiores sociedades do país, estabeleceu que para seu próximo programa de trainees só aceitará candidatos negros. A intenção, segundo a empresa, é conferir mais diversidade ao seu quadro de funcionários.

Em sequência à adoção da medida, uma enorme quantidade de pessoas não só tomou conhecimento da ação, como se posicionou, contra ou a favor. Aliás, parece que o principal e mais imediato objetivo da ação foi de fato alcançado: a estratégia de marketing. Se, entretanto, ser o assunto mais comentado – e a propósito também gerando uma enorme quantidade de insatisfação – resultará em maior lucratividade é outra história, a ser verificada com o tempo.

Em todo caso, o texto em tela se propõe a analisar o episódio e alguns dos principais argumentos levantados nas discussões que se seguiram. Assim, inicialmente, há que se ponderar por que – fora marketing – a empresa teria adotado a ação.

“-Ora, para promover diversidade”, diriam alguns – e, entretanto, há que se lembrar que os processos seletivos adotados pela Magazine Luiza são de responsabilidade da… Magazine Luiza! Assim, se ao notar que sucessivamente a empresa teria deixado pessoas com a pele mais escura de lado, pergunta-se: a empresa agiu assim porque foi racista ou porque nos critérios que entendeu pertinentes candidatos com a pele mais clara se saíram melhores?

Se, na primeira hipótese, a empresa simplesmente foi racista, cabe indagar por que a Magazine Luiza não deixa de ser racista. Se, por outro lado, nos critérios que estabeleceu candidatos com a pele mais clara se saíram melhores, há que se perguntar: que candidatos?

Chamo atenção a este ponto porque automaticamente alguns categorizam “os brancos” como se existisse um grupo homogêneo que pudesse descrever uma parcela da população brasileira a ser chamada de “os brancos”.

“Os brancos”

Imagino que a maioria que aqui me lê já ouviu a expressão comum em Pernambuco e que descreveu uma característica marcante daquele estado por muito tempo: “Quem viver em Pernambuco, há de estar desenganado; ou há de ser Cavalcanti, ou há de ser cavalgado”.

O dito acima descreve como a influência de determinada família – como há muitas outras em diversas regiões do país – marcou uma sociedade, em que seus componentes ocuparam seus cargos mais altos, perfazendo a elite daquela região. A partir de então, o que alguns fazem é olhar a composição daquela sociedade por uma lente de cunho racial e concluir: “Bom, se a grande maioria da elite dessa região é composta por brancos, logo está demonstrado racismo nessa sociedade que requer uma reparação igualmente racial.”

No entanto, o erro dessa conclusão é evidente, pois desconsidera totalmente que não tenha havido qualquer ascensão social de um Silva branco, desde a época do Império até hoje, dividindo o Silva as mesmas vielas dos Santos negros, ou dos seus descendentes Silva Santos pardos. Aliás, esses últimos, que compõem a maior parte da população brasileira, são categorizados ora como brancos, ora como negros, a depender de que estatística se pretende divulgar.

A conclusão indicada anteriormente é míope e defende o uso do racismo contra os Silva porque os Cavalcanti, ou os Sarney, ou os Calheiros, compuseram a elite de determinadas sociedades, como se os Silva tivessem contado ao longo da História com qualquer especial facilidade própria dos Sarney, dos Cavalcanti ou dos Calheiros. Qual foi a grande facilidade que sertanejos miseráveis tiveram ao longo das décadas no Brasil, nos rincões em que viviam, por simplesmente se parecerem com Sarneys ou Calheiros? Que base tem a culpa que se lhes quer imputar simplesmente por sua cor?

Essa verificação, ademais, referente à correlação entre origens familiares e renda na sociedade brasileira, já foi objeto de diversas publicações, entre as quais as de Leonardo Moansterio, do IPEA. Nesse ponto, é importante chamar atenção a outro argumento, tratado a seguir.

Racismo

Há quem diga que não se trata na verdade de racismo, porque não existiria racismo se não houve exploração histórica de determinada “raça” por outra. Essa definição é uma visão restritiva do conceito de racismo, este que é a crença de que existem raças e de que pessoas devem ser tratadas de forma diferente por causa disso. Pela definição restritiva, contudo, se alguma ação não resulta na hierarquização racial prévia, não seria racista. Essa visão restritiva leva a algumas conclusões bem curiosas.

Imagino que muitos têm conhecimento dos massacres ocorridos em Ruanda na década de 1990. Naquela ocasião, integrantes da etnia Hutu mataram centenas de milhares de integrantes da etnia Tutsi. Hutus mataram centenas de milhares de Tutsis com base em um critério revanchista racial; mas segundo a indicada tese de que racismo pressupõe hierarquia, o massacre não teria sido racista.

Hutus não alegaram inicialmente que eram hierarquicamente superiores a Tutsis, mas que as diferenças sociais entre a maioria Hutu e a minoria Tutsi decorreriam de Tutsis terem explorado Hutus. Era o critério racial – racismo – para justificar luta de classes, e que se tornou massacre.

Tutsis eram culpados simplesmente por serem Tutsis, e pouco importava, ainda, que muitos fossem mais pobres que alguns de seus assassinos. Segundo o critério racial, deviam pagar. No entanto, curiosamente, segundo a visão restritiva do que seria racismo, esse massacre racial não seria racismo, uma vez que não houve hierarquização prévia de Hutus sobre Tutsis…

Racismo não pressupõe hierarquia. Racismo é a utilização da crença em raças para tratamento diferenciado, seja porque se crê em hierarquia, seja porque se crê que desvios estatísticos decorrem de exploração de uma raça por outra, o que foi a base do massacre Tutsi, o que é usado para justificar cotas raciais na Malásia ou em outras partes do mundo, como detalhado por Sowell em seu Ação Afirmativa ao Redor do Mundo.

Aliás, se a discriminação com base na raça não fosse racismo e, segundo a visão restritiva, apenas o seria caso viesse a pressupor hierarquia racial, as famigeradas leis Jiw Crow, adotadas no sul dos EUA, não seriam racistas, pois (vejam só!) amparam-se exatamente na alegação de “separados, mas iguais”.

Pessoas com pele escura no sul dos EUA tinham restaurantes próprios, escolas próprias, local definido para beber água, mas uma vez que a alegação das leis era a de estabelecer identidades próprias, de “separados, mas iguais”, não seriam racistas! A ideia me parece absurda.

O tratamento em questão era racista, porque estabelecia tratamento diferenciado, fundado na crença em raças. Se, ademais, com as leis que tratam do racismo no Brasil, um descendente de boliviano que aqui resida for racista com um descendente de chinês, o descendente de chinês poderá se valer da Lei que veda o racismo; mas, pela visão restritiva, nem diante de racismo se estaria, embora claramente seja racismo…

Aproveito o ensejo para citar Magnoli, em seu excelente Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial:

“O “racismo científico” plantou as raças no solo da natureza, definindo-as como famílias humanas separadas pelas suas essências biológicas. Quando a ciência desmoralizou essa crença anacrônica, o multiculturalismo replantou as raças no solo da cultura. O argumento dos multiculturalistas, expresso sob formas diversas mas bastante similares, é que as raças são entidades sociais e culturais. Com base nisso, a política das raças, que parecia condenada a desaparecer na hora da abertura dos campos de extermínio nazistas, ressurgiu triunfante nos mais diversos pontos do planeta.

A produção de raças não exige distinções de cor de pele. Basta – como sabem os nigerianos, os quenianos e os ruandeses – a elaboração de uma narrativa histórica organizada a partir de cânones étnicos e, crucialmente, a inscrição dos grupos raciais nas tábuas da lei. A distribuição de privilégios segundo critérios de etnia ou raça grava nas consciências o senso de pertinência racial. A raça é uma profecia autorrealizável.”

Por fim, trato do último argumento.

É uma empresa privada

Alguns argumentam que se trata de uma empresa privada, que deve poder usar qualquer critério para suas contratações. Entendo perfeitamente esse ponto de vista e reconheço seus méritos, embora não o endosse imediatamente.

Por ele, se uma empresa privada utiliza racismo, não é o governo que deve agir e intervir na empresa, é a própria sociedade que deve boicotar a empresa racista. De fato, pode ser que ao final essa estratégia seja a mais acertada – e particularmente acho que empresas que usam de racismo contra parcelas da população, como no caso analisado, devem ser boicotadas.

No entanto, não se pode deixar de chamar atenção a um ponto: hoje, no Brasil, a Lei veda o racismo, mesmo quando praticado por empresas privadas.

Confira-se:

“Lei 7.716/89

(…)

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

  • 1o Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica:

I – deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores;

II – impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional;

III – proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário.

  • 2o Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.”

Se é perfeitamente defensável que determinada lei seja alterada, se as pessoas assim entendem melhor, não se pode aplicar leis casuisticamente, escolhendo aplicá-las ou não a depender da ocasião. O império das leis aplicáveis a todos é a base das sociedades civilizadas.

Essa percepção é de crucial importância para um país que deseja conferir segurança jurídica a qualquer de seus cidadãos, a trabalhadores, a investidores. A dúvida quanto a se leis valem ou não valem corrói a segurança jurídica, a crença nas instituições, nos contratos, emperra o mercado, o crédito, o trabalho.

Dar as costas às bases das sociedades não constrói um país melhor, tampouco o faz abraçar o racismo, chaga que deveria ser extirpada das sociedades humanas.

*Michel S. de Carvalho é graduado em Engenharia Civil pela UFRJ, Direito pela Universidade Santa Úrsula, e Especialista em Direito Tributário pela PUC-MG.

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