A mentira tem pernas curtas, mas vai longe…
(Uma fábula fabulosa)
MARIO GUERREIRO *
Depois que Nietzsche e os filósofos pós-modernos disseram que tudo é relativo e que não existem certezas absolutas, muitos seres bem-pensantes decidiram não usar mais as estigmatizadas palavras “certeza” e “absoluto”.
Mas nós podemos dar vários exemplos mostrando que estas coisas não só existem como também são tão corriqueiras quanto um cafezinho tomado de manhã e um sapato apertado no pé à tarde.
Republiqueta do Caribe, Isla Hermosa, possui todas as instituições de qualquer país civilizado, com a diferença de que não só elas não funcionam como também tem se alastrado por aquela ilha uma corrupção desenfreada.
Esta mesma percorre todos os segmentos da sociedade, desde os poderosos do Palácio do Crepúsculo até os contínuos das repartições públicas dos municípios mais indigentes do país.
Tal como a Peste Negra na Idade Média, essa corrupção tem poupado poucos habitantes da ilha de uma terrível contaminação.
Pois bem, após dois governos desastrosos, marcados pela demagogia e por desmandos gerais, o demagogo e apedeuta Presidente de Isla Hermosa, Sr. Ludwig Ignatius von der Wald, abandonou a política.
Ou melhor: não se candidatou a nenhum cargo eletivo, mas continuou atuante na política dos bastidores exercendo sua perniciosa influência mediante cambalachos, maracutaias e incontáveis artimanhas subreptícias.
Num dos dois governos de Ludwig von der Wald – mais conhecido pela alcunha política de Ludi – ocorreu um portentoso escândalo político envolvendo 40 meliantes indiciados pelo Procurador Geral da República em crimes de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, peculato und so weiter.
As línguas mais ferinas andaram falando em Ali Babá e Os Quarenta Ladrões e esta analogia com o famoso conto das Mil e Uma Noites era melhor do que se pensava.
Ali Babá não era o chefe da quadrilha, mas, sim, um jovem matreiro que descobriu a caverna onde estava escondido o produto das rapinas e ouviu um dos larápios dizer a senha: “Abre-te, Sésamo”!
Quando os ladrões partiram para um novo arrastão, ele repetiu a senha, a porta da caverna se abriu e ele meteu a mão em toda a bufunfa. Ora, vamos e convenhamos: ladrão que rouba ladrão tem cem anos de imperdão!
Entre os 40 larápios, a maioria era de membro do PAPRE, o partido do Presidente, mas ele próprio não participou da lambança, como alegou taxativamente certa feita: “Nada sei e de nada sei”.
Pesquisas posteriores mostraram que 96% do colégio eleitoral hermosino acreditaram na lisura e na probidade do Presidente.
Somente uma desprezível minoria de 4% de insatisfeitos e insatisfazíveis achava que ele era o comandante da orgia com o dinheiro suspeito, que não era caixa 2, porém “dinheiro não-contabilizado”.
Demorou bastante, mas finalmente nos finais de maio de 2012 foi marcado para junho o julgamento desses sacripantas pela Suprema Corte de Isla Hermosa.
O Presidente Ludi estava muito nervoso, com faniquitos e tremeliques, porque um julgamento desses é como uma guerra: sempre se sabe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Apesar de muitos hermosinos – baseados em não poucos antecedentes – acharem que tudo acabará mesmo em pizza com a lourinha da diretoria, o Presidente Ludi não estava disposto a correr o risco de muitas condenações.
Principalmente porque a data do julgamento coincidia com o período pré-eleitoral de eleições para prefeitos e vereadores em toda Isla Hermosa. Que maldita coincidência! Arre égua!
Seu partido, o PAPRE, não podia engolir essa, principalmente porque seu candidato à prefeitura da maior cidade de Isla Hermosa, um jovem muito simpático, só tinha 3% de preferência dos eleitores e precisava ser alavancado, não podia ser afetado por um escândalo.
Assim sendo, não teve dúvida: pegou o primeiro avião para Prasília – a bela capital de Isla Hermosa – e foi tentar cooptar o maior número possível de ministros da Suprema Corte – oito dos quais nomeados por ele mesmo – com vistas a um adiamento, para depois das eleições, do julgamento dos 40 meliantes.
Se Ludi pudesse, salvaria a pele ao menos dos peixes grandes, principalmente a de Joseph Tirteu, indiciado como cabeça da lambança, mesmo não sendo ele o Grande Chefão, Il Capo di Tutti I Capi, Don Corlulone.
Como se sabe, é preciso condenar uma meia dúzia de peixinhos, como bois de piranha, para não dar a indesejável impressão de venalidade da Corte de Justiça. E, além disso, desde que o mundo é mundo e Caim matou Abel que a corda arrebenta sempre do lado mais fraco.
Pensando assim, Ludi teve um encontro no escritório de Élson Shobin, ex-Ministro da Justiça, com o ministro da Suprema Corte Wilmar Lentz e tentou persuadi-lo – com a sutileza de um elefante – a adiar para depois das eleições o julgamento e, se possível, também a livrar a cara dos peixes grandes.
Até aqui a coisa se passou em off, mas Wilmar Lentz resolveu botar a boca no trombone: foi para os jornais e denunciou que tinha sido vítima de uma reles tentativa de suborno.
Entrevistado pela mídia, Ludi afirmou que o encontro tinha de fato ocorrido, mas negou de pés juntos que a tentativa de suborno tivesse existido.
Disse ainda que se sentia muito indignado! E jurou, pela luz que o alumiava e pelo Padim Ciço, que ele estava dizendo a verdade.
Assim sendo, diante desse episódio lamentável, adquirimos mais uma certeza absoluta: a de que um dos dois estava mentindo. E achamos que não era o ministro Wilmar Lentz…
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* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.
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