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A estratégia de Antônio Paim para combater o patrimonialismo

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Antônio Paim, que relançou seu clássico História do Liberalismo Brasileiro, integra-se à tradição intelectual brasileira que se preocupa com a configuração, no país, de uma cultura política patrimonialista. Raymundo Faoro, em Os Donosdo Poder, traça esse mesmo triste diagnóstico; contudo, cabe a Paim, quase isoladamente, como um autêntico interessado, também, em nossa melhor tradição liberal, procurar identificar maneiras de combater esse problema e favorecer o capitalismo em terras tupiniquins.

Como não temos a opção de simplesmente cruzar os braços e aceitar um fatalismo frustrante e precisamos ir além Paim complementou brilhantemente a segunda edição ampliada de outro de seus clássicos, A Querela do Estatismo (1978, segunda edição em 1994), com um capítulo intitulado “Estratégia para enfraquecer o patrimonialismo e favorecer o capitalismo”. Não basta reconhecer dificuldades, é preciso ir além, não julgá-las intransponíveis e refletir sobre como atravessá-las. Achamos útil resgatar o plano de Paim para o conhecimento de todos que procuram lutar por um país mais liberal e próspero.

Separamos alguns trechos das oportunas e atualíssimas sugestões de Paim:

“É preciso obter algum arejamento na Universidade e conseguir quebrar o monopólio da dominação marxista-positivista que tem feito fenecer a sua criatividade. Não deixa de ser melancólico continuar assistindo, como se nada tivesse havido, à pregação comunista nas cátedras universitárias, anacronismo que corresponde, na verdade, ao desfecho da aliança selada pela denominada esquerda com os governos militares.”

O que Paim está percebendo nesse trecho é o mesmo drama que hoje é recorrente nas análises liberais e conservadoras, mais do que nunca: o predomínio extremo das ideias socialistas e anti-mercado nos espaços de expressão cultural. As universidades, onde uma elite intelectual e cultural se forma, são o alvo mais preocupante e talvez o mais degradado, mas encontraremos o mesmo problema nos veículos de comunicação e nas artes. Este texto é dos anos 90, quase uma década antes da ascensão plena do lulopetismo, e registra um mal que já vinha crescendo desde pelo menos o regime militar. Ocupação de espaços, portanto, com vistas ao “arejamento” da universidade, é o que Paim sugere; temos tentado fazer isso.

“(…) em nossa história, a agenda modernizadora corre o risco de interrupção, se não houver pressão da sociedade organizada. A função do empresariado (segundo o empresário Amaury Temporal, citado por Paim) parece-lhe ser a seguinte: ‘agregar forças em torno de um projeto mínimo, a partir do claro entendimento do que está em jogo. Aqui reside parte importante de nossa baixa eficiência como agentes de transformação no passado. Por não entendermos o que poderia ser empreendido, deixamos de tentar, perdidos em uma infinidade de ações reativas, conjunturais, transitórias, de baixo significado”.

Aqui Paim ressalta a importância da organização da sociedade civil e do empresariado para pressionar pela consecução de um projeto. Think tanks, movimentos da sociedade civil e lideranças empresariais já se agitam, na quadra atual, para sustentar propostas e reformas de teor liberal, capitalista e privatizante. Essa concentração e esse alinhamento de forças são importantes para que as ideias a serem defendidas não feneçam.

Paim passa a elencar então uma pauta mínima que ele entende necessária, que inclui os seguintes pontos:

“1º) Eliminar todas as burocracias estatais devotadas aos programas oficiais de combate à pobreza. (…) Essas políticas, como tudo mais, transformaram-se em mero pretexto para justificar a voracidade fiscal e permitir ao patrimonialismo apropriar-se de verbas sem o menor controle da opinião pública. As dotações públicas para combate à pobreza e atendimento a contingentes de baixa renda passariam para entidades sem fins lucrativos, criadas nos próprios locais em que devessem ser aplicadas, condicionada a sua liberação à apresentação de projeto específico ao Banco do Brasil, que cobraria uma taxa apta a permitir não só a fiscalização como também a avaliação de seus efeitos, merecendo ambas as providências máxima publicidade. 2º) Levar a bom termo o programa de privatização, empenhando-se no sentido de transformá-lo num novo projeto de desenvolvimento. (…) 3º) Não teremos sucesso no combate à voracidade fiscal do Estado enquanto não se proceder ao reexame específico da estrutura administrativa dos vários órgãos integrantes da União. (…) 4º) Concebida uma nova estrutura administrativa para a União, examinar concretamente as ações de que poderia resultar a dignificação do servidor. (…)”.

A ideia de Paim é de que, depois do desfecho indesejado das medidas econômicas do regime militar e dos governos subsequentes, deve ser enterrada a doutrina do “patrimonialismo modernizador”, que realizaria, através da burocracia estatal, o salto do Brasil ao desenvolvimento. Essa teoria desenvolvimentista já se provou um estupendo fracasso ao longo de nossa história republicana.

Porém, pondo de lado as sugestões práticas e programáticas, Paim destina um longo espaço à importância de sedimentar, não apenas na cultura, mas também nas organizações partidárias, a tradição liberal brasileira. Seu recado é claro: não pretender voar sem apoio nos que construíram os primeiros alicerces.

“No que se refere entretanto aos liberais organizados em partido político, não podem fugir do imperativo de familiarizar-se com a doutrina, reconstituindo os laços que perdemos com os grandes centros em que se dá o debate e o amadurecimento das questões emergentes. A par disto, teriam que buscar identificar-se com a tradição do liberalismo político brasileiro, hoje plenamente reconstituída. Não há tradição cultural em abstrato, desencarnada, sem personagens e histórias. Nesse mister, certamente temos de que nos orgulhar.

À primeira vista parece difícil recuperar uma tradição cultural espezinhada e combatida ao longo de todo um século. Mas são muitos os indícios de que já estivemos mais longe de alcançá-lo. O mais importante, sem dúvida, corresponde ao renascimento da liderança política liberal. Dar-lhe forma e levá-la a empreender um caminho de sucesso – eis o desafio a enfrentar no futuro imediato.”

Com esta ou aquela deficiência, a brilhante sugestão de Paim é reconhecível em muitas iniciativas que vêm sendo feitas e de que, modestamente, temos tomado alguma parte. O liberalismo brasileiro tem de ser, antes de tudo, brasileiro; porém, sintonizado com o que agita a intelectualidade mundo afora, e entronizado no sistema representativo de maneira sólida e enraizada, representado por lideranças qualificadas. É do que precisamos ir em busca. Mãos à obra!

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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