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Resenha crítica de “A Doutrina do Fascismo”, de Benito Mussolini

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fascismo

A “direita”, “liberais”, “conservadores”,” burkeanos”, “objetivistas”, “misesianos”, “hayekianos”, ou simplesmente “fascistas”. O que foi, não concorda? Pois é, nós também não. Mas é fato que, na obtusidade criminosa e na “novilíngua” mal-intencionada da esquerda, todos esses diferentes grupos, com diferentes referenciais, que têm aspectos comuns (como a defesa da propriedade privada), são, na realidade, “fascistas”. O termo se tornou um apelido fácil de se encontrar na língua ferina dos difamadores barulhentos. “Fascismo”, termo que surge associado a uma corrente específica, com um significado tecnicamente definido, se transformou em um insulto generalizado – e o que é pior: direcionado às figuras que mais se distanciam de seus postulados originais, a partir daquelas que, lamentavelmente, mais se aproximam. Temos uma sugestão para dar a esses que nos atribuem convictamente um rótulo que eles inteiramente desconhecem: o que acham de compreender o fascismo na raiz? Nada mais fácil: basta ler o opúsculo “A Doutrina do Fascismo”, publicado em 1935, na Itália, pelo próprio ditador Benito Mussolini (1880-1945).

Uma das teorias que a esquerda mais aprecia difundir é a que dá conta de que o fascismo de Mussolini, que inspirou movimentos e regimes similares na Europa e, indiretamente, em outras partes do mundo, seria uma criação dos “opressores capitalistas” para proteger as relações econômicas de seu sistema através da força repressiva. Por meio da mesma ginástica mental com que os marxistas clássicos sustentam que a abolição do Estado viria em conseqüência do seu agigantamento, atribuem ao fascismo a lógica de ser um agigantamento estatal para proteger o liberalismo capitalista. O que se quer é dar aula de fascismo a Mussolini; já ao começo de seu texto, escrito com objetividade e pontuando princípios com extrema clareza, como que numa cartilha de crenças, ele deixa inteiramente claras as suas origens no movimento socialista e sua aversão profunda ao liberalismo.

A tese principal de Mussolini é a de que o “materialismo positivista” do século XIX, surgindo em desdobramento do individualismo e do Iluminismo do século XVIII, estabeleceu uma dessacralização da vida humana, uma extração de sua substância e seu “valor espiritual”. Confessadamente, Mussolini sustenta que o século XX seria o “século da autoridade” e defende o “totalitarismo” como a única alternativa para resgatar o que foi perdido – isto é, todas as esferas da existência em comunidade deveriam ser unificadas através de um único norte centralizador. Esse norte, para Mussolini, seria o Estado. Particularmente, e ao contrário de muitos liberais mais radicais, não defendo a anulação do Estado e muito menos a supressão de valores patrióticos e de um senso fortalecido de comunidade vinculado à idéia de nação e trajetória comuns, elementos que sinceramente aprecio. Muito diferente, porém, seria fazer apologia da “deificação” do Estado e tomá-lo como esfera absoluta para todas as instâncias e questões, como a força suprema destinada a capitanear a nau da realidade humana. Nada poderia ser mais anti-liberal e pernicioso aos propósitos da liberdade.

Mussolini também fazia o mesmo jogo dos socialistas de hoje e criou para o termo “liberdade’ uma acepção toda particular, de acordo com a qual a única liberdade possível e realizadora se daria por meio da submissão plena ao poder diretivo do Estado. O ser humano somente se concretiza como tal a partir do papel que desempenha numa engrenagem coletiva, cujo encaminhamento é determinado pelo Estado, de cima. Os interesses do indivíduo, pontua o ditador em seu texto, somente são aceitáveis quando coincidem com os do Estado. Entretanto, ao contrário dos marxistas, o fascismo argumenta que não busca com seu totalitarismo alcançar uma felicidade plena e um estado de perfeição social no planeta, mas uma atmosfera de completude e de valorização das “tradições” e valores que realmente importa sejam ostentados. Não discordo dessa importância; questiono o mecanismo sugerido para fazê-lo. Longe de favorecer-lhes o florescimento e a espontaneidade característicos de sua sustentação nas teorias de pensadores como Hayek e Burke, o totalitarismo fascista, imiscuindo-se em detalhes íntimos das disposições individuais, acaba matando o que, em teoria, alega defender.

“O fascismo é definitivamente e absolutamente oposto às doutrinas do liberalismo, tanto na esfera econômica quanto na política”, sustenta Mussolini positivamente. Desdenhando dos profetas liberais dos últimos séculos, ele chama o liberalismo de “religião desconhecida” e enaltece Bismarck e o estatismo como vitoriosos; para ele, o século XX assistia aos templos do liberalismo se fechando, aos fiéis desertando, e ao alvorecer glorioso da alternativa fascista. Despontando como a necessária saída para o execrável mundo da “democracia, da plutocracia e da maçonaria” (?), o fascismo se estruturaria, na prática, em uma ditadura com Estado corporativo, garantindo o atendimento das demandas do povo, anulando a tensão de classes explorada pelos socialistas e que os fascistas negam veementemente – mas para colocar no lugar a unificação servil com a dissolução do indivíduo.

A despeito de sua valorização mal resolvida de um “tradicionalismo”, Mussolini também tem um quê da mentalidade moderna, ao sustentar que seu fascismo é um progresso e não um passo atrás; de acordo com ele, o totalitarismo fascista seria algo inteiramente novo, ainda mais amplo e “absoluto” do que o absolutismo monárquico dos tempos pré-liberais dos Antigos Regimes europeus. Mussolini se orgulha de uma originalidade que significou fazer do século XX um século de notáveis tragédias, palco de guerras destrutivas e de proporções planetárias.

Senhores revolucionários de esquerda, isto é o fascismo, tal como seu líder mais clássico o definiu. Seu elemento central, portanto, é a veneração do Estado como instância suprema e basicamente um fim em si mesmo. Acusar um liberal de fascismo é comparável a falar em “quadrado redondo”. Com diferenças de retórica, superfície e simbologia, fascistas e socialistas implementaram naquele século regimes políticos bastante similares, numa concorrência acirrada de coletivismos truculentos em que o indivíduo e a liberdade não tinham vez. O conhecimento liberta, faz vir à tona a verdade. Os socialistas deveriam ler Mussolini. Perceberiam que o que os separa é muito menor do que as similaridades que os unem, ambos igualmente a anos-luz de distância do amor à liberdade.

 

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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