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Uma verdade inconveniente – RODRIGO CONSTANTINO

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Colaboradores

02.03.07

 

Uma verdade inconveniente

RODRIGO CONSTANTINO*

 

Ninguém pode usar uma máscara por muito tempo: o fingimento retorna rápido à sua própria natureza. (Sêneca)

 

 

O ambientalista mais famoso dos Estados Unidos – quiçá do mundo – é sem dúvida o ex-vice presidente Al Gore. Recentemente premiado com o Oscar pelo seu documentário, An Inconvenient Truth, o ativista ecológico prega medidas urgentes para combater o aquecimento global. Não vem ao caso aqui questionar os alardes que muitos fazem sobre o assunto, ignorando que os próprios cientistas reconhecem um passado incerto mas acabam prevendo um futuro certo de catástrofe. Um caso único onde é mais difícil acertar o que se passou do que está por vir. Também não vem ao caso falar que muitos cientistas são céticos quanto aos alarmes mais terroristas, discordando do relatório da ONU. Por fim, não é o tema deste artigo alertar para a postura fanática de muitos, que tentam impor a verdade que “todos sabem”, calando qualquer voz contrária na marra. Essa postura não é científica, mas típica de fanatismo, da nova “religião verde”. Mas nada disso importa muito aqui. Este artigo irá tratar apenas da hipocrisia.

Os alarmistas partem de um fato – o aumento da temperatura média no planeta, e chegam ao objetivo que desejam: pedir mais recursos para o governo cuidar do problema e atacar um determinado estilo de vida. Também não é o foco deste artigo mostrar que onde tivemos mais controle governamental, como nos países socialistas, tivemos mais poluição em termos relativos. Basta aqui lembrar que políticos dependem de votos para sobreviver no mundo político, e quanto mais verba e poder, melhor, pois são seres humanos, e não alienígenas abnegados. Seguem os próprios interesses como todos os demais indivíduos. Al Gore é um perfeito animal político, e com ele não poderia ser diferente. Inteligente, percebeu um excelente nicho para concentrar suas forças e ganhar evidência mundial, angariando junto muitos votos. O problema é a seguinte questão: será que ele vive mesmo de acordo com o que prega?

Devido à enorme exposição que ele tem, seria de esperar que sua vida fosse realmente de acordo com suas palavras. Não faz sentido o grande defensor da redução da emissão de carbono e da maior consciência sobre o problema energético ignorar tais pontos no seu dia a dia. Tanto é que consta que sua família utiliza carros híbridos, para não consumir muita gasolina. Souberam fazer propaganda com isso. Ocorre que recentemente foi divulgado que a família de Al Gore consome cerca de vinte vezes mais energia que a média nacional. Vinte vezes! Sua mansão de 20 quartos em Nashville, com piscina aquecida e lanternas de gás no jardim, consumiu cerca de US$ 30 mil em eletricidade em 2006. Seu gasto mensal é mais do que uma família média americana gasta por ano! O grande defensor da causa ambientalista, que adora condenar o estilo de vida moderno, incutindo culpa de criminoso em um indivíduo que apenas dirige um SUV, consome energia suficiente para abastecer 20 famílias médias americanas. Faça o que eu digo, não faça o que eu faço.

Os esquerdistas, grandes entusiastas da causa ambientalista para usá-la como ataque ao capitalismo, logo aparecem em defesa de Al Gore, afirmando que não há nada demais em sua conduta. A esquerda sempre age assim: dois pesos e duas medidas. Um empresário rico é condenado como explorador, por exemplo. Mas um milionário que prega o socialismo é tratado como ídolo. Não é o dinheiro que realmente incomoda, mas a forma como foi obtido. Se é um empresário através do livre mercado, oferecendo produtos desejados pelos consumidores e gerando empregos, então deve ser condenado como explorador. Mas se é um artista que vive de verbas estatais falando mal do capitalismo, ou um cineasta que faz filmes para mostrar como o capitalismo é podre enquanto enche o bolso de dinheiro, então não tem problema. A riqueza só é pecado para o capitalista honesto. Se for acumulada durante as pregações socialistas, então não faz mal.

Mas explico esta conduta ambígua típica da esquerda para voltar ao tema principal sobre Al Gore: a hipocrisia. O dicionário Aurélio a define como “afetação de virtude ou sentimento que não se tem”, ou então “fingimento, falsidade”. O que tem de gente que tenta monopolizar virtudes, propagando aos quatro ventos como defende fins nobres, enquanto na prática não segue tais virtudes! Daria para lotar vários estádios do tamanho do Maracanã. São pessoas preocupadas em posar de grande homem, em conquistar fama ou outros interesses através de uma virtude que reconhecem como virtude, mas não a possuem de verdade. Pessoas que pregam uma vida espartana de suas casa luxuosas; gente que diz que a burguesia fede enquanto vive como um perfeito burguês; artistas que defendem o socialismo enquanto desfrutam de tudo que somente o capitalismo pode oferecer; religiosos que condenam o “bezerro de ouro” de suas ricas igrejas ornamentadas com muito ouro; e políticos que pregam maior conscientização sobre o problema energético enquanto consomem vinte vezes mais energia que a média nacional.

Mas nada disso é hipocrisia, dizem. Ignoram que ações valem mais que palavras. Mataram a hipocrisia, tiraram-na do dicionário. Assim, qualquer um pode condenar o roubo enquanto pratica um assalto, que não há hipocrisia. Qualquer um pode reclamar do luxo dos outros enquanto vive no completo luxo, que não há hipocrisia. E por aí vai. Não é mais necessário viver de acordo com o que prega. Chegamos então a uma verdade realmente inconveniente: o mundo está repleto de hipócritas!


* Economista e articulista

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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