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Mefistófoles e a política monetária do segundo mandato de Lula

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Colaboradores

20.04.07

 

Mefistófoles e a política monetária

do segundo mandato de Lula

 

MÁRCIO DAVID MATTOS*

 

 

Um ser essencialmente perverso não precisa ser perverso todo o tempo, bastando que sua aparente bondade dure tempo suficiente para adquirir a credibilidade da sua vítima. E esta não deve iludir-se imaginando que a experiência de alguns meses no campo da virtude converterá o diabo em anjo, dissuadindo-o da maldade essencial. O pacto firmado por Fausto com o demônio na magnífica obra de Goethe fez com que este o servisse por um período, até que o servo se revelasse como algoz e tirano exigindo a parte que lhe cabia por pacto e natureza.

A crise econômica pela qual passou o Brasil em 2002, a qual elevou o risco-país para mais de 2000 pontos, dava a medida real do compromisso de Lula e do PT com os princípios de uma economia de mercado: zero. Os agentes econômicos sabiamente anteciparam o caos de um governo irresponsável fiscalmente, perdulário e inflacionista. Este era o cenário correto, era a avaliação isenta e imparcial da natureza do candidato Lula e do PT. Ocorre que esta avaliação foi sendo esquecida à medida que o discurso pró-mercado ia se intensificando nas bocas e artigos dos integrantes do novo governo. A sociedade brasileira começava a fazer um pacto com o diabo.

O pacto consistia no seguinte: dê-nos prosperidade, reduza a nossa desigualdade, faça-nos orgulhosos da nossa origem proletária e diga uns desaforos nos fóruns dos ricos que nós te daremos o poder. Evidentemente o demônio não surge como dragão chifrudo fedendo a enxofre, mas como um servo da economia de mercado e ardoroso defensor da responsabilidade fiscal e monetária. Assim, por servir algum tempo (um mandato) ao fausto das virtudes capitalistas, eis que chega a hora do acerto de contas. Os benefícios criados foram, como toda a obra do demônio, ilusórios: transferência de renda e aumento do crédito, gerando dependência e endividamento, ao custo de maior carga tributária e juros maiores. Não obstante, foram suficientes para “criar um clima”, “gerar sensações” e, com isso, garantir o respaldo popular.

Os agentes econômicos, enfeitiçados com a “sobriedade” econômica do primeiro mandato, passaram a avaliar o potencial demoníaco do governo como Fausto avaliava seu novo servo: um ser essencialmente mal se comportar assim tão humildemente me servindo é sinal de que alguma bondade deverá haver nele. A virtude de Lula foi não ter sido tão ruim quanto poderia ser. Mas isso nunca foi virtude, nem na obra literária nem na realidade brasileira atual. O nome correto é estratégia.

A hora da verdade, todavia, parece estar chegando. Dado que o último truque tirado da cartola do mago Mefistófoles foi inflar o PIB a favor da vítima, não resta mais nada a ser feito senão requerer a parte que lhe cabe neste acordo. Crescer mais requererá imprimir mais papel-moeda e gerar inflação ou fazer reformas modernizadoras da economia, sendo esta última um sonho em se tratando de um governo que contemporiza com Chavez, Morales e Fidel; seria o mesmo que exigir que o demônio adorasse a Deus por livre e espontânea vontade. Resta a primeira hipótese, justamente aquela que os agentes acreditavam como iminente em 2002 e agora decretam impossível.

O cenário está sendo montado. Um tiranossauro do esquerdismo latino-americano é indicado como representante do Brasil no FMI. As pressões sobre o BC se intensificam. A revista Carta Capital apresenta como grave “denúncia” a ocorrência de reuniões secretas (sic), do BC com 80 representantes diferentes do mercado financeiro, denúncia esta que tem a gravidade da notícia da exposição de uma feira de gestantes; mas que cria um factóide político para minar ainda mais uma vez a autoridade do BC e a legitimidade de seu presidente, abrindo caminho para o assalto final à alma da economia.

Não deverá causar surpresa se, após alguns meses de ostracismo e anonimato no FMI, escrevendo papers que nem sua mãe lerá, o sr Paulo Nogueira Batista seja indicado para presidente ou diretor do BC como um economista brasileiro eminente que, após “fazer carreira” no FMI contribuirá para a modernização da nossa autoridade monetária. Sendo a economia incapaz de crescer a taxas maiores num cenário internacional de fim de ciclo de expansão, não existirá alternativa para se perpetuar no poder senão apelar à maquininha de fazer dinheiro do BC.

Mefistófoles foi um servo muito fiel enquanto lhe convinha. Mas a hora do acerto de contas chegou para Fausto. Chegará também para a economia brasileira que resolveu brincar com o diabo em 2002 e 2006.

 

 

* Economista pela PUC-Rio e membro do Instituto Liberal.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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