Filhos do Brasil
Colaboradores
10.03.06
Filhos do Brasil
___ Rodrigo Constantino
“Development itself is a far more powerful contraceptive than cash for condoms.”
(William Easterly)
Uma proposta apresentada com freqüência para a solução da miséria brasileira é o controle da natalidade. Tal sugestão independe do espectro político, abrangendo desde a esquerda até a direita. O raciocínio parte da observação de que as famílias mais ricas costumam possuir menos filhos, e portanto o excesso de prole seria a causa da miséria dos mais pobres. Temo que possa haver aqui uma confusão entre correlação e causalidade, e que estamos diante de um paralogismo, ou argumento não conclusivo.
A lógica dos defensores das medidas de controle de natalidade assume que basta distribuir preservativos que os pobres terão menos filhos. Mas há um questionamento intrigante sobre esse ponto: camisinhas já são amplamente divulgadas e vendidas a preços baixos. Se o livre mercado faz com que a Coca-Cola ou a cerveja cheguem até as massas, por que não levaria também os preservativos? Não faz sentido, e de fato, o preço dos preservativos é bastante acessível. Será que o alto preço de ter um filho não desejado não justificaria o uso de camisinhas? O problema, então, deve estar em outro lugar.
Os indivíduos reagem a incentivos. Partindo dessa sólida premissa, creio que fica mais fácil navegar pela questão da elevada taxa de natalidade entre os mais pobres. O Nobel de Chicago, Gary Becker, foi um pioneiro em considerar os incentivos individuais na questão familiar. Por mais frio que possa parecer, o ponto é que o custo de oportunidade do tempo para o rico vale mais que para o pobre. Claro, ele recebe um salário maior. Logo, abdicar disso para ter muitos filhos pode ser uma decisão ruim, e ele acaba optando por qualidade, em vez de quantidade. A causalidade parece ser inversa: quanto mais renda, menos filhos. Precisamos aumentar a renda então, não reduzir na marra os nascimentos de bebês. Aumentando o incentivo a se investir em pessoas, os pais irão naturalmente reduzir a quantidade de filhos.
Podemos observar o caso chinês, que faz tempo conta com um autoritário programa de controle de natalidade. Sem sequer entrar no mérito da questão do Estado interferir no foro mais íntimo que existe, que é a decisão sobre quantos filhos os pais querem ter, o fato é que os programas cruéis da China jamais surtiram bons efeitos, e o povo continua miserável. As coisas começam a esboçar uma melhora agora, mas não pelo planejamento familiar, e sim pela maior abertura econômica, que vem gerando emprego e renda. Se o choque de abertura perdurar, naturalmente os chineses terão menos filhos, e investirão mais neles. Mas será algo voluntário, e não como súditos do Estado.
Há algo de malthusiano nas previsões catastróficas de que uma alta taxa de natalidade levará ao aumento da miséria. Isso ignora por completo os ganhos de produtividade, e assume uma riqueza estática, tendo apenas que ser mais e mais dividida. Mas tal crença não encontra respaldo algum na experiência empírica. Os Estados Unidos apresentaram acelerado crescimento na renda per capita mesmo enquanto absorvia milhões de imigrantes pobres do mundo todo, e ainda contava com alta taxa de natalidade. De 1960 até recentemente, a renda per capita dos países desenvolvidos aumentou consideravelmente, enquanto a população praticamente dobrou nesses países. A produção de alimentos triplicou no mesmo período. Se fizermos as contas desde a Revolução Industrial, a conclusão é ainda mais impressionante. A realidade é clara: o aumento populacional não carrega nenhuma necessidade de empobrecimento. Malthus estava errado.
Logo, a solução da miséria nacional parece não ter muita ligação com a taxa de natalidade em si. O problema é que o governo gasta demais com assistencialismo. Isso gera dois graves problemas: o aumento dos impostos ou dívida pública para financiar tais gastos, que pressionam os juros e atravancam a economia; e o efeito de moral hazard, já que tira a responsabilidade dos indivíduos e a passa para o coletivo, a sociedade. Por trás disso, há uma visão coletivista, de que é um dever do Estado cuidar de “suas” crianças. O problema é que Estado é uma abstração, e sociedade não passa do somatório de indivíduos. Logo, para garantir um direito a alguém, temos que estender um dever a outro. E esse dever consome recursos que poderiam ser melhor aplicados, em setores produtivos, fossem os indivíduos mais livres.
Em resumo, a taxa de natalidade em si não é o grande vilão que a maioria costuma crer. Tampouco se combate isso com distribuição de preservativos, já que sem os incentivos não há resultado eficaz. O maior problema, ao meu ver, é a visão coletivista que cria um Estado paternalista. Sociedade é um ente abstrato, que não vai parir ninguém. As coisas podem começar a melhorar quando o fulano for filho do José e da Maria, não um “filho do Brasil”. A responsabilidade tem que ser individual. Caso contrário, não há liberdade, e a miséria se alastra. Aí sim, teremos muitos “filhos do Brasil”, todos bem miseráveis, sempre dependendo das esmolas do “papai” Estado…
* Economista, autor do livro “Estrela Cadente: as contradições e trapalhadas do PT”.