Ofício dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)

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Ref. Acordos de cooperação judiciária com o Supremo Tribunal Popular da China

Foi com estarrecimento que deparamos com a reportagem publicada pelo jornal Gazeta do Povo, no último dia 14 de agosto, sobre a recusa deste STF em divulgar o inteiro teor da parceria firmada, por V. Exas., com o Supremo Tribunal Popular da China. O sigilo, imposto de forma unilateral e injustificada, destoa do princípio constitucional da publicidade ampla que rege a administração de todos os poderes dos entes federativos, incluindo o judiciário, e afronta o dever de garantia de acesso às informações públicas, previsto na Lei de Acesso às Informações (Lei 12.527/11).

Desde o ano passado, o noticiário nacional vem cobrindo o estreitamento das relações entre as cúpulas judiciárias brasileira e chinesa, sem especificar, porém, os objetos dos entendimentos e/ou as fontes de custeio dos deslocamentos das autoridades nacionais e estrangeiras, no âmbito das tratativas. Não soubemos qual foi o propósito da visita oficial do ministro Barroso à China, em julho de 2024, assim como não fomos informados sobre os assuntos concretos que motivaram a reunião entre cinco magistrados do supremo tribunal chinês e o ministro Fachin, em abril deste ano.

Apenas chegaram ao nosso conhecimento as discussões acadêmicas travadas, na sede do STJ, durante evento intitulado 1º Congresso STJ Brasil-China de Direito Meio Ambiente & Inteligência Artificial, realizado em 11 de março deste ano, e a notícia sobre a assinatura de um acordo entre o STJ e a Suprema Corte da China para supostamente “aprimorar cooperação judicial e fortalecer a prestação jurisdicional”. Na ocasião, o portal oficial da corte destacava, de um lado, os elogios do ministro Herman Benjamin ao acordo, por ele referido como “um casamento entre duas instituições muito parecidas”, e, do outro, a fala do vice-presidente da Suprema Corte da China, He Xiaorong, segundo o qual “no diálogo mais recente com o ministro Herman Benjamin, percebemos que os dois lados compartilham muitas semelhanças e ideias idênticas em assuntos ambientais, desenvolvimento humano e respeito à dignidade, à liberdade e aos direitos da população.” Tudo obscuro, e, para nós, brasileiros, bastante preocupante.

Preocupante na medida em que a simples alusão, pelo min. Benjamin, à suposta “semelhança” entre instituições judiciárias chinesas e brasileiras já implica menosprezo à espinha dorsal da nossa Constituição Federal. A começar pelo pluralismo político, erigido a fundamento da nossa república federativa pelo art. 1º, inciso V da CF, enquanto a China vive sabidamente sob um longevo sistema de partido único.

Ademais, não podemos nos dar ao luxo de fechar os olhos para o fato notório de que o país oriental pratica censura e repressão a opositores políticos, em contraponto ao ambiente democrático que deveria imperar no Brasil, cuja Constituição resguarda as liberdades de expressão, manifestação, circulação e reunião e a propriedade privada no rol dos direitos e garantias individuais, tidos como cláusulas pétreas da ordem constitucional. Assim, devemos entender o assentimento à fala do juiz chinês como uma “revogação tácita” do texto da nossa Constituição vigente e uma aproximação com os conceitos autoritários de “dignidade e liberdade” adotados pela nação comunista? Sequer podemos responder a essa pertinente indagação por não dispormos da íntegra dos protocolos e/ou acordos firmados.

Por fim, inexiste razão juridicamente plausível para ocultar o teor dos acordos. Na forma do art. 4, III da Lei de Acesso às Informações, só são tidas como sigilosas as informações cuja restrição ao acesso seja imprescindível à segurança da sociedade e do estado. Ora, sendo o judiciário o único poder não-eleito, composto por técnicos, e, em tese, alheio a temas estratégicos e/ou referentes à defesa do país, os acordos de cooperação judiciária não podem ser subtraídos do escrutínio popular.

Ainda que, por hipótese, qualquer material de inteligência artificial (IA) compartilhado pelo tribunal chinês consista em segredo de negócio e/ou em objeto de pedido de patente depositado no Brasil, e ainda em fase de sigilo (como disposto no art. 30 da Lei de Propriedade Industrial – LPI), ainda assim o teor dos acordos pode ser divulgado desde que mediante ressalva específica de confidencialidade tão somente quanto ao item em questão.

Nós, pagadores de impostos, não podemos, sob qualquer circunstância, ser privados do direito de conhecer, em sua redação original, todas as obrigações recíprocas assumidas por Brasil e China, as vantagens pecuniárias e eventuais custos daí advindos, circunstâncias ensejadoras de rescisão e demais termos. A manutenção de um sigilo descabido autoriza ilações legítimas sobre desvios e até atentados à nossa soberania.

Portanto, com base na Constituição Federal e na Lei de Acesso às Informações, exigimos a pronta divulgação dos textos de todos os acordos firmados entre o STF e o STJ com o Supremo Tribunal Popular da China nos últimos anos. Quem não deve, não teme, e o povo, do qual emana todo o poder, não pode ser alijado do acesso a informações públicas de seu interesse direto.

Assine o abaixo-assinado:

Abaixo-assinado · OFÍCIO DIRIGIDO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) E AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) – Brasil · Change.org

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