Liberdade de expressão, separação de poderes e a importância da Lexum
Não é por acaso que o Supremo Tribunal Federal, formado para guardar a Constituição, se tornou o maior fator de instabilidade institucional do país. Em nome de uma interpretação moral da norma, nossos ministros passaram a negar o próprio texto constitucional, substituindo a contenção pelo protagonismo, os limites pelo poder criativo e a liberdade pela tutela. O julgamento em curso sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet é apenas o capítulo mais recente — e talvez o mais perigoso — de um processo contínuo de erosão das garantias individuais.
Agora, os ministros avançam para responsabilizar as plataformas digitais por conteúdos de terceiros, mesmo quando não há ordem judicial. Falam em “dever de cuidado”, em “curadoria do discurso público” e até em “presunção de ilicitude”. Criam categorias que não existem na lei, ignoram o artigo 5º da Constituição, relativizam a cláusula pétrea da liberdade de expressão e transformam a internet em território condicionado à vigilância e ao arbítrio. A jurisprudência se afasta do texto e se aproxima da vontade. E o Judiciário deixa de dizer o que a lei é, para impor aquilo que acredita que ela deveria ser.
Este é o resultado direto da mentalidade neoconstitucionalista. A promessa era bonita: realizar valores superiores por meio da interpretação. A realidade, no entanto, é uma Corte que se autoriza a tudo em nome do “bem”. Uma Corte que invoca princípios vagos para suspender direitos concretos. Uma Corte que não admite limites, porque acredita ser a própria fonte do Direito. E quando a liberdade passa a depender do filtro moral dos togados, ela deixa de ser um direito para se tornar uma concessão.
O problema não é apenas técnico. É moral, institucional, civilizacional. O artigo 5º da Constituição não autoriza o Estado a tutelar o discurso, mas a proteger sua livre manifestação. A separação de poderes, pilar da República, não permite que juízes reinventem normas que o Legislativo redigiu com cuidado. O Estado existe para preservar a liberdade, não para regulamentá-la até que desapareça. Mas tudo isso é esquecido quando a vaidade institucional se disfarça de virtude pública.
Não há democracia republicana onde os Poderes se confundem, onde o juiz assume o papel de legislador e onde a liberdade de expressão é tolerada apenas quando convence os censores. Estamos diante da Suprema Corte da Conveniência, que nega o dever de conter-se para afirmar seu poder de intervir. Que desconstrói o artigo 19 do Marco Civil porque o considera “deficiente”. Que reprova o silêncio do texto legal por não corresponder às suas expectativas morais.
É por isso que precisamos reafirmar os princípios da Lexum. Primeiro: o Estado existe para preservar a liberdade — e essa liberdade inclui o direito de errar, de discordar e de criticar. Segundo: a separação de poderes é essencial para a nossa Constituição Federal — e qualquer tentativa de concentrar funções nas mãos de um único poder viola o pacto republicano. Terceiro: a função do Judiciário é dizer o que a lei é, não o que ela deveria ser — e quando os juízes abandonam essa missão, não há mais Constituição, apenas vontade.
O que está em jogo não é apenas a internet, mas o sentido da República. A preservação do espaço público como território de liberdade exige contenção judicial, respeito ao texto legal e fidelidade aos direitos fundamentais. Quando isso se perde, resta apenas a norma do mais forte — e nesse cenário, até a palavra é suspeita.
*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum.