Em torno da anistia

Print Friendly, PDF & Email

É evidente que não se tratava de um passeio no parque, como ironicamente foi dito. Havia manifestantes que estavam ali para protestar, outros para depredar e, seguramente, muitos alimentavam um desejo difuso de ruptura institucional.

A ação teve evidente carga simbólica. Mas confundir o ataque a prédios públicos com a destruição real das engrenagens institucionais que sustentam o Estado Democrático de Direito é uma simplificação grosseira. Seria concreto demais — e talvez até pueril — supor que a democracia republicana possa ruir com a quebra de vidraças, ainda que dos seus prédios mais emblemáticos.

Vale a pergunta: ingressar em um banco, sem portar armamentos, pode ser equiparado a planejar e executar um assalto contra seguranças armados, ou estaríamos diante de um crime impossível?

Seria crível imaginar que alguém pudesse se apropriar da moeda nacional por invadir o Banco Central – apenas por que ele abriga as prensas oficiais de impressão do dinheiro?

O Direito não é tribunal de intenções: ele se ocupa de atos, não de pulsões ou desejos morais. Vontades reprováveis, por mais graves que sejam, não são puníveis senão quando transbordam em ações concretas — e mesmo assim dentro de critérios legais estritos, proporcionais e tipificados.

As instituições não se desfazem com pedradas, pichações ou vandalismo. Tampouco se sustentam apenas com símbolos.

A justiça é feita nos autos, no tempo e forma do devido processo legal. Seu simulacro é performático: busca catarse, reparação emocional, efeito político. Confunde o processo com espetáculo, e o julgamento com liturgia civil.

É preciso cuidado para que a Justiça, e em especial sua Corte Suprema, não se transformem em curadoras da moral pública ou sacerdócio de valores cívicos. Seu papel não é ler a alma da nação, nem interpretar o momento político com tintas sentimentais, mas limitar o poder, proteger o Estado de Direito e garantir os direitos do indivíduo.

Mesmo os que cometem crimes devem ser julgados como cidadãos, não como inimigos. Têm direito à ampla defesa, ao duplo grau de jurisdição, ao julgamento na instância adequada, e ao tempo que a democracia republicana impõe — mesmo a seus adversários.

A lei não deve ser indulgente por conveniência nem severa por revanche. O excesso punitivo é tão corrosivo quanto a impunidade. Desde Beccaria, sabemos que a verdadeira justiça não se mede pelo tamanho da pena, mas pela exatidão da sua aplicação.

O fato de as pessoas estarem às ruas clamando por anistia — e não por julgamento justo perante os tribunais — é o retrato do esgarçamento da confiança na Justiça, hoje simbolizada por sua mais alta Corte. Quando a legitimidade do julgador é colocada em dúvida, o pacto republicano deixa de funcionar.

Se queremos preservar estado de direito, devemos protegê-lo não apenas de seus agressores declarados, mas também de seus defensores apaixonados — o risco à liberdade não reside apenas na força do inimigo, mas também no zelo excessivo dos seus autos propalados guardiões.

Sergio Lewin -Advogado e Fundador da Lexum, entidade voltada à defesa do Estado de Direito. Ex-presidente do Instituto de Estudos Empresariais e do Instituto Liberdade.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Lexum

Lexum

A Lexum é uma associação dedicada à defesa da liberdade e do Estado de Direito no Brasil. Fundamentamos nossa atuação em três princípios essenciais: (1) o Estado existe para preservar a liberdade; (2) A separação de poderes é essencial para a nossa Constituição Federal; e, (3) A função do Judiciário é dizer o que a lei é, não o que ela deveria ser. Promovemos um espaço para advogados liberais clássicos, libertários e conservadores, estimulando o livre debate e o intercâmbio de ideias.

Deixe uma resposta

Pular para o conteúdo