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O Capitalismo é o sistema social mais equitativo (III)

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equitativo3O governo representativo (representative government) e a equidade são corolários políticos da supremacia dos consumidores sobre o mercado. O mesmo processo histórico que substituiu o modo de produção capitalista aos métodos pré-capitalistas substituiu o governo popular – a democracia e o estado de direito – ao absolutismo e às formas de governo da minoria. Não se trata, no entanto, de uma ‘democracia absoluta’, ou fé cega no sufrágio universal: isto seria crença em políticos demagogos. A equidade não pode submeter os direitos inalienáveis às pulsões da maioria, pois ela seria a única forma de igualdade não conduzindo sistematicamente ao desrespeito do direito individual e a espoliação. Trata-se de um fenômeno contemporâneo, quase concomitante e indissociável do advento do regime capitalista de produção e da democracia liberal.

Por mais que equidade tenha sido idealizada há muito tempo, ela foi verdadeiramente aperfeiçoada e generalizada enquanto instituição apenas recentemente, e ainda permanece como um ideal a ser alcançado visto a tendência à concessão de privilégios em democracias representativas. Com efeito, e a propósito, foi possível notar a presença deste ideal de equidade e fim da institucionalização de privilégios nos movimentos abolicionistas modernos, notadamente, através dos trabalhos de filósofos e economistas do século XVIII e XIX. Durante o período do iluminismo, o nascimento conjunto do liberalismo, da economia política, do romantismo e do movimento abolicionista poderia nos dizer muito a respeito da importância que este ideal de equidade representa não somente do ponto de vista da ética capitalista, mas também do ponto de vista do funcionamento da economia de mercado fundamentada na propriedade privada.

Um exemplo notável diz respeito aos trabalhos de economistas fisiocratas franceses no século XVIII, cujos quais as idéias e posições relativas ao comércio, à produção e aos direitos naturais dos homens os conduziam a considerar o escravismo não somente como um sistema moralmente abominável, mas sobretudo, o constatar economicamente corrompido e insustentável em uma sociedade pré-industrial. Uma ilustração pertinente poderia ser esta de Anne Robert Jacques Turgot (1727-1781), autor concebendo que a instituição do escravismo violava, antes de tudo, todas as leis da ordem e da moral, e todos os direitos da humanidade. Mas ainda, para Turgot (1808, p. 21-23), o escravismo além de moralmente repreensível, era um sistema econômico funcionando forçosamente sobre níveis de produtividade menos elevados, notadamente, devido ao caráter forçado da relação produtiva:

“Dès que cette abominable coutume a été établie, les guerres sont devenues encore plus fréquentes. Avant cette époque, elles n’arrivaient que par accident; depuis, on les a entreprises précisément dans la vue de faire des esclaves, que les vainqueurs forçaient de travailler pour leur compte ou qu’ils vendaient à d’autres (…) Les esclaves n’ont aucune justice à réclamer utilement vis-à-vis de gens qui n’ont pu les réduire en esclavage sans violer toutes les lois de l’ordre et de la morale, et tous les droits de l’humanité (…) Les esclaves n’ont aucun motif pour s’acquitter des travaux auxquels on les contraint, avec l’intelligence et les soins qui pourraient en assurer le succès ; d’où suit que ces travaux produisent très peu.”

A conclusão de Turgot não era muito diferente do que já havia anunciado Dupont de Nemours em 1771, economista francês descrevendo igualmente que o escravismo era tão imoral quanto improdutivo, e o regime se mantinha, entre outros motivos, graças à ilusão extensivamente difundida de que esta forma de relação e organização produtiva garantiria economias na produção, e que era economicamente superior: o que Dupont de Nemours considerava uma grande ilusão:

“Les particuliers qui ont des esclaves, comme les gouvernements qui les tolèrent, en rougissent en secret; ils croient que c’est une grande économie; que le travail des esclaves auxquels on ne paie ni gages, ni salaires, est à plus bien bas prix que ne pourrait être celui d’hommes libres; enfin, que si l’on employait ceux-ci à la culture de nos colonies, le sucre serait trop cher (…)

Dire qu’il est licite de faire un homme esclave pour avoir son travail à meilleur marché, c’est dire qu’il serait licite de l’assassiner sur un grand chemin pour avoir son argent à peu de frais.

Mais les particuliers et les gouvernements se trompent; l’injustice est une mauvaise ménagère. Car si l’on tient compte des frais d’achat des nègres, de la nécessité d’amortir rapidement cette dépense de premier établissement, en raison de la faible durée de la vie des esclaves, de la mauvaise qualité de leur travail, des frais que leur surveillance exige, on trouve un taux de salaires tellement élevé qu’on est à peu près sûr d’avoir toujours des ouvriers libres pour le même prix sans faire violence à personne.

Or, le travail d’hommes libres serait bien plus profitable aux fabricants que celui des esclaves. L’esclave est paresseux, parce que la paresse est son unique jouissance et le seul moyen de reprendre en détail la liberté que le maître lui a volée en gros. (…) Il est mal intentionné parce qu’il est dans un véritable état de guerre toujours subsistant avec son maître. Il n’en serait pas de même d’ouvriers, libres de leur personne et propriétaires de leurs gains. La concurrence les amènerait à travailler avec plus d’intelligence et avec plus de méthode.”(Dupont de Nemours 1771, p. 105-107)

O trabalho livre e mais produtivoque necessitavam as industrias nascentes e os comerciantes – e o sistema capitalista de produção em larga escala –, não poderia se manter sobre um regime escravista: a busca abolicionista pelo fim do escravismo e a produção capitalista demandavam progressivamente o reconhecimento da equidade entre os homens (1). As cidades e os campos necessitavam empregar cada vez mais mão de obra livre. A injustiça é companheira da ineficiência econômica, a eficiência econômica é promotora da dinâmica inovadora em matéria institucional, o que é aliás uma característica do capitalismo (2).

A divisão do trabalho e eficiência nos processos produtivos repousa em grande parte em um reconhecimento formal de autonomia individual e em um regime de responsabilização: dificilmente não conciliável ou independente da equidade conferida ex lege. Para o sociólogo e economista alemão Max Weber (1904), o processo capitalista de produção depende da capacidade de contabilização ou expressão contábil e metódica dos recursos empregados – humanos e materiais. Não parece, neste sentido, ser difícil pensar que uma barreira contábil e material se impõe uma vez admitido que a mão de obra escrava e o custo que ela acarreta ou se distancia dos verdadeiros custos que ela impõe aos seus gestores, ou sejam tais que processos produtivos temporalmente curtos, territorialmente móveis e tecnicamente desenvolvidos estejam praticamente descartados. O escravismo pressupõe ou não releva e não garante plenamente o reconhecimento das diferenças em matéria de produtividade, nem permite remunerar adequadamente e em função dos ganhos auferidos. Isto engendra problemas de incentivos o tornando insustentável economicamente em uma sociedade industrial.

A própria optimização na alocação destes recursos deve dar certa autonomia decisional complementada pelo regime de responsabilização. Ambos compatíveis com o reconhecimento formal do trabalho livre. Por um lado, o escravo não tem voz ativa, ele não é formalmente proprietário de si, não é factualmente responsável em última instância por seus gestos, sua responsabilização é limitada e, em caso de ineficiência ou disfunções na cadeia produtiva, o proprietário de escravos deve arbitrar entre a venda ou cessão do ativo (e eventual perda material do investimento realizado), ou punir o escravo e causar igualmente a si próprio uma perda associada aos danos físicos auferidos ao ser humano. O escravo ou o servo em si não é plenamente responsabilizável no sentido que seus atos estão forçosamente associados a seus mestres, vistos que eles não são independentes. A divisão do trabalho não consegue se desenvolver e atingir seus estágios mais avançados em um tal regime. E no que diz respeito à autonomia relativa, ela é justamente fundamental para a cadeia de incentivos regendo a produção, e se distingue dos arranjos onde prevalece a aquisição pela força e pela coerção; diferentemente da cooperação voluntária, responsabilização plena e identificação da realização de tarefas com objetivos puramente pessoais e profissionais.

Tradução das Citações Originais em Francês

“Desde que este abominável costume se estabeleceu, as guerras se tornaram ainda mais frequentes. Antes desta época, elas aconteciam apenas por acidente; desde então, as pessoas empreenderam guerras precisamente tendo em vista fazer escravos, que os vencedores forçariam a trabalhar para si ou que os vendiam a outros (…) Os escravos não têm nenhuma justiça a reclamar eficientemente vis-à-vis das pessoas que os reduziram ao escravismo e violaram todas as leis da ordem e da moral, e todos os direitos da humanidade (…) Os escravos não têm nenhum motivo para bem executar os trabalhos aos quais são constrangidos, com a inteligência e cuidado que poderiam assegurar o sucesso; donde segue que estes trabalhos produzem muito pouco.” (Turgot 1808, p. 21-23, traduzi)

E de Dupont de Nemour:

“Os indivíduos que têm escravos, assim como os governos que toleram tal coisa, têm vergonha em segredo; eles acreditam que realizam grandes economias; que o trabalho dos escravos aos quais eles não pagam nem caução, nem salários, é fornecido por um preço mais baixo do que este ofertado por homens livres; enfim, que se terminassem por empregar estes últimos nas culturas de nossas colônias, o açúcar se tornaria muito caro (…) Dizer que é lícito fazer um homem de escravo para ter trabalho a preços mais baixos, é o mesmo que dizer que seria lícito assassinar em assaltos de estradas para ter seu dinheiro a pouco custo. Mas os indivíduos e governos se enganam; a injustiça é uma péssima empregada. Pois se levarmos em conta as despesas para a compra dos negros, a necessidade de amortizar rapidamente esta despesa de primeira ordem, em razão do curto tempo de vida dos escravos, da qualidade ruim de seus trabalhos, das despesas que exige a supervisão destes mesmos, encontramos então níveis de salário tão elevados que estamos quase certos que obteremos sempre trabalhadores livres pelo mesmo preço sem seja necessário fazer violência a alguém. Ora, o trabalho dos homens livres seria muito mais benéfico aos fabricantes que este dos escravos. O escravo é preguiçoso, por que a preguiça é praticamente seu único lazer e é o único meio de retomar em alguma escala a liberdade que o mestre lhe roubou (…) Ele é mal-intencionado por que ele se encontra em estado permanente de guerra com seu mestre. O mesmo não aconteceria com trabalhadores, livres de sua pessoa e proprietários de seus ganhos. A concorrência os conduziria a trabalhar com mais inteligência e métodos.” (Dupont de Nemours 1771, p. 105-107)

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Matheus Bernardino

Matheus Bernardino

Economista (Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne)

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