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A triste realidade das multas de trânsito

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por JACY MENDONÇA*

multas

Conta o fértil anedotário português que, tempos atrás, um turista, andando por Lisboa, teve a atenção despertada por um lindo gramado, sobre o qual havia pequena placa cravada com os seguintes dizeres: é proibido pisar na grama; multa: 4 escudos. Uma semana mais tarde retomou o mesmo caminho e encontrou a mesma placa no mesmo gramado, mas com os dizeres alterados: é proibido pisar na grama; multa: 2 escudos. Estranhando a mudança, dirigiu-se a um guarda, nas imediações, e perguntou-lhe:

 

Senhor guarda, será que estou com algum problema de memória, ou o valor da multa foi mesmo reduzido?

Ao que o guarda lhe respondeu de pronto:

Ora pois, foi sim, pois ninguém pisava…

A par do aspecto cômico da historieta, há nela uma grande lição: multas não têm como objetivo serem cobradas; aí radica a comicidade. Elas não se destinam ao aumento da arrecadação, mas visam apenas a desestimular determinada conduta indesejável.

 

Os administradores brasileiros não aprenderam essa lição. Têm voraz apetite por multas. Quanto mais numerosas e mais elevadas forem, maior prazer lhes causarão. Se multada for uma empresa, não importa o fato de o montante da pena ser tal que determine o encerramento do negócio com desemprego imediato de todo o pessoal, cessação das atividades produtivas e desaparecimento de um contribuinte. O prazer de aplicar a multa é maior que tudo isso.

 

Certa vez, um empresário foi assistir a um julgamento de seu interesse em tribunal administrativo. Todos os votos tinham sido absolutamente favoráveis a ele, até que o último juiz declarou concordar com os demais colegas, mas insistiu, para espanto dele, que era necessário, mesmo assim, aplicar a multa; propôs determinado valor, todos aprovaram e o julgamento foi encerrado, para deleite dos julgadores.

 

Nossos administradores de trânsito também não se deram conta da verdade revelada na piada portuguesa e transformaram as multas em puras fontes de receita. Há municípios que se orgulham até do fato de elas aparecerem entre as maiores fontes de arrecadação.

 

Não há mais guardas que fiscalizem e orientem o trânsito; foram substituídos por radares que, embora não sejam capazes de orientar o tráfego, são mais eficientes, mais confiáveis na arrecadação e não pretendem ser sócios do fisco. Por isso, cresce o número de radares em nossas ruas e estradas. Por isso esses radares são cada vez menores e estão cada vez mais escondidos, aproveitando as curvas, os aclives, os declives, a vegetação, as obras viárias ou ocultando-se em um velho carro à beira da estrada, simulando estar abandonado, de forma a não serem percebidos. Há ruas em que a velocidade máxima é de 70 km/h, um quarteirão depois é de 40 km/h e no seguinte é de 30 km/h. Os motoristas, preocupados com a intensidade do tráfego, com motoqueiros buzinando nos dois lados e atrás de seu veículo, os pedestres atravessando fora das faixas, os carros estacionados à margem da via, como se fora uma garagem particular, não conseguem descobrir as placas instaladas nos lugares mais ocultos e menos esperados. São flagrados pelo radar e assim cumpre-se o objetivo dos administradores: são multados, vão engordar os cofres públicos, enquanto a desgraça do trânsito continua a mesma. Em seus gabinetes, os administradores estão felizes porque adotaram a mais eficiente forma de caçar novas vítimas.

 

Em países civilizados, não existe tal fartura de placas de trânsito nem de radares. O motorista aprende desde cedo que, nas estradas, a velocidade máxima é de 100 km/h e nas vias urbanas é de 50 km/h. Há países em que há também estradas nas quais nem há velocidade limite. São regras que não necessitam de placas. As exceções, estas sim, são objeto de aviso extraordinário, quando há um acidente, um defeito na pista, uma obra. Há rigor na fiscalização do cumprimento da limitação, mas o motorista não é caçado. Se, por sua livre disposição de vontade, infringir as regras ou as exceções, será punido; e disso não será cientificado pelo cômodo aviso eletrônico, graças ao qual o administrador nem suja os dedos tratando pessoalmente com o infrator.

 

Moral da fábula: o que era hilariante piada em Portugal é triste realidade entre nós… o que nos fazia rir, faz-nos chorar.

 

*Jacy de Souza Mendonça possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Grande do Sul (PUCRS) e doutorado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é professor titular da PUC-SP e do Centro Universitário Capital.

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