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Se comemoramos um “milagre”, importa tanto assim o nome do “santo”?

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O sucesso em fechar o acordo entre Mercosul e União Europeia foi retratado pela imprensa e pelos influenciadores como um acontecimento histórico que demorou vinte anos para se realizar. Mesmo assim, é claro, esse acerto não poderia ser unanimidade – e talvez ele tenha causado mais divisões não tanto por conta do conteúdo, mas por conta do desejo de definir quem o realizou.

Setores diferenciados do liberalismo, do conservadorismo e da direita brasileira em geral se manifestaram sobre o assunto com posições que, confesso, não me surpreenderam. Alguns, que compõem as fileiras do bolsonarismo, enalteceram a glória do governo do “mito” e a conquista magnífica do Ministério de Relações Exteriores, que teria operado um prodigioso feito absolutamente exclusivo. Outros, críticos contumazes, enalteceram a participação dos governos anteriores, especialmente de Michel Temer, e atacaram o que consideraram uma contradição dos governistas mais empedernidos, já que construíram um discurso de campanha “antiglobalista”, seguindo a retórica adotada por Donald Trump nos Estados Unidos, e agora consagram como grande trunfo uma negociação entre blocos econômicos – ou seja, aglomerações supranacionais. O tiroteio entre essas posições extremadas não tardou e tem sido, aliás, de certo modo, rotineiro, o que, no caso específico, me deixou com a sensação de estarmos por vezes nos perdendo em filigranas.

O próprio presidente Jair Bolsonaro terminou sendo, em relação a essa questão específica, maior do que tudo isso ao declarar: “Como falo publicamente também, a questão do Mercosul: devemos em parte ao Michel Temer. Eu não vou tirar o Michel Temer de fora. Uma negociação que se arrastava há 20 anos. O Michel Temer começou realmente a tratar desse assunto com seriedade e depois nós impulsionamos tendo em vista os ministros que nós convidamos para levar adiante essa proposta”.

Seria provavelmente ingenuidade esperar que os fatos se dessem de outro modo; ora bolas, afinal, é a política. A “direita” nascente jamais foi uma força monolítica, muito menos de pleno acordo a respeito de um governo e de uma pessoa – e disse e repito: é ótimo que seja assim. Há, ou deveria haver, papel e espaço para os que se identificam mais com o governo e para os mais críticos. Infelizmente, as paixões fazem com que muitos entre os primeiros qualifiquem, em verdadeiros linchamentos, qualquer contestação ao governo, qualquer ponderação, qualquer contextualização, de “comunismo” ou “traição ideológica”, e alguns entre os segundos rotulam todos aqueles que não se arrependeram do seu voto em 2018 ou que estiveram nas últimas manifestações de rua de “nazistas” ou “fascistas”. São recursos igualmente vazios.

Também é verdade que sempre fui favorável à polarização e não contradirei minhas posições a esse respeito. Sempre acreditei na existência de paradigmas diferentes competindo na vida pública, num enfrentamento franco entre esquerda e direita – ou antes, entre esquerdas e direitas – e também, com o perdão do maniqueísmo confesso, na existência do bem e do mal. Também sempre acreditei que, em certos momentos dramáticos, a polarização, se exercida com o mínimo de responsabilidade e honestidade, é necessária para salvar uma sociedade dos efeitos da inércia diante do horror que a devora. Com franqueza, não havia como enfrentar o mal que o lulopetismo representava sem polarizar com ele – e foi o que todos fizemos, liberais e conservadores de todos os matizes.

Ainda assim, ao mesmo tempo, existem uma sociedade e instituições a manter, passos a dar, uma coesão a sustentar e agendas a avançar. A coalizão de forças que elegeu Bolsonaro está tensionada, é natural que esteja, é natural que haja disputas de espaço e disputas de ideias. Creio que passa a haver um problema real quando as narrativas polarizadas, especialmente dentro da própria direita, em quaisquer de suas alas, se divorciam demais da realidade e passam a não dar a mínima para as evidências que não se encaixam em sua cartilha.

Aí passa a ser nosso dever, creio, procurar lançar os holofotes aos fatos, de modo a facilitar o avanço e o respeito às agendas liberais que nos interessam sem para isso comprometer a verdade e as nossas consciências. Narrativas são inevitáveis em política, mas uma narrativa sem fatos não passa de uma mentira e não vale empunhá-la, mesmo que seu propósito pareça nobre. O acordo Mercosul-União Europeia é excelente ilustrativo de onde se podem ver excessos retóricos de parte a parte.

O governo Bolsonaro foi competente ao fechar o acordo. É risível querer negar toda e qualquer responsabilidade pelo acerto firmado ao final de seis meses de administração à gestão que o concluiu. O presidente não foi nota de rodapé na reunião do G20 e o desfecho é um marco positivo.

Algumas declarações de bolsonaristas por ocasião do acordo foram efetivamente contraditórias com o discurso de campanha e é justo que isso seja apontado, mas há reparos a fazer nas críticas. Um ideal nem sempre pode ser defendido sem determinados ajustes à realidade prática. A ideia de resguardar uma dimensão nacional e impedir avanços exageradamente intervencionistas de blocos supranacionais é meritória. Isso não quer dizer: 1) que não se possa fazer uma articulação com vistas a propósitos basicamente econômicos, que beneficiam diretamente o interesse nacional de cada país envolvido; 2) que seja possível evitar todo e qualquer acordo de blocos e grupos, tendo em vista os objetivos pragmáticos do país, considerando-se a realidade internacional que está dada.

É preciso igualmente admitir, por dever de justiça, sem tergiversação, que os esforços, principalmente do governo Temer, que já havia modificado em diversos aspectos a orientação do Brasil em relação ao período petista, foram de grande importância. É infantilidade resumir tudo a uma suposta “mitada”. Os dois governos, principalmente – achar que a diplomacia do PT colaborou muito para a costura desse acordo já é demais -, construíram esse feito, à revelia de Bolsonaro ser bonito e Temer feio ou vice-versa. À revelia até de Temer ser culpado ou não dos crimes de que é acusado. Seu governo é outra coisa – e houve nele sucessos a aplaudir.

Algumas conquistas, sobretudo as maiores, são conquistas de Estado, não apenas do governo de ocasião, a serem celebradas por todos que se interessam pela fortuna do país, quanto mais a que foi obtida nesse acordo, que nos permite oxigenar o comércio, em especial, do nosso pujante setor agropecuário. Se temos um “milagre” a festejar, o nome do “santo” ou dos “santos” é secundário. Quero crer que lá na frente, quando o calor arrefecer, joio e trigo serão devidamente separados e zombaremos dessas minudências.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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