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Por que não devemos querer soluções de força

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O ambiente interno na direita está bastante tóxico. O governo enfrenta muitas dificuldades e conseguiu criar outras tantas. Vi muitas distorções e opiniões que me desagradaram vindas de diversos lados. As paixões estão afloradas e se está dando muita munição para o azar e combustível para o caos. Se disser que estou gostando do que estou vendo, estarei mentindo.

Ao mesmo tempo, está simplesmente inviável acompanhar todos os duelos infantis e conflagrações de Twitter dos nossos líderes e parlamentares. Tenho a impressão de que, por maravilhosas que sejam as redes sociais, alguns teriam grande lucro em deixá-las um pouco mais de lado e enfrentar com mais seriedade as questões que realmente urgem, para bem do Brasil. Ou será que estou sendo ingênuo e o lucro seria do país e não deles? Afinal, talvez estejam ganhando a atenção de internautas enquanto a pátria clama por reformas e perspectivas…

Nesse clima de tanto calor, tudo isso absolutamente desnecessário, tudo isso perfeitamente evitável – em havendo serenidade e vontade -, prefiro por ora não jogar mais lenha na fogueira. Observemos os próximos acontecimentos. Quero deixar enfatizado apenas o que, qualquer que seja a nossa opinião e quaisquer que sejam as decisões que individualmente tomemos, considero um consenso absolutamente inegociável. Quero enfatizar aqui o que deveria ser óbvio, o que não deveria precisar ser dito, mas se torna necessário na medida em que já vejo novamente sendo verbalizado o incogitável por alguns setores e por cidadãos comuns descontentes como proposta para a “salvação nacional”.

Não devemos defender soluções de força. Não devemos defender o fechamento do STF ou do Congresso. Não devemos defender nenhum tipo de golpe de Estado como saída para o quadro atual.

Todo aquele que sustentar alguma dessas saídas neste momento deve ser visto como carente de lucidez ou mesmo como inimigo do país – mesmo que fale em favor do governo Bolsonaro, o que é ainda mais absurdo, pois um governo que precisa aprovar reformas essenciais não pode ter interesse no caos institucional, não pode pretender um autogolpe.

A revolta contra o comportamento de ocupantes dessas instituições é perfeitamente compreensível. Eu mesmo defendi – e continuo defendendo – o impeachment de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, por exemplo, pelo ato de censura e intimidação cometido por eles contra cidadãos brasileiros no âmbito do processo de inquérito contra pessoas e publicações que teriam “agredido o Supremo Tribunal Federal”. Lamento ver que meu objetivo ficou distante, já que a maioria já se parece ter esquecido do fato ou não dar a ele muita importância. Fui chamado de “jacobino” por ter insistido nisso. Agora posso ser alcunhado de “direita limpinha” por alguns que se profissionalizaram em preencher seções de comentários em redes sociais com rótulos patéticos, mas é do jogo.

Não defendi em momento algum a destruição completa dessas instituições, a sua abolição. Acredito que vale a pena fazer algumas considerações sobre isso porque minha posição é peculiar: se sou hoje completamente contrário a essas cogitações, também não acolho a opinião amplamente aceita de que golpes e rupturas institucionais são e foram sempre, em qualquer circunstância, inaceitáveis. Apelando à imagem de John Locke do homem que, sem opções dentro das instituições, decide empregar seu direito de “apelar ao céu” e se revoltar, acredito que o realismo às vezes se impõe sobre ficções jurídicas e interrupções se fazem necessárias.

O Brasil já foi um país em que as Constituições eram tão vazias na prática que os militares, convertendo-se em “moderadores extra-oficiais”, eram os responsáveis reais por garantir todas as situações políticas. Getúlio Vargas chegou ao poder com a ruptura de 1930, escamoteou as eleições de 34, deu o golpe de 37, somente se retirou de seu regime ditatorial oficialmente através de outro golpe, uma ação armada, em 1945, o que permitiu a eleição de Dutra – também golpista de 37 -, facilitando o retorno do caudilho em 1950 sob a égide da “democracia” em um ambiente viciado por anos de construção de uma máquina autoritária personalista. Sua queda se deu pelo suicídio, mas igualmente a crise de agosto se acirrou pela pressão militar por sua saída e pela República do Galeão. Novamente seus herdeiros chegaram ao poder com a aliança PSD-PTB, JK e Jango, em um cenário em que reformas eleitorais importantes não foram feitas – e antes de tomarem posse foi aplicado um “golpe preventivo” pelo marechal Lott e por Odylio Denys, depondo ao mesmo tempo um presidente e seu substituto interino. Nenhuma força política no país tinha uma trajetória isenta de defesas de golpes ou ações mais ostensivas das Forças Armadas, da UDN a Getúlio, e as regras reais do jogo eram essas. Com isso chegou-se a 1964 e, infelizmente, ao regime militar.

Hoje o Brasil é um país diferente. A população é muito maior, é muito mais urbanizado, conectado ao mundo através dos efeitos da tecnologia, da rede e da globalização. Temos a capacidade de promover mobilizações através de hashtags. Temos celulares por toda parte a difundir pautas e informações. Temos muito mais movimentos e entidades organizadas que pressionam e dialogam diretamente com políticos para defender pautas.

Sim, penso que era preciso dar um golpe em Getúlio Vargas em 1945 para encerrar o Estado Novo. Em 1964, teria apoiado o que foi feito contra João Goulart. Admito tudo isso sem peias, sem rubor algum, porque é o que efetivamente penso. No entanto, não estamos sob uma ditadura, não estamos em um cenário de Guerra Fria com militares amotinados e centrais sindicais provocando greves destrutivas “patrocinadas” pela Presidência da República e não estamos mais no país dos anos 40, 50 e 60. Estamos em 2019.

Derrubamos o PT. Fizemos o impeachment. Elegemos deputados liberais, elegemos uma coalizão de diferentes forças à direita. Fizemos tudo isso sem desrespeitar um til da Constituição de 1988, por pouco lisonjeira que ela seja. Os próprios militares, a quem no passado se precisava recorrer para fazer golpes e intervenções, estão no governo, para o qual foram conduzidos democraticamente pelo presidente Jair Bolsonaro.

Então, se não atingimos a maioridade como nação, como certos espetáculos circenses de brigas entre deputados e deputadas (que inclusive deveriam estar do mesmo lado e são do mesmo partido) parecem indicar, as circunstâncias são diferentes e nos permitem, sim, almejar o que sempre buscamos e aquilo com que sempre sonhamos: a participação efetiva da sociedade no processo decisório, sob a lei. Não devemos fazer apelos a salvadores da pátria e forças repressoras para atingir objetivos ao primeiro sinal de dificuldade.

O Brasil não pode permanecer em ciclos infindos de golpes e contragolpes, com a população pedindo socorro a supostas forças maiores. Se todos estivermos de acordo em que isso ficou para trás, poderemos conversar.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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