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Votos do Brasil na ONU entre 1991 e 2019: o que mudou com Bolsonaro?

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O post de hoje é um exercício com números de uma área que conheço pouco, mas em que tenho interesse. Como é comum em exercícios onde temos os números, mas não dominamos bem os conceitos, alguns erros de interpretação podem aparecer aqui e ali. Por tais erros, peço desculpas. Se o objetivo fosse fazer um artigo mais aprofundado sobre o tema, certamente buscaria ajuda de quem entende do riscado. Como é mais modesto, creio que dá para seguir adiante.

Com base nos dados organizados por Erik Voeten, Anton Strezhnev e Michael Bailey em United Nations General Assembly Voting Data (link aqui) e inspirado em um estudo de caso do Datacamp guiado pelo Dave Robinson (link aqui), resolvi dar uma olhada nos votos do Brasil na ONU e se houve alguma mudança de padrão com a chegada de Bolsonaro ao poder. Os dados são sobre os votos nas Assembleias Gerais da ONU entre 1946 e 2019. Para cada sessão de cada assembleia, estão disponíveis informações como o voto do país, a importância do tema e a natureza do assunto. Pelo que entendi, a regra geral é que quando o país vota “sim” está seguindo a orientação da ONU – dessa forma, o percentual dos votos “sim” nas assembleias de cada ano oferece uma medida de adesão do país à ONU ou à comunidade internacional.

A figura abaixo mostra o percentual de votos “sim” do Brasil, da China e dos Estados Unidos desde 1991. Repare que em todos os anos do período os Estados Unidos acompanham a ONU em menos de 50% das votações. Na grande maioria dos anos, China e Brasil flutuam entre 75% e 100% de adesão à ONU. Perceba que a partir de 2015 o Brasil começou a divergir mais da ONU, com uma forte queda em 2019, primeiro ano de governo Bolsonaro, quando o Brasil votou “sim” em 72,5% das vezes. A última vez em que o percentual de votos “sim” do Brasil tinha ficado abaixo de 73% foi em 1974. De 1991 para cá, a menor adesão à ONU tinha sido em 2004, quando o Brasil votou “sim” em 83,3% dos casos. A maior adesão foi em 1991, com 97,3% de votos “sim”. Dessa forma, parece válido afirmar que, considerando a proporção de votos “sim” como medida de adesão à comunidade internacional, o governo Bolsonaro reforçou a tendência de queda iniciada em 2016. É curioso notar um aumento da adesão da China na mesma época em que cai a adesão do Brasil. Não sei dizer se os dois fenômenos estão relacionados.

Os dados também permitem avaliar o comportamento dos países por temas de interesse. A figura abaixo mostra as proporções de votos “sim” de Brasil, China e Estados Unidos entre 1991 e 2019 para cada um dos temas disponíveis na base de dados.

As quedas mais expressivas na proporção de votos “sim” ocorrem nos temas relacionados ao conflito na Palestina e aos direitos humanos. Na questão da Palestina, o grau de adesão do Brasil caiu de 87,5% em 2018 para 35,7% em 2019. Nesses dois anos, a adesão da China foi de 100% e a dos Estados Unidos foi de 0%. No tema “direitos humanos”, a adesão do Brasil caiu de 72,7% em 2018 para 50% em 2019. Nos mesmos anos, a adesão dos Estados Unidos subiu de 27,3% para 35,7% e a da China de 66,7% para 71,4%. Como causou estranheza a adesão da China maior que a dos Estados Unidos no quesito “direitos humanos”, fui dar uma olhada na adesão de outros países. Em 2019 a proporção de votos “sim” no tema “direitos humanos” foi de 35,7% na representação do Canadá, 38,5% na da Austrália, 42,9% nas do Reino Unido, Bélgica, França e Alemanha, 71,4% na da Venezuela, 76,9% na de Cuba, 78,6% na do Iraque, 87,5% na Guiné Equatorial, 92,9% na da Arábia Saudita e 100% na da Bolívia. Não sei quanto ao leitor, mas, da minha parte, quando o assunto é “direitos humanos”, prefiro que o Brasil esteja próximo da França e da Alemanha a estar próximo da China e da Venezuela. Dois registros sobre direitos humanos devem ser feitos: a maioria dos países do continente tem alta adesão, inclusive o Chile, e é possível que tenhamos a mesma proporção de “sim”, mas por conta de votações diferentes. Não chequei nesse nível de detalhe, fica para outra oportunidade.

No tema “colonialismo” o Brasil descolou da China e da ONU a partir de 2017 quando saiu de uma sequência de 100% de votos “sim” para 87,5%, caindo para 66,7% em 2018 e voltando para 87,5% em 2019. Não fiz o mesmo exercício de checar países que fiz para o tema “direitos humanos”, mas arrisco dizer que a mudança reflete o fim do período do PT e da política de buscar ser líder dos países emergentes. A proporção de votos “sim” do Brasil no tema “controle de armas e desarmamento” não mostrou alterações relevantes: a adesão à ONU foi de 88,2% em 2018 para 87,5% em 2019, ficando acima da adesão da China e dos Estados Unidos. Uma última curiosidade não relacionada ao Brasil é a mudança na adesão da China à ONU no tema “armas e materiais nucleares”. Será?

Não sei os impactos da mudança na adesão à ONU ocorrida no governo Bolsonaro. O índice de votos “sim” nos níveis do começo da década de 1970 me parece um sinal claro de que a postura anti-ONU (alguns preferem dizer anti-globalismo) de Bolsonaro teve efeito na representação brasileira na ONU. Outro tema onde a influência de Bolsonaro parece clara é a questão da Palestina. Curiosamente não parecem ter ocorrido mudanças significativas no tema relacionado ao controle de armas. Na questão dos direitos humanos, a proporção de votos “sim” do Brasil caiu, mas se aproximou da de países europeus.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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