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Uma nova década perdida?

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decada perdidaEm 2010, o PIB brasileiro cresceu 7,5%. Era o coroamento de uma década de crescimento que há muito não se via no Brasil. Depois do desastre da década de 1980, conhecida como década perdida, dedicamos a década seguinte a arrumar a casa e estabilizar a economia. Com a economia estabilizada, a primeira década do século XXI foi caracterizada por crescimento acompanhado de redução da pobreza e da desigualdade. De acordo com os dados do FMI (link aqui) nas décadas de 80 e 90 o PIB per capita cresceu a uma média anual de 0,1% e 0,92%, respectivamente. Sendo assim, não foi sem razão que comemoramos com entusiasmo o crescimento médio anual de 2,43% na década que foi de 2001 a 2010. Não bastasse a volta do crescimento, também houve um aumento da taxa de investimento; em 2001, o Brasil investiu 18,9% do PIB e, em 2010, investiu 21,8%.

Com uma década de crescimento inclusivo e com o aumento do investimento, não faltou quem decretasse que a década de 10 seria ainda mais impressionante que a anterior. Como poderia não ser? A dita nova classe média seria a base do mercado interno que serviria de impulso à demanda agregada; o tão esperado mercado interno parecia ter finalmente aparecido. Do lado da oferta, o aumento da taxa de investimento iria garantir o aumento da capacidade de produção. Como tudo que é bom pode melhorar, ocorreu um aumento significativo do acesso à educação, inclusive ao ensino superior. Não bastasse tudo isso, a dívida líquida chegou a 37,9% em 2010 contra 51,5% em 2001. Nem mesmo a volta do déficit em conta corrente assustava, afinal tivemos superávit entre 2003 e 2007 e era preciso muita má vontade para não ver que o déficit retornou em 2008 por conta da Crise Financeira que abalou o mundo. Pela primeira vez em muito tempo, não teríamos restrições internas nem externas ao crescimento.

Com tanta coisa boa acontecendo, qualquer um que em 2010 sugerisse que estávamos iniciando uma crise que poderia transformar a década seguinte em uma nova década perdida seria visto como um maluco ou um crítico raivoso e irracional do governo. Sei bem disso porque foi exatamente a condição em que eu estava em 2010. Trabalho com crescimento econômico e dedico a maior parte do meu tempo de pesquisa ao cálculo da produtividade no Brasil. Cálculo de produtividade consiste em dividir uma medida de produto por uma medida de insumos, a arte está em definir as medidas adequadas. Economistas acadêmicos são acostumados a trabalhar com coisas como cálculo estocástico, programação dinâmica e modelos de dados em painel, impressioná-los com uma simples divisão não é uma tarefa exatamente fácil. A saída que encontrei foi usar as medidas de produtividade em algum modelo que tivesse cálculo estocástico e/ou programação dinâmica, o modelo escolhido foi o modelo neoclássico de crescimento. A estratégia durou pouco tempo; rapidamente meus colegas descobriram que eu estava usando o mesmo modelo com medidas diferentes de produtividade e pararam de se impressionar com meus artigos. Ocorre que, no modelo neoclássico de crescimento, a produtividade é o único motor do crescimento de longo prazo. Como as medidas de produtividade mostravam que o crescimento da produtividade no Brasil era baixo, então minhas simulações mostravam baixo crescimento no futuro.

Foi uma experiência frustrante. Enquanto meus colegas usavam um monte de variáveis e modelos para mostrar o futuro maravilhoso que estava pela frente, eu ia contra a corrente bancado por uma única variável, a produtividade, e um modelo cuja estrutura central era da década de 1950. Pior: a versão mais moderna do modelo que eu uso torna explícita a hipótese de racionalidade dos agentes e ainda ousa trabalhar com equilíbrio competitivo, duas heresias para a maioria dos economistas que estudam economia brasileira. Enfim, lá estava eu nadando contra a corrente, munido de um modelo que quase ninguém aprovava e de uma variável que era vista como excentricidade de economistas neoclássicos. Pois bem; o tempo vingou minha variável e já nos primeiros anos da década de 10, quando ficou claro que o crescimento não vinha como esperavam, vários economistas dentro e fora do governo passaram a levar a sério a produtividade. Não tenho esperanças de que o tempo vá vingar o modelo neoclássico. Para ser sincero, não creio que nenhum modelo mereça ou mesmo possa ser vingado, mas já vejo sinais de que o tempo vai vingar minha previsão.

A figura abaixo mostra a evolução do PIB per capita brasileiro no período entre 1981 e 1990, a década perdida, e no período entre 2011 e 2020, a década que seria nossa redenção, ou, para usar a expressão da presidente Dilma, seria a década do PIBão. Os dados e as projeções são do FMI; repare que para 2016 a previsão é de crescimento do PIB per capita. Muita gente por aqui pensa o contrário. Se a previsão do FMI para 2015 se realizar (queda de 1,8% no PIB per capita, novamente mais otimista do que as previsões feitas por aqui), os primeiros cinco anos da década atual terão sido piores que os primeiros cinco anos da década de 80. Pior; ainda considerando as previsões do FMI, a década atual só não será pior que a década perdida por conta da queda brutal do PIB per capita em 1990. Para os que não lembram, 1990 foi o ano em que Collor resolveu “sequestrar” os ativos financeiros, um evento raro e de difícil previsão.

decadas perdidas

Pode ficar pior. Se no lugar das projeções do FMI fizermos a hipótese de que o crescimento do PIB per capita entre 2016 e 2020 for o mesmo do período 2011 a 2015, ou seja, 0,02%, a década de 10 terá tido menos crescimento do que a década perdida. É razoável supor que o crescimento de 2016-20 será igual ao de 2011-15? Creio que não, mas não faz muito tempo não era razoável supor que a década atual seria uma nova década perdida.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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