Uma luz liberal sobre a Lei Seca
Esse artigo rompe com certas barreiras do “politicamente correto” para discutir com racionalidade e dados concretos sobre uma questão que parece ser uma unanimidade nacional: a lei seca.
A lei seca foi promulgada em 2008 com o objetivo nobre de reduzir o número de acidentes no trânsito, sob a alegação que o uso de álcool, em qualquer quantidade, reduz significativamente a atenção e reflexos do motorista, aumentando assim a probabilidade de um eventual acidente. A grande mídia incorporou esse objetivo e vem divulgando ações da lei seca sob uma perspectiva extremamente favorável.
Desde já deixamos claro aqui que dirigir sem condições físicas ou psicológicas é uma atitude absolutamente lamentável. Desde já pugnamos para que todos os motoristas só trafeguem nas ruas quando estiverem em plenas condições, e isso inclui não somente não dirigir alcoolizado, mas também drogado, machucado ou sem condições psicológicas, tal como acontece no momento subseqüente a uma tragédia familiar, perda do emprego, briga com companheiro ou amigos, entre outros.
Vamos argumentar, contudo, que a Lei Seca, apesar da sua aparente boa intenção, é intrinsecamente imoral e não surte os efeitos desejados pela sociedade, qual seja, a redução de acidentes de trânsito, vindo a ser apenas mais um meio de arrecadação de receitas para o Estado.
A Lei 11.705/2008, também conhecida como Lei Seca, entrou em vigor no dia 20/06/2008, e dispõe que a tolerância para consumo de álcool é zero, sob pena de multa e suspensão da carteira de motorista por 12 (doze) meses.
Por que essa lei é imoral?
Argumentamos que toda lei que impõe uma sanção para uma conduta que não causa vítimas é moralmente injustificável. Esse pensamento não é novo e nem é uma criação do moderno movimento libertário. Na Roma antiga, era um chavão jurídico a seguinte frase: “nullum crimen sine iniuria”, que pode ser traduzido como “não há crime sem dano”.
Isso significa que não faz sentido classificar uma conduta como criminosa se tal conduta não traz, por si só, uma vítima.
No caso da Lei Seca, a conduta criminosa (ainda que esse crime seja punível apenas com multa) é a seguinte: “dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.
Pegando essa frase, utilizando-se apenas o ato criminalizado, que é o verbo “dirigir”, vemos que não há, a princípio, uma vítima. De fato, uma pessoa que dirige alcoolizada do bar até a sua residência, não causou dano a ninguém. Logo, essa conduta não deveria ser um crime.
Os governantes em geral admitem que a conduta em questão não cause danos por si só, mas argumentam que ela aumentaria exponencialmente a possibilidade de ocorrer outra conduta que, essa sim, causaria um dano a outra pessoa.
Ainda que déssemos razão aos governantes e à mídia em geral, esse pensamento é extremamente perigoso.
No momento em que damos a um governo o poder de decidir que condutas podem ser criminalizadas não porque causa danos, mas sim porque podem eventualmente ajudar a criar uma conduta verdadeiramente danosa, abre-se uma porta para a tirania e a opressão. O que impediria um governo com tal poder de proibir o consumo de batatas fritas porque elas podem causar colesterol? Opa, isso já acontece. O Ministério da Saúde, recentemente, passou a chantagear empresas de alimentos para diminuir o sal, açúcar e gordura de alimentos.
Esse argumento do dano potencial é tão absurdo que o governo poderia ainda nos proibir de usar carros, facas, pedras, eletricidade, bicicletas, etc. Até mesmo o sexo, atividade mais natural do planeta, poderia ser criminalizado, já que pode servir com transmissor de doenças.
O fim do caminho desse tipo de política é só poder transar com autorização do governo, depois de um processo administrativo iniciado com um requerimento em três vias e com pré-agendamento de um fiscal do governo para garantir que a camisinha esteja no lugar.
São tantas as coisas que podem servir de instrumento de dano que a própria vida em sociedade ficaria inviabilizada. Certamente não é essa a solução. Não vou aqui negar que beber é extremamente prejudicial para qualquer motorista. Logo, a punição deveria ocorrer para quem bebeu, dirigiu e acidentou alguém. Do ponto de vista liberal, não há problema nenhum em usar o consumo de álcool como agravante, ou seja, se a pessoa bebeu, dirigiu e machucou outra pessoa, a pena poderia ser agravada fortemente pela bebida, mas apenas se houve o dano, nunca se nada ocorreu.
Discutida a moralidade, vamos falar agora dos efeitos práticos da Lei Seca. É extremamente comum ouvir falar que a Lei Seca diminuiu os acidentes de trânsito no Brasil. Isso é MENTIRA!
Os dados mais confiáveis para acidentes de trânsito são os do DPVAT, que é o seguro obrigatório pago para pessoas que se acidentaram no trânsito.
Como a Lei Seca entrou em vigor no meio de 2008, vamos apresentar os dados dos anos anteriores:
2005
Mortes: 55.024
Invalidez: 31.121
Danos que não resultaram em invalidez: 88.876
Total: 175.021
2006
Mortes: 63.776
Invalidez: 45.635
Danos que não resultaram em invalidez: 83.707
Total: 193.118
2007
Mortes: 66.838
Invalidez: 80.333
Danos que não resultam em invalidez: 104.959
Total: 252.130
Vamos desconsiderar os dados de 2008, visto que a Lei Seca entrou em vigor no meio do ano, e não temos como saber exatamente a influência do período sem a lei e com a lei em vigor. Seguem os números dos anos com a Lei Seca em vigor:
2009
Mortes: 53.052
Invalidez: 118.021
Danos que não resultam em invalidez: 85.399
Total: 256.472
2010
Mortes: 50.780
Invalidez: 151.558
Danos que não resultam em invalidez: 50.013
Total: 252.351
A média de acidentes nos anos anteriores à Lei Seca ficou assim:
Mortes: 61.879
Invalidez: 52.363
Danos que não resultam em invalidez: 92.514
Média total de acidentes: 206.756
A média de acidentes nos anos posteriores à Lei Seca ficou assim:
Mortes: 51.916
Invalidez: 134.790
Danos que não resultam em invalidez: 67.706
Média total de acidentes: 254.412
Com esses dados, podemos ver que, efetivamente, apenas as mortes no trânsito diminuíram durante a lei seca, em cerca de 20%, caindo de 61.879 para 51.916. Por outro lado, houve um aumento absurdo de acidentes com invalidez de pessoas, em mais de 150%, saindo de uma média de cinco dígitos (52.363) para uma média de seis dígitos (134.790). Os acidentes com danos que não resultam em invalidez até diminuíram um pouco também, mas, no total, durante a Lei Seca, a média total de acidentes aumentou em 20%, saltando de 206.756 para 254.412.
E essa média tende a aumentar. Se o segundo semestre de 2011 for igual ao primeiro, teremos algo em torno da média atual de mortes e de danos que não resultam em invalidez no trânsito, mas os acidentes com invalidez passarão de 200.000 casos, tendo, no total, algo em torno de 330.000 acidentes no trânsito em 2011, o que é cerca de 75.000 acidentes a mais que a média dos outros anos de Lei Seca e 125.000 acidentes a mais que a média dos anos anteriores à Lei Seca.
Ora, se a Lei Seca não diminuiu efetivamente os números de acidentes de trânsito, além de ser imoral, qual o sentido da sua existência?
Do ponto de vista libertário nenhum. Do ponto de vista estatista, total, porque é mais uma fonte de renda do governo. Por ser uma multa, ela não é um tributo do ponto de vista clássico do direito tributário, mas, de fato, funciona como tal.
Apenas nesse ano, que, como visto, tende a ser o mais violento da história do país em matéria de trânsito, o Estado do Rio de Janeiro já aplicou mais de R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões) em multas em virtude da Lei Seca, e isso apenas até agosto. Ademais, estamos falando de apenas um estado da federação brasileira. A Lei Seca levanta, no mínimo, meio bilhão de reais para o Estado brasileiro por ano, e essa é uma estimativa modesta.
Portanto, não se iluda quando ouvir de uma autoridade que a Lei Seca é boa e previne acidentes. Basta ver os dados. Além de não evitar os acidentes, serve como mais um instrumento de arrecadação e corrupção, sem contar que a filosofia que a sustenta leva a um estado totalitário e opressor, sendo absolutamente imoral.
Precisamos dizer não para a Lei Seca, sem deixar de conscientizar as pessoas sobre o risco de beber e dirigir.
Esse texto dá a impressão que foi escrito em 2011.
Sua análise em torno do “não há crime se não há dano” pode até fazer sentido, especialmente se pensamos nos absurdos que isso pode gerar, mas seu argumento geral em torno dos números de vítimas e acidentes não se sustenta ao analisarmos os dados relativos ao aumento da frota no mesmo período. Entre 2001 e 2012, a frota de veículos em geral dobrou (de 28mi para 56mi) e a frota de motos quadruplicou (de 4,5mi para 19,9mi).
Se buscar especificamente os anos que cita (2005 a 2010) verá que a lei fez diferença. Recomendo inclusive buscar dados mais atualizados para 2011, 2012 e 2013, provavelmente estão disponíveis e podem ter números ainda mais baixos.
Concordo com toda sua argumentação, mas acho que ficaria ainda mais consistente se os dados fossem apresentados de outra forma. Creio que o mais correto seria padronizar pelo número de veículos em circulação em cada ano ou período.